Pais de criança com doença rara afirmam que tudo seria diferente se tivessem feito exame simples, que custa R$ 34

Ollie Williams, 3 anos, sofre com Atrofio Muscular Espinhal (AME). Sua família faz campanha para que a detecção desta condição seja adicionada ao teste do pezinho, no Reino Unido


Um exame de sangue que custa 5 libras, cerca de R$ 34, poderia ajudar a identificar precocemente uma doença rara devastadora, conhecida como Atrofia Muscular Espinhal (AME). Pais de crianças que sofrem com a condição se uniram para exigir que o governo britânico inclua a detecção da AME no teste do pezinho, que os recém-nascidos fazem pelo sistema público de saúde do Reino Unido, o NHS.

A vida de Ollie, 3, poderia ser diferente se sua condição tivesse sido diagnosticada antes — Foto: Reprodução/ The Mirror

A AME causa fraqueza muscular, perda de movimento, dificuldade para respirar nas primeiras semanas após o nascimento. Sem tratamento, a expectativa de vida de algumas crianças é de apenas 2 anos. As terapias genéticas disponíveis atualmente podem evitar que recém-nascidos com AME tenham paralisia, mas elas precisam ser administradas logo após o nascimento, antes que danos irreversíveis tenham acontecido.

Desde 2019, cerca de 250 bebês foram incapacitados pela condição genéticam conhecida como síndrome do bebê mole, no país. Um deles é Ollie Williams, agora com 3 anos. O pequeno foi diagnosticado quando tinha três meses. Atualmente, precisa de um tubo de alimentação no estômago e de uma máquina de oxigênio à noite. “Toda criança deveria ser testada e é absolutamente devastador que isso não aconteça”, diz Amy, a mãe dele. “Se um país como a Ucrânia, que está no meio de uma guerra, pode adicionar essa doença ao teste do pezinho, além de outros países, que não são tão ricos quanto o Reino Unido, por que aqui não podemos?”, questiona.

Iniciar o tratamento o quanto antes é fundamental para evitar consequências piores. Quando a terapia começa depois dos sintomas, é pouco provável que a criança consiga andar de forma independente. Muitas delas precisarão de ventilação mecânica, suporte nutricional e cuidados 24 horas por dia.

Terapias genéticas revolucionárias recentes, disponíveis no NHS, são capazes de interromper a morte dos nervos responsáveis ​​pela função muscular. Porém, pela falta de testes feitos em recém-nascidos, esse tratamento pioneiro só começa pouco antes do início dos sintomas. Alguns bebês foram testados ainda no útero, porque o irmão mais velho já havia sido diagnosticado com AME.

Quase todos os diagnósticos são feitos somente quando os pais levantam a preocupação com os médicos, pelo fato de seus bebês não engatinharem, nem sustentarem a cabeça. Porém, a essa altura, a janela para o tratamento que conseguiria prevenir a incapacidade para o resto da vida, geralmente, já foi perdida.

De acordo com o The Mirror, alguns bebês estão sendo testados no nascimento, em um projeto piloto conduzido pelo médico Laurent Servais, professor de doenças neuromusculares pediátricas na Universidade de Oxford e um dos maiores especialistas britânicos em AME. Ele estima que 49 bebês no Reino Unido nascem com AME por ano, mas apenas um é diagnosticado ao nascer. “É um absurdo absoluto não examinar todas as crianças”, afirma Servais. “Temos um teste simples que demonstrou ser seguro e confiável em todo o mundo. Poderíamos, por cerca de £5 por bebé, evitar que estas crianças morram ou fiquem incapacitadas para o resto das suas vidas”, ressalta. “Isso economizaria dinheiro para o NHS, e poderíamos evitar 48 tragédias a cada ano. Não há uma única boa razão para não fazer o rastreio. É uma emergência ética, econômica e médica”, defende.

“Quando as famílias têm duas crianças afetadas, uma tratada após os sintomas terem progredido e outra no nascimento, após testes genéticos, as diferenças na saúde e mobilidadesão impressionantes”, diz Giles Lomax, da instituição de caridade SMA UK. “Quaisquer atrasos no início de um piloto em todo o Reino Unido… têm consequências que mudam a vida de bebês nascidos com AME e suas famílias”. O Departamento de Saúde se recusou a comentar.

