Teresa Ruas - Vida de Prematuro

Por Teresa Ruas

Doutora em Ciências da Saúde, especialista em desenvolvimento infantil, fundadora do @prematurosbr e mãe de dois prematuros

 


Inicio a minha escrita pontuando que esse texto pode até ser um pouco mais técnico, mas tenho certeza de que esses conhecimentos poderão fazer diferença para vários pais de bebês — não somente dos prematuros — e até mesmo profissionais de saúde que estão iniciando as suas jornadas.

As pesquisas na área de Integração Sensorial de Ayres já afirmam o quanto as sensações recebidas, integradas e processadas pelos sentidos sensoriais exercem um papel fundamental em todo o processo de desenvolvimento e aprendizagem humana, especialmente durante os primeiros anos de vida.

344 Por um fio — Foto: Getty Images
344 Por um fio — Foto: Getty Images

O bebê precisa captar informações de seu corpo, do meio que o rodeia, das pessoas ao seu redor e dos objetos que são oferecidos a ele, de forma direta e concreta. Depois, começar a desenvolver todas as funções cognitivas e perceptivas. Primeiro, é preciso sentir, tocar, cheirar, olhar, movimentar, manipular, ouvir, entre tantas outras ações humanas que dependem dos nossos sentidos sensoriais e da relação socioafetiva com os principais cuidadores. Assim, desde os primeiros dias de vida, o pequeno já consegue integrar as inúmeras sensações presentes no mundo e construir toda a sua fundação para conquistar marcos, etapas e fases nos processos de desenvolvimento e aprendizagem.

É válido ressaltar que a realidade de experiências e o desenvolvimento dos processos sensoriais do bebê prematuro é diferente, mas também acontece. O comportamento e a conduta sensorial do prematuro podem, sim, apresentar particularidades, que precisam ser dialogados e observados desde o momento de internação em uma UTI Neonatal e, com bastante atenção no momento da alta e pós-alta hospitalar pela equipe interdisciplinar, especialmente pelos pediatras. Todas as particularidades sensoriais apresentadas pelos prematuros, em especial os extremos, são frutos de um conjunto de fatores que estão inter-relacionados e que podem interferir na trajetória do desenvolvimento dessas crianças, tais como:

1. A condição de imaturidade neurológica em que nascem.

2. A perda de importantes experiências sensoriais intrauterinas e que interferem no desenvolvimento e maturação dos sistemas sensoriais, como sentir o balanço e movimento do corpo da mãe, enquanto ela caminha; chupar os dedinhos das mãos e pés; ouvir a voz aguda do pai por toda a gestação; o bebê ficar de cabeça para baixo, preparando-se para nascer; os frequentes chutes e movimentos com braços, pernas e dedos no meio líquido, entre outras experiências sensoriais.

3. Privação de importantes experiências ambientais e afetivas, como receber o colo dos pais, o leite materno e as experiências lúdicas tão características dos primeiros meses de vida.

4. Receber diversas sensações sensoriais não esperadas para aquele momento do desenvolvimento neurológico, como por exemplo, a sensação de dor prolongada e provinda de procedimentos invasivos e/ou cirúrgicos.

5. Conviver com um excesso de informações sensoriais, como as auditivas e visuais tão características dos barulhos e luzes de um contexto de UTI Neonatal.

Mesmo que a ciência já tenha evoluído muito na área da neonatologia para acompanhar, prevenir e diminuir sensações desconfortáveis nos prematuros, a diferença de ‘exposição’, qualidade, quantidade e maneira como as sensações são oferecidas, recebidas e processadas por esses bebês em uma UTI Neonatal é uma das explicações científicas do motivo pelo qual poderão apresentar outras características sensoriais ao longo do seu processo de desenvolvimento.

Dessa forma, a criança não gostar de abraços apertados, toque em sua face e mãos, rejeitar diferentes texturas e consistências de alimentos durante a introdução alimentar, não gostar de tomar banho, vomitar diante de barulhos altos e inesperados, não colocar os pés na areia e grama, não gostar de se sujar, chorar para lavar a cabecinha... não significa frescura, birra, mau comportamento e/ou superproteção de pais traumatizados de UTI Neonatal. Muito pelo contrário! Podem ser exemplos e/ou respostas exageradas à rotina diária que demonstram aos pais, educadores e profissionais de saúde que os sistemas sensoriais dessa criança não estão trabalhando de forma mais “integrada” e que ela precisa ser acompanhada e melhor compreendida em sua rotina e ocupações diárias.

Além, é claro, de toda a atenção do pediatra para descartar qualquer outra interferência clínica que esteja causando dificuldades em seu dia a dia. Lembrando também que o único profissional da saúde que pode fechar o diagnóstico de uma possível Disfunção do Processamento Sensorial (DPS) é o Terapeuta Ocupacional, com a devida formação e experiência em Integração Sensorial de Ayres. Síndrome Sensorial não existe! O termo correto é o supracitado. E trabalho em equipe interdisciplinar é o mais indicado!

