O corregedor nacional do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro Luís Felipe Salomão, assinou, no domingo (30/6), a abertura de uma Reclamação Disciplinar para investigar uma potencial infração praticada pelo desembargador Luiz Alberto Vargas, do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT4), de Porto Alegre (RS), ao negar ao menos 5 pedidos de preferência para sustentação oral de de advogada grávida de 8 meses, ocasionando uma espera de mais de 7 horas para realizar a defesa.
Segundo Salomão, a conduta do magistrado estaria em conflito com o previsto na Constituição, na Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman) e no regramento traçado pelo CNJ, em especial o que envolve as questões de gênero.
Além disso, o comportamento do magistrado contraria a Lei 13.363/2016, chamada Lei Julia Matos, que alterou o Código de Processo Civil e o Estatuto da Advocacia. A legislação prevê que é um direito das advogadas “gestante, lactante, adotante ou que der à luz, preferência na ordem das sustentações orais e das audiências a serem realizadas a cada dia, mediante comprovação de sua condição”, entre outros pontos.
No vídeo de menos de 3 minutos da sessão de julgamento da 8ª Turma do TRT4 da última quinta-feira (27/6), que alcançou enorme repercussão nas redes sociais, o desembargador recusa insistentemente os pedidos de preferência feitos pela advogada trabalhista, que alegou não estar se sentido bem por conta da gestação. Com os requerimentos negados pelo magistrado, outros colegas presentes na sessão tentaram pedir que a preferência fosse conferida à gestante.
”É a quarta ou quinta vez que o senhor pede e eu já falei que não vou reconsiderar”, disse Vargas a um dos participantes da sessão. “A doutora teve uma hora para conseguir uma advogada que pudesse substitui-la e peço que a senhora me respeite”, disse o presidente da Turma. “Desculpe, mas esse assunto já tomou muito tempo da sessão”, encerrou o magistrado.
Com a repercussão do episódio, o TRT4 emitiu uma nota pública afirmando que a conduta do presidente da 8ª Turma ”não representa o posicionamento institucional do Tribunal”. ”A Administração do TRT4 destaca que o Tribunal é referência nacional em políticas de gênero, pioneiro na implementação de uma Política de Equidade e de ações afirmativas voltadas à inclusão das mulheres e à promoção da igualdade”, escreveu o Tribunal em nota.
No mesmo dia, a seccional do Rio Grande do Sul da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RS) publicou uma nota de repúdio contra o ato do magistrado. No comunicado, a OAB-RS afirma que o desembargador ”violou, deliberada e reiteradamente, os direitos legalmente assegurados às advogadas, mesmo com intervenção da Comissão de Defesa, Assistência e Prerrogativas da OAB/RS, de outros integrantes da turma e do MP pela preferência, indeferindo, inclusive, pedidos de advogados presentes na sessão que se propuseram a dar tal prioridade à colega gestante”.
No mesmo âmbito, o Ministério Público do Trabalho do Rio Grande do Sul (MPT-RS) lamentou o ocorrido e afirmou que ”é imperativo garantir o respeito às trabalhadoras gestantes e lactantes, que merecem ser amparadas em seus direitos em todos os ambientes de trabalho, incluindo o Poder Judiciário”.
Com a decisão do ministro Salomão, a Corregedoria Nacional iniciará o processo de investigação da conduta do desembargador Luiz Alberto Vargas contra a advogada grávida. Como fundamento da abertura da reclamação disciplinar, Salomão mencionou a meta 9 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU), que consiste em integrar a Agenda 2030 ao Poder Judiciário, referente à igualdade de gênero.
”Nesse contexto, se insere o disposto no art. 35, I da Loman, sobre a necessidade de cumprir e fazer cumprir, com serenidade e exatidão, as disposições legais e os atos de ofício, dentre os quais se destinam os comandos voltados a garantir o efetivo acesso à justiça e a observância de prerrogativas que envolvam a promoção da igualdade de gênero, como é o caso da previsão do art. 7-A, III, da Lei 8.906/1994”, destacou o corregedor-nacional.
Além disso, avaliou que as supostas infrações cometidas pelo magistrado exigem do Judiciário um olhar atento e que abomine todas as formas de discriminação ou violência, ”o que inclui o tratamento adequado e paritário dispensado àqueles que exercem os serviços no Poder Judiciário, além daqueles que, de qualquer forma, se utilizam das suas dependências ou são usuários dos serviços prestados”.
”Não se trata de mera ilação ou princípio genérico, mas norma de conduta adotada pelo Conselho Nacional de Justiça como dever dos magistrados e de todos aqueles que exercem a administração da Justiça”, salientou Salomão. Por fim, intimou o TRT4 para informar, em cinco dias, as providências tomadas em relação ao ocorrido.
Procurado pela reportagem, o escritório Pita Machado, responsável pela defesa do desembargador, comunicou em nota que:
”A defesa técnica do desembargador do Trabalho Luiz Alberto de Vargas informa que não foi notificado da abertura de processo disciplinar pelo Conselho Nacional de Justiça, lembrando que o CNJ se encontra em recesso até o dia 31 de julho e com os prazos processuais suspensos.
Informa também que, no dia de ontem, foi instado a prestar esclarecimentos iniciais ao TRT da 4ª Região sobre fatos ocorridos na sessão da 8ª Turma, na quinta-feira, 27 de junho.
Informa, por último, que todos os esclarecimentos serão prestados aos órgãos competentes, nos prazos e pelos meios legais”