Para Amy e Ben Williams, a atrofia muscular espinhal de Ollie é um golpe duplo. O menino não consegue respirar, comer ou sentar sem apoio e seus pais sabem que se ele tivesse sido diagnosticado e tratado logo após o nascimento, as coisas poderiam ter sido muito diferentes. “Ollie poderia ser como seus amigos que estão aproveitando a vida”. Segundo a mãe, o pequeno mostrou sinais precoces de AME, como perda de peso e flacidez, mas as parteiras não estavam conscientes. Ele falhou no teste de reflexo do NHS, mas um clínico geral disse que seus olhos pareciam alertas e disse que ia “mantê-lo em observação”.

teste do pezinho (Foto: ThinkStock) — Foto: Crescer

Ollie tinha três meses quando foi diagnosticado com AME tipo 1, a forma mais comum e grave. Naquelas primeiras semanas cruciais, os neurônios motores morreram, antes de ele começar a tomar o medicamento. Ele usa uma máquina de oxigênio à noite, é alimentado por um tubo no estômago e precisa de sessões diárias de fisioterapia para manter os músculos. Ele usa uma “cadeira elétrica” que custa cerca de £ 15 mil, mais de R$ 100 mil.

Pegar um resfriado comum pode ser fatal para o pequeno e infecções que seriam comuns para ouras pessoas o colocaram em tratamento intensivo quatro vezes. Ele precisa ser colocado em uma máquina para simular uma tosse duas vezes por dia, o que limpa suas vias aéreas, já que seus próprios músculos da garganta não são fortes o suficiente.

“Se um dia ele desse alguns passos sozinho, seria incrível. Queremos apenas que ele tenha a melhor vida que pode ter”, diz Amy, a mãe.

AME no teste do pezinho: doença é detectada pela triagem neonatal no Brasil?

Embora a AME esteja relacionada para compor a quinta etapa de implantação do novo número de doenças que poderão ser detectadas pelo Teste do Pezinho disponível no Sistema Único de Saúde (SUS), não há expectativa de quando isso realmente ocorrerá. A Lei 14.154, de 26 de maio de 2021, estabeleceu a ampliação de seis para 50 o número das doenças que podem ser detectadas pelo Teste do Pezinho.

A lei federal passou a vigorar em 27 de maio de 2022 e deu aos estados o prazo de quatro anos para a incorporação das 50 doenças. No entanto, essa introdução não está sendo feita de forma universal e regular pelo país. Atualmente, apenas a primeira etapa foi realizada, incluindo a toxoplasmose congênita ao teste básico. Mas, mesmo assim, essa mudança ainda não é uma realidade para o Brasil inteiro. A neurofisiologista e neurologista Marcela Câmara Machado, membro da Academia Brasileira de Neurologia (ABN), disse à Agência Brasil que há uma tentativa de sensibilizar os estados para que se mobilizem e acelerem a implantação das novas doenças, “mas ainda não há previsão para que a AME seja incorporada, de fato, ao Teste do Pezinho”.

“O objetivo desse teste é o diagnóstico precoce. Porque a gente já sabe que todas as medicações por via terapia gênica, que é hoje a terapia mais cara do mundo, têm muito mais efeito se a criança é ainda sem sintomas. Ou seja, a gente diagnostica logo que ela nasce, antes de manifestar os sintomas, para ter uma vida, senão normal, muito próxima do normal”, disse a especialista.

As lideranças do Universo Coletivo AME também estão lutando para isso, solicitando audiência com a ministra da Saúde, Nísia Trindade, para argumentar em prol da aceleração da incorporação da AME no Teste do Pezinho. Adriane Loper, criadora do Instituto Fernando, em homenagem ao filho que morreu aos 9 anos de idade, em decorrência da doença, e uma das líderes do movimento, afirmou que das 50 doenças listadas e que estão à frente da AME, muitas não têm tratamento e a AME, segundo ela, não precisa de tecnologias que tenham que ser adquiridas. “É uma questão de reagentes, mas não de tecnologias”, comentou, em entrevista à Agência Brasil.

Ela citou, ainda, que em congresso realizado recentemente nos Estados Unidos, foram apresentados casos de crianças que, em função da triagem neonatal feita nos últimos anos, tomaram medicação com oito dias de vida “e estão andando, com todos os marcos motores normais”. O filho de Adriane, Fernando, ficou nove anos em uma UTI. Ela defendeu que a AME seja incorporada logo ao Teste do Pezinho, para que outras crianças tenham direito à vida. Disse também que os pequenos tratados com diagnóstico precoce representarão uma “economia gigante” para o Poder Público. Nos Estados Unidos, conforme pesquisas apresentadas no congresso, os custos com tratamento precoce da AME se tornaram sete vezes menores.

Mais recente Próxima “Meu pai queria me dar um nome esquisito dos anos 80”

Leia mais