E, exatamente pelo projeto social e interdisciplinar @prematurosbr lutar por pais mais empoderados diante do próprio conhecimento científico, por eles próprios serem os principais promotores do desenvolvimento e aprendizagem de qualquer criança — especialmente os prematuros no período pós-alta hospitalar —, é que trago aqui algumas informações sobre os sistemas sensoriais e que foram retiradas de livros e textos de minha autoria e/ou coautoria (com a Dra. Ana Luiza Andreotti) que estão em nosso site: (Ruas TCB, Gagliardo HGRG. Desenvolvimento Infantil: Um guia para acompanhamento de bebês prematuros e a termo. FiloCzar, São Paulo, 2021. 106p e Ruas TCB – Org-. Prematuridade Extrema: Olhares e Experiências. Manole, Barueri, 2017. 156p.)

Vamos lá...

1. O Sistema Tátil e a sensação do toque exercem um papel fundamental em determinar o comportamento físico, mental e emocional dos seres humanos. Na verdade, é desde o útero que o toque é percebido e vivenciado entre bebê e mãe por meio do líquido amniótico, da placenta, do cordão e na relação do próprio corpo.

Ao longo dos primeiros anos de vida, as crianças vão recebendo e acumulando experiências de estímulos táteis por meio das células receptoras localizadas por toda a extensão da pele, desde a cabeça até os pés. Sensações de toque, seja ele leve ou profundo, de vibração, movimento, temperatura ou dor são experiências que conectam o bebê ao mundo e às pessoas ao seu redor, estabelecendo vínculos afetivos fundamentais para o processo de desenvolvimento.

Quando o bebê sente a sensação do corpo e pele quentes da mãe, da barba áspera do papai, da textura da grama e gravetos nos pés, da forma peculiar de uma fruta, ele está construindo a consciência, conhecimento e significado afetivo e cultural sobre o mundo que o cerca, a partir de seu sistema tátil. Mesmo que os prematuros possam ter tido experiências difíceis e que afetaram a maturação do sistema tátil, como a dor, a boa notícia é que, em muitos casos, com as experiências afetivas e lúdicas do dia a dia, as crianças vão, aos poucos, aceitando as informações táteis e desafios sensoriais impostos no ambiente e nas relações.

Muitas vezes, uma criança não aceita a introdução de novos alimentos com texturas diferentes ou não quer colocar o pé na areia e na grama, ficar com roupas mais grossas, aceitar o toque de outra pessoa na face, mãos e pés, ou colocar a mão e o pé na tinta nos primeiros anos de vida após as experiências diárias. No entanto, com orientações ou terapias específicas (caso necessário), ela poderá ser capaz de realizar todas essas atividades com mais autonomia e conforto.

2. As estruturas do Sistema Vestibular ficam localizadas dentro do ouvido interno e ele é responsável por processar as informações de movimento, da ação da gravidade e das mudanças da posição da cabeça em relação ao próprio corpo. É o Sistema Vestibular que informa quando o corpo está em movimento ou parado, bem como a direção e a velocidade desse movimento. Ele é quem ajuda a estabilizar (parar) os olhos enquanto o corpo está em movimento e diz se os objetos à volta estão em movimento ou não. E mesmo com os olhos fechados, é possível perceber se o corpo está numa postura horizontal ou vertical. Ele nos diz sobre o movimento do corpo no espaço, preparando-o para aprender novos movimentos.

“Acalmar”, “regular” e “acolher" também são funções do Sistema Vestibular, juntamente com o poder afetivo da presença dos pais na vida diária de um bebê, especialmente para o prematuro que tenha vivenciado um período de longa internação hospitalar. Exatamente por isso e acionando o Sistema Vestibular — quando o bebê chora e está desconfortável — o colo dos pais, o balanço no corpo da mãe ou do pai é um fator extremamente calmante. O movimento e a proximidade afetiva são confortos para um cérebro em pleno desenvolvimento e maturação.

Ao longo do desenvolvimento infantil vão entrando as brincadeiras de jogar a criança para cima, fazer aviãozinho, pular com eles nos ombros como cavalinho… Todas essas brincadeiras sociais e afetivas ativam o sistema vestibular, que vai captando velocidade, direção, postura do corpo e se conectando com outros sistemas sensoriais e, a partir dessas experiências reunidas e integradas, os bebês começam a sustentar sua cabecinha, rolar, ser capaz de realizar as trocas posturais para, enfim, começarem seu próprio deslocamento no espaço. E se seu filho não aceitar o movimento, respeite. Leve-o para o colo, brinque com movimentos menos bruscos. Deixe os seus pezinhos apoiados no chão, enquanto brincar de cavalinho nas pernas do papai, por exemplo.

3. A Propriocepção ou Sistema Proprioceptivo é a informação sensorial recebida pelos músculos e articulações e que promove, sobretudo, noções da postura do corpo no espaço e consciência corporal. A propriocepção é um sistema que começa o seu desenvolvimento no ambiente intrauterino, quando o bebê já é capaz de chutar as paredes do útero, colocar as mãos na boca, chupar os dedos e, em conjunto, com o sistema vestibular fazer cambalhotas e diversos movimentos.

As crianças prematuras, sobretudo o prematuro extremo, como já pontuado ao longo do texto, têm perdas importantes de experiências proprioceptivas — menos atividade articular e muscular durante a internação; menos resistência muscular durante os movimentos corporais; menos exploração do espaço pelo corpo e pelas diferentes posturas — o que pode gerar dificuldades no desenvolvimento da percepção corporal.

Possibilitar o livre brincar, permeado por diferentes objetos diários, brinquedos e elementos da natureza é uma forma nobre de potencializar o sistema proprioceptivo, juntamente com o tátil e vestibular. Segurar e manipular objetos de diferentes pesos, tamanhos, ficar no chão de barriga para baixo, rolar, brincar com bolas, engatinhar, imitar poses de bichos, andar em terrenos não planos, descer degraus de uma escada, usar ferramentas de brinquedo, pular são excelentes atividades proprioceptivas e integradas aos outros sistemas sensoriais. Aos poucos, os bebês vão se movimentando de forma automática, harmoniosa e sincronizada, surgindo, em cada nova etapa do desenvolvimento, movimentos mais complexos. Tudo isso é responsabilidade do sistema proprioceptivo e os pais podem potencializar todo o seu desenvolvimento e amadurecimento, simplesmente, deixando os seus filhos se movimentarem livremente e com segurança no chão.

4. A interocepção, atualmente conhecida como o oitavo sentido em várias pesquisas na área de Integração Sensorial e Neurobiologia, é o canal de informação entre o corpo e o cérebro, usado para representar o que acontece dentro do corpo humano. Esse nome parece estranho, não familiar, mas existem vários exemplos de sensações interoceptivas e que acontecem todos os dias, tais como: fome, sede, controle esfincteriano, calor, frio e cansaço.

Os bebês com fome, o que fazem? Choram! Como ainda não possuem a linguagem oral, precisam se expressar com o corpo e com o choro. O choro e a agitação corporal são linguagens preciosas e que sinalizam ao cuidador de que está acontecendo algo com o seu bebê. Na UTI Neonatal, como os prematuros recebem a dieta programada de tempos em tempos, frequentemente nem conseguem expressar que estão com fome e tampouco demonstram que estão satisfeitos ou que desejam mais. Essa falta de experiência de sentir fome, chorar, pedir mais e se saciar pode, sim, interferir na maturação desse oitavo sentido. Por isso, é tão importante o desmame da sonda e o prematuro ter a experiência do aleitamento materno, seja diretamente em sua mãe ou por outras vias.

5. A visão, a audição, o olfato e paladar são sistemas sensoriais de extrema importância para todo o desenvolvimento infantil e que trabalham, o tempo todo, de forma integrada e complementar aos outros sentidos, especialmente ao vestibular, tátil e proprioceptivo. É uma harmoniosa integração de todos os sentidos para que as atividades e experiências humanas possam ser realizadas, sentidas, significadas, memorizadas e aprendidas.

O momento da alimentação — uma das atividades humanas mais complexas — que se tem a prova do quanto as sensações são completamente integradas: o bebê precisa ter controle de cabeça e tronco; coordenar os movimentos dos olhos, com os da cabeça; ter controle dos movimentos de seus braços, mãos e dedos; segurar o alimento nas mãos e nos talheres; mastigar e engolir; ver as cores chamativas dos alimentos; ouvir os sons dos pais cozinhando, cortando, preparando o alimento; ouvir os sons da mastigação; sentir a textura, consistência, temperatura, gosto de cada alimento; sentir o cheiro de cada comida; sentir prazer ao comer; observar a família reunida para esse momento; gerar memórias sensoriais e afetivas sobre esse momento e, então aprender muito sobre ele ao longo da vida, das experiências individuais e coletivas com os sentidos sensoriais, interligando o corpo ao ambiente e vice-versa. Esta aí uma das grandes importâncias dos pais compreenderem o real significado dos sentidos sensoriais para o desenvolvimento, aprendizagem e experiências humanas e sempre com muito afeto e presença.

Espero que tenham gostado. E lembrem-se de que tudo deve ser levado e dialogado com o pediatra de seu filho, com indicações corretas para a realização de um possível diagnóstico e tratamento caso necessário. Não existe nenhuma dúvida parental boba. O que não pode existir é uma dúvida não respondida e inadequadas orientações e explicações aos pais.

Teresa Ruas, mãe de dois prematuros, Maitê e Lucca, especialista em desenvolvimento infantil, doutora em Ciências da Saúde, fundadora da equipe interdisciploinar @prematurosbr e sócia e coordenadora da primeira infância do @beequaloficial — Foto: Arquivo pessoal
Teresa Ruas, mãe de dois prematuros, Maitê e Lucca, especialista em desenvolvimento infantil, doutora em Ciências da Saúde, fundadora da equipe interdisciploinar @prematurosbr e sócia e coordenadora da primeira infância do @beequaloficial — Foto: Arquivo pessoal

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