Malu Gaspar
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Malu Gaspar

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Informações da coluna
Por — Brasília

O polêmico projeto de lei que equipara aborto ao crime de homicídio – e prevê pena para a mulher estuprada maior do que a imposta para estupradores – teve um impacto fora do comum nos bastidores da Câmara. A repercussão com o resultado da votação irritou o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), mas não só pelos motivos que se imaginam.

Enquanto o Congresso sentia os efeitos da disputa política em torno da interrupção da gravidez depois de 22 semanas, o presidente da Câmara estava engajado em uma batalha particular no Supremo Tribunal Federal (STF), que só foi resolvida com a ajuda do ministro Alexandre de Moraes.

Em uma decisão obtida pela equipe da coluna, Moraes acolheu o pedido da defesa de Lira e fixou inicialmente um prazo máximo de duas horas para que o X (antigo Twitter) tirasse do ar um perfil que acusava o presidente da Câmara de ser "estuprador", sob pena de multa diária de R$ 100 mil.

O tuíte que viralizou na rede no dia seguinte à aprovação do regime de urgência para o PL do aborto – e que para a defesa de Lira foi impulsionado pela repercussão do projeto – teve 250 mil visualizações, 10 mil curtidas e 4 mil retuítes e foi postado por uma usuária chamada Amandinha:

“Urgente: Ex acusa Lira de estupro: 'Me esganava e dizia: 'Tá atrás de homem?’ No dia 5 de novembro de 2006, seis meses após terem se separado, Jullyene diz ter sido agredida e estuprada pelo parlamentar depois de ele saber que ela estaria se encontrando com um homem”, escreveu a usuária, cuja real identidade é um mistério até hoje para os aliados de Lira. O tuíte de Amandinha (no perfil @mandsfra2) encerrava com a mensagem “Lira estuprador” em letras maiúsculas.

De acordo com interlocutores do parlamentar, a irritação de Lira com o tuíte o levou a mobilizar advogados e assessores para botar de pé um pedido de retirada imediata do conteúdo, enquanto o resto do Congresso lidava com a aprovação da tramitação em regime de urgência do PL do aborto.

O temor era de que a onda de postagens pudesse levar a uma associação ainda que indireta entre a imagem do presidente da Câmara e o projeto.

No arrazoado apresentado a Moraes, a defesa de Lira afirma que a postagem expõe um “movimento orgânico, encadeado, de divulgação de notícia mentirosa” e “altamente ofensiva”, com o “claríssimo propósito de desestabilizar não apenas a figura política” de Lira, mas também de “atingir o exercício da elevada função da Presidência da Câmara dos Deputados”.

O post fazia referência às antigas acusações de agressão da ex-mulher de Lira ao parlamentar, que voltaram à tona com uma reportagem veiculada pela Agência Pública, em junho do ano passado, quando Jullyene falou pela primeira vez que Lira a teria violentado sexualmente.

Em 2015, a Segunda Turma do STF absolveu Lira das acusações de agressão doméstica feitas pela sua ex-mulher, por falta de provas, seguindo a posição defendida à época pelo Ministério Público. Por esse motivo, as alegações de Jullyene foram consideradas ilícitas pela Justiça, tanto no Distrito Federal quanto em Alagoas, que já mandou remover uma série de postagens contra Lira que foram publicadas por Jullyene.

No ano passado, o Tribunal de Justiça do DF mandou retirar do ar a reportagem da Agência Pública com o depoimento de Julyenne – e, em março deste ano, Moraes negou um recurso contra a censura. Foi no âmbito dessa ação no Supremo, que trata da retirada no ar da reportagem, que Lira entrou com o pedido para bloquear o perfil Amandinha.

Lira, no entanto, não é oficialmente parte do processo – que consiste numa reclamação da Agência Pública contra a decisão da Justiça brasiliense.

Ainda assim, os advogados do presidente da Câmara alegaram que “o conteúdo falso e ofensivo novamente bombardeado em rede é idêntico ao objeto da presente reclamação”. O argumento foi aceito por Moraes.

Para o ministro do STF, “não há, no ordenamento jurídico, direito absoluto à liberdade de expressão”. Em sua decisão, Moraes escreveu que, embora todas as opiniões existentes sejam “possíveis em discussões livres, isso não se aplica àquelas que constituam ilícitos”.

“A plena proteção constitucional da exteriorização da opinião não significa a impossibilidade posterior de análise e responsabilização por eventuais informações injuriosas, difamantes, mentirosas, e em relação a eventuais danos materiais e morais, pois os direitos à honra, à intimidade, à vida privada e à própria imagem formam a proteção constitucional à dignidade da pessoa humana”, afirmou o ministro, em decisão assinada na tarde da última quinta-feira (13).

O X, no entanto, não removeu o perfil Amandinha no prazo fixado por Moraes, o que levou o ministro a dar uma segunda decisão a favor de Lira.

“Embora devidamente intimada às 16h02, para, no prazo máximo de 2 horas,    proceder ao bloqueio do canal/perfil/conta ‘@mandsfra2’, com IMEDIATA remoção do conteúdo constante das URLs enumeradas, a provedora da rede social “X” - anteriormente “Twitter”, não deu cumprimento à decisão”, observou Moraes.

“A provedora de rede social ‘X’, ao não cumprir a determinação judicial, questiona, de forma direta, a autoridade da decisão judicial tomada na presente ação. Como qualquer entidade privada que exerça sua atividade econômica no território nacional, a provedora de rede social “X” deve respeitar e cumprir, de forma efetiva, comandos diretos emitidos pelo Poder Judiciário.”

Na segunda decisão, além de reforçar a determinação para bloquear o perfil que chamou Lira de “estuprador”, Moraes aplicou multa de R$ 700 mil ao braço brasileiro da empresa de Elon Musk por conta do não cumprimento da suspensão imediata da conta. Pela decisão, o valor deve ser pago num prazo de cinco dias.

Nessa segunda decisão, o ministro também determinou que o perfil Amandinha fosse bloqueado no prazo máximo de uma hora, sob pena de impor mais uma penalidade ao X – uma multa diária no valor de R$ 200 mil para cada uma das URLs elencadas (eram sete postagens ao todo, o que poderia aumentar a multa para R$ 1,4 milhão por dia), “bem como na configuração de crime de desobediência de seu representante legal”.

O valor pesado da multa aplicada contra a empresa de Musk, inimigo declarado de Moraes, e o prazo de poucas horas para o cumprimento do bloqueio do perfil chamaram a atenção de empresas que atuam no setor, que consideraram a quantia de R$ 700 mil alta demais e o prazo “abusivo”.

Fontes que acompanham a dinâmica do STF também avaliam que Lira deveria ter pedido a remoção do perfil em instâncias inferiores, ao invés de acionar imediatamente o STF, buscando um “atalho jurídico” numa ação da qual ele não é parte.

Procurada pela equipe da coluna, a defesa de Lira informou que não se manifestaria porque o caso está sob “segredo de Justiça”. O X, por sua vez, alegou que não comenta "casos judiciais em andamento" e "que as respostas serão dirigidas ao STF".

Após as decisões de Moraes, Amandinha criou uma nova conta no X, há dois dias, e deixou um recado aos internautas: "Estou de volta aqui no X para compartilhar notícias e fortalecer ainda mais a militância da esquerda. Não irão nos parar e nem nos calar, juntos somos mais fortes!".

Capa do audio - Malu Gaspar - Conversa de Bastidor
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