Malu Gaspar
PUBLICIDADE
Malu Gaspar

Análises e informações exclusivas sobre política e economia

Informações da coluna
Por — Brasília

A ofensiva da Polícia Federal na busca dos fugitivos do 8 de Janeiro deve esbarrar em uma série de obstáculos na Argentina – tanto legais quanto políticos – que podem dificultar a extradição dos réus investigados por envolvimento nos atos golpistas que culminaram com a invasão e a depredação da sede dos Três Poderes, no ano passado.

Segundo as autoridades brasileiras, ao menos 60 pessoas fugiram para a Argentina depois de romper suas tornozeleiras eletrônicas e entrado no país vizinho.

A Polícia Federal deve formalizar pedidos de extradição contra os fugitivos nos próximos dias, mas poderá enfrentar uma série de empecilhos para trazê-los de volta, como quer o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes.

Conforme informou o colunista Lauro Jardim, autoridades diplomáticas e do Executivo estão preocupadas com a possibilidade de uma “crise diplomática” sem precedentes se a administração do ultraliberal Javier Milei, aliado de Jair Bolsonaro, negar a extradição dos condenados.

“Há uma série de obstáculos jurídicos, sem contar questões diplomáticas como predileções políticas do governo Milei. Não é um caso simples”, afirma uma dessas autoridades envolvidas nos desdobramentos do caso.

Um dos obstáculos no horizonte é que o tratado de Extradição entre o Brasil e a Argentina firmado em 1968 prevê que não será concedida a extradição quando a infração cometida “constituir delito político ou fato conexo deste delito”. O tratado de 1968, no entanto, ressalta que a "alegação do fim ou motivo político não impedirá a extradição se o fato constituir, principalmente, infração da lei penal comum".

Já a lei argentina que regula a cooperação internacional, de 1997, vai no mesmo sentido, afirmando categoricamente que não será realizada a extradição quando o delito que motiva o seu pedido é um “delito político”.

O argumento do governo Lula para rebater o uso da "infração política" como escudo será que se tratam de pessoas que descumpriram decisões judiciais e medidas cautelares, e que as leis internacionais protegem a atividade política – o que é diferente de promover depredação e destruição de equipamentos públicos. Ainda assim, a questão tende a ser controversa.

“O problema é que a decisão cabe à Argentina. Se as autoridades argentinas entenderem que os atos praticados constituem um crime político, isso, de fato, vai dificultar o pedido de extradição”, aponta a professora de direito internacional da FGV Direito Rio Paula Almeida.

Os réus do 8 de Janeiro são investigados no Brasil, de uma maneira geral, por crimes como associação criminosa, abolição violenta do Estado democrático de direito, tentativa de golpe de Estado – além de dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.

Para complicar ainda mais a questão, a Lei Geral de Reconhecimento e Proteção ao Refugiado da Argentina afirma que a discussão sobre o refúgio deve ser feita anteriormente à decisão de extradição.

Ou seja, se os brasileiros fugitivos tiverem solicitado refúgio às autoridades argentinas, o país primeiro tem que analisar esses pedidos antes de decidir sobre a extradição. Nesse caso, os investigados teriam que demonstrar que fugiram do Brasil por conta de uma perseguição por motivo político. Ainda não se sabe se alguns deles pediram refúgio, porque tais pedidos tramitam em sigilo.

Alinhamento entre Milei e Bolsonaro

A ofensiva do governo brasileiro também esbarra em outros agentes políticos, como o presidente Javier Milei e a Suprema Corte argentina. O presidente é aliado de Jair Bolsonaro e da direita brasileira, e a Justiça argentina tradicionalmente negar pedidos de extradição quando se trata de refugiados políticos.

“Se o governo argentino negar o pedido de refúgio, aí então a questão da extradição caberia à Suprema Corte argentina. Se a Corte considerar que é um crime político, ela não extradita”, acrescenta Paula Almeida.

Mas para o professor de direito constitucional da Universidade de Buenos Aires Christian Cao, há margem para considerar que os foragidos não cometeram um crime de natureza política, à luz do direito argentino.

“Obrigar deputados e senadores a votarem um determinado tema ou impedir que o Congresso funcione é um atentado à ordem constitucional. Mas vandalizar um edifício, por mais grave que seja, não é um atentado contra a ordem constitucional. Eles deveriam responder por dano material”, avalia.

Para o professor, os atos poderiam ser enquadrados contra a ordem constitucional – e, portanto, ganhar contornos políticos – se os manifestantes tivessem, por exemplo, tomado a sede dos Poderes por um longo período (e não apenas por algumas horas, como acabou ocorrendo) ou interrompido os trabalhos no STF ou no Congresso, paralisando um julgamento ou uma sessão dos parlamentares em andamento – os atos golpistas ocorreram num domingo do mês de janeiro, em pleno recesso.

Além disso, segundo autoridades brasileiras consultadas pelo blog, a discussão tem que girar em torno do fato de que os fugitivos estão violando medidas cautelares e desobedecendo ordens judiciais.

“Os brasileiros que fugiram para a Argentina não são tecnicamente perseguidos, já que respondem a processo judicial regular no Brasil, com direito à ampla defesa e contraditório, o que dá a este processo a categoria de devido processo legal”, afirma o advogado e professor da FGV Jean Menezes de Aguiar.

“Outra situação é se o presidente argentino vai querer aceitar algum argumento político de ‘perseguição’, mas estima-se que internamente na Argentina isso causasse enorme problema jurídico, vez que todos sabem, inclusive ele, que estes foragidos brasileiros respondem a processo regular, sem se falar no estremecimento político com o maior parceiro comercial do Cone Sul.”

Na última quinta-feira, a Polícia Federal mobilizou agentes em 18 Estados e no Distrito Federal para tentar capturar mais de 200 fugitivos da Operação Lesa Pátria, que investiga os ataques antidemocráticos em Brasília.

Capa do audio - Malu Gaspar - Conversa de Bastidor
Mais recente Próxima Os conselhos pouco animadores que Pablo Marçal ouviu de um ex-prefeito para a eleição em SP