Como uma das responsáveis pelas mudanças climáticas, a indústria da moda precisa de maior comprometimento para reduzir emissões de gases de efeito estufa e se mover em busca de uma trajetória de descanonização mais ambiciosa. De acordo com a pesquisa Climate on Fashion, a indústria global da moda produziu aproximadamente 2,1 bilhões de toneladas de emissões de GEE em 2018, representando 4% do total global, sendo que cerca de 70% dessas emissões originaram-se de atividades como produção, preparação e processamento de materiais, enquanto os 30% restantes foram associados a operações de varