Malu Gaspar
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Malu Gaspar

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Por — Brasília

Mais de 6 mil processos que tramitam em diversas instâncias judiciais de todo o país estão parados, à espera da conclusão do julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) que discute a fixação de critérios para diferenciar o consumidor e o traficante de maconha. A análise da questão será retomada na próxima terça-feira (25) com os votos de Luiz Fux e Cármen Lúcia.

Os números foram computados pelo CNJ após o STF conferir repercussão geral ao caso que está sendo julgado pela Corte, que trata de um homem pego com 3g de maconha em sua cela na cadeia e que recorreu à Justiça para anular a condenação de prestação de dois meses de serviço comunitário, alegando que a lei em vigor ofende o princípio da intimidade e da vida privada.

Dos 6.354 processos paralisados que tratam do mesmo pano de fundo, 2.751 casos (43,3% do total) estão no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Em segundo lugar, aparece o TJ do Rio de Janeiro, com 2.004 processos (31,5%) e em terceiro, o TJ de Minas Gerais, com 1.137 casos parados (17,9%).

Juntos, os tribunais desses três Estados respondem por 92,7% dos casos suspensos sobre a questão em todo o País, conforme dados compilados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no início deste ano.

Em um distante quarto lugar aparece o Tribunal de Justiça de São Paulo, com apenas 194 processos (3,1% do total) travados à espera da conclusão do julgamento do STF.

Na prática, o entendimento a ser firmado pelo STF nesse caso valerá para todos os 6.354 processos que estão parados à espera da decisão do Supremo, além de firmar um entendimento que balizará a atuação de policiais, juízes e membros do Ministério Público de todo o país.

O processo sobre o porte de maconha para uso pessoal chegou ao STF em 2011, começou a ser julgado em 2015 e até hoje o tribunal não deu o seu veredicto sobre o tema, após sucessivos pedidos de vista que postergaram a conclusão do julgamento. O último deles foi do ministro Dias Toffoli, em março deste ano.

“Tive inúmeros pedidos de adiamento e sugestões de pedidos de vista. A verdade é que procrastinar não vai fazer com que o problema diminua. Portanto, acho que a gente tem de resolver (a questão)”, frisou o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, na sessão da última quinta-feira, sem esconder de ninguém a frustração com a demora em dar um desfecho ao caso.

Para o advogado Roberto Dias, professor de direito constitucional da FGV São Paulo, tanto atraso em concluir o julgamento não é “razoável”.

“A Constituição prevê que ‘a todos são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.’ O caso da descriminalização do porte de maconha trata da proteção de direitos fundamentais, como a liberdade, a privacidade e a disposição sobre o próprio corpo. E os dados mostram que a falta de critério sobre quem é consumidor ou traficante tem gerado um enorme encarceramento, especialmente da população mais vulnerável.”

O placar provisório do julgamento está 5 a 4 por declarar inconstitucional a atual legislação sobre maconha – faltando, portanto, apenas um voto para formar maioria à corrente pela descriminalização inaugurada pelo ministro Gilmar Mendes e acompanhada por Luís Roberto Barroso, Alexandre de Moraes, Edson Fachin e a ex-presidente do STF Rosa Weber, que fez questão de antecipar o voto no caso antes de se aposentar, em agosto do ano passado.

Na sessão desta quinta-feira, o ministro Dias Toffoli abriu uma nova corrente, ao votar pela manutenção da legislação atual em vigor e fixar um prazo de 18 meses para que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) regulamente a quantidade de maconha que diferencia o consumidor do traficante, ao invés de o próprio STF resolver a questão.

Faltam ainda se manifestar os ministros Luiz Fux e Cármen Lúcia, que, como informou o blog, vão ter papel-chave na definição do placar final.

Lei não fixa critério para diferenciar traficante de usuário

Dados da Associação Brasileira de Jurimetria apontam que, como a lei em vigor desde 2006 no Brasil não distingue usuário de traficante, quem acaba fazendo essa definição são os próprios policiais ao registrar o boletim de ocorrência.

Segundo a associação, os policiais da capital de São Paulo costumam considerar tráfico de drogas o porte de 33g de cocaína, 17g de crack e 51,2g de maconha. No interior do Estado, os critérios são mais rigorosos: o porte de 20g de cocaína, 9g de crack e 32,1g de maconha é enquadrado como tráfico de drogas.

Ou seja: uma pessoa com 35g de maconha pode ser considerada usuária de droga na capital, ou traficante no interior de São Paulo.

O levantamento, destacado por Alexandre de Moraes na sessão desta quinta-feira, também aponta que os critérios raciais e sociais impactam na definição de quem é consumidor e quem é traficante.

“Alguém com mais de 30 anos, branco, com curso superior, só é considerado traficante, em média, com 60g. E o que esses dados mostraram é que alguém com 18 anos, negro, e analfabeto, é considerado traficante com 20g”, comparou Moraes, ao defender uma linha de corte que valha para todos os brasileiros, sem distinção.

“Se o STF quiser fixar 3g de maconha, serão 3g para negro, branco, analfabeto, curso superior”, concluiu o ministro.

Na prática, o STF está decidindo pelo menos três coisas: se a legislação atual sobre maconha fere ou não a Constituição; qual a quantidade que deve ser fixada para diferenciar o usuário do traficante; e se cabe ao próprio STF determinar esse limite, ou se isso é uma função do Congresso ou da Anvisa, como defende Toffoli.

Até mesmo ministros que votaram para manter a legislação atual de pé, como Cristiano Zanin, Nunes Marques e André Mendonça, também defendem a fixação de um critério para delimitar a quantidade de maconha que caracteriza o consumo, e não o tráfico – para Zanin e Nunes Marques, o limite é 25g; para André Mendonça, 10g.

Favoráveis à descriminalização, Barroso, Gilmar, Rosa e Alexandre de Moraes defendem uma quantidade maior – 60g. Já Edson Fachin, mesmo aderindo à corrente pela descriminalização do porte de maconha para uso pessoal, avalia que cabe ao Congresso Nacional decidir a questão.

Ou seja, com tantas nuances nos votos de cada ministro, após os votos de Fux e Cármen, os integrantes do STF deverão fazer uma nova votação para chegar a um consenso sobre a quantidade exata que será usada como parâmetro. Após nove anos, a controvérsia parece perto de um desfecho, finalmente.

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