Gastronomia

Por Carolina Giovanelli

Francis Mallmann, chef argentino de 68 anos e dono de dez restaurantes pelo mundo, desembarcou no Brasil em novembro para o lançamento do hotel Faena. O complexo de quase 20 mil metros quadrados da incorporadora Even, em construção na região de Pinheiros, em São Paulo, deverá incluir uma casa com sua assinatura em alguns anos. Mallmann fez carreira na culinária francesa, mas, a partir da década de 1990, voltou-se às suas raízes.

Conhecido por armar churrascos em meio à natureza (“há um mistério no fogo, uma linguagem silenciosa”), ele visitou por aqui endereços como A Casa do Porco, Spot e A Figueira Rubayat, que ajudou a montar nos anos 2000. Prolífico autor de livros de gastronomia e personalidade de programas de TV, o chef falou com a GQ Brasil vestindo sua tradicional boina, um relógio Chanel e um colar de ouro com o desenho de uma árvore de sua residência no Uruguai (mandou fazer doze, um para ele e os outros para seus sete filhos e as quatro mães deles).

Período no Brasil

“São Paulo traz uma força incrível, que nunca vi em lugar nenhum do mundo; um impulso, um sentimento de esperança. Minha primeira experiência aqui foi nos anos 80, quando ajudei um amigo, o jornalista Salomão Schvartzman, a abrir o restaurante La Bourgogne. Depois, voltei nos anos 2000 para inaugurar A Figueira Rubayat, que visitei desta vez e que me emocionou. Passei um ano em SP, aprendi um pouco de português. Quando fui embora, o endereço seguiu com parte do meu staff, como Paola Carosella, que hoje é gigante no Brasil e incrivelmente talentosa.

Faena em São Paulo

Há planos para abrir um restaurante meu no hotel Faena, cujo projeto acaba de ser lançado no Brasil. A comida precisa ser boa, o serviço precisa ser bom e eu preciso me sentir em casa lá dentro. Desejo entrar e dizer ‘adoro essa pintura’, ‘quero essas cadeiras’. Já tenho um restaurante no Faena de Miami e abriremos um em Nova York em 2025.

Comida processada

Devemos levar uma vida consciente, mas não sou um perfeccionista que diz: ‘Nunca irei ao McDonald's de novo’. Vou uma vez por ano com meus filhos. Uma vez li uma entrevista com um grande publicitário americano, e lhe perguntaram como ele se mantinha em contato com a vida real. Ele respondeu que, mesmo sendo dono de carrões, andava de metrô quando viajava. Com a comida é a mesma coisa. Precisamos provar e ver o que está acontecendo.”

Carne de laboratório

Estou ajudando num projeto de frangos em Singapura há um, dois anos. Acredito na carne de laboratório. O produto ainda não se mostra bom, mas é um futuro. Acho que a tecnologia se desenvolverá muito rapidamente e ele melhorará. Definitivamente, precisamos mudar o modo como comemos, não podemos fechar os olhos. Destruímos os oceanos. O jeito horrível como criamos atualmente galinhas, bois e peixes precisa desaparecer. Em minha opinião, no futuro, a carne se tornará algo especial, de alta qualidade, muito cara e com origem definida.

Vinhos argentinos

Eles evoluem de uma forma muito boa. Nos anos 80 e 90, costumávamos criar vinhos bem potentes. As novas gerações de enólogos estão mudando isso, ao pensar em rótulos mais leves e elegantes. No mundo, há uma grande transformação em curso. Os jovens, quando bebem vinhos, estudam o produto. Fazem isso com o uísque, a cachaça... No passado, você era treinado pelos mais velhos sobre como comer e beber. Isso acabou. A juventude quer saber exatamente o que consumirá, incluindo aí a comida. Por isso, escrevi um livro sobre culinária vegana, que acabou de sair. E quero muito inaugurar um restaurante vegano.

Francis Mallmann em ação: a relação com o Brasil começou nos anos 80 — Foto: Divulgação/Agustin Bean
Francis Mallmann em ação: a relação com o Brasil começou nos anos 80 — Foto: Divulgação/Agustin Bean

Da França ao Peru

Há ciclos na gastronomia. Nos últimos sessenta anos, a França dominou o cenário por bastante tempo. Depois vieram a Itália, a fusion cuisine, a molecular, o Peru... Cada período dura menos, porque a comunicação acelera. Todos querem o novo. Agora, os chefs perceberam que não se trata de inovação, mas que há beleza no passado, na história, em abraçar todas as possibilidades.

A refeição perfeita

Um ambiente sem música, em uma mesa entre seis e oito pessoas, para poder conversar, com um serviço respeitoso, que não interrompa a todo tempo. A comida com óleo, sal, pimenta; tão simples quanto possível. Comida simples é a mais difícil de fazer.

Mudança na carreira

Eu era muito arrogante, um homem horrível. Buscava a perfeição. Então, percebi que a perfeição se relaciona com a simplicidade. Quanto menos você tem, mais bonita fica a vida. Porém, há a tentação. Vi um carro antigo em São Paulo, um Fiat 600 de 1959, e o comprei. Gasto também com viagens com meus filhos. Estou sempre circulando. Daqui, sigo para Aspen para cozinhar um churrasco na neve.

Moda à Mallmann

A moda é uma das coisas mais importantes para mim. Costuro todos os dias por horas. Crio chapéus, desenhei um vestido agora. Aos 13 anos, vestia jeans com ‘patches’ que eu mesmo fabricava. Faço isso até hoje – para mim, minha família, meus amigos. Planejo abrir minha própria marca de roupas em breve. Gosto de grifes como Chloé, Céline, Chanel, Comme des Garçons... Conto com uma coleção de pinturas de faróis na minha casa no Uruguai, e cada uma representa uma marca que admiro.

Embalo musical

Minha essência se baseia na liberdade. Quando eu era jovem, odiava a escola, e saí de casa com 13 anos. Passei por um período bem difícil, mas bonito, que salvou minha vida. A música daquele tempo me salvou também. Ainda canto e toco meu violão. Gosto de Bob Dylan, Crosby, Stills, Nash & Young e James Taylor, além de clássico. Queria virar músico, tentei compor, mas não deu certo. Aí pensei: melhor me tornar chef (risos). Ainda desejo aprender piano; nunca é tarde.

Xô, rotina

Dizem que os piores inimigos do homem são o medo, a rotina e a zona de conforto, porque matam nossos sonhos. E nossos países, a Argentina e o Brasil, não têm isso. Vivemos aquele romance com a vida, no qual precisamos começar de novo todas as semanas. Você pensa: ‘Está tudo uma bagunça. Como faço para sobreviver, como posso crescer e melhorar?’. Esse conceito é muito bonito. Ainda vivo assim. Se precisar lavar louças de novo, as lavarei muito bem.

Crença na beleza

Não acredito em Deus, acredito na beleza. Ela está em todo lugar. Acredito também no silêncio, passo bastante tempo sozinho. Ando muito, mas sempre para cima. Assim, sinto como se tivesse um objetivo para atingir. Se você caminha no plano, o sonho se mostra menor. A vida é sobre subir."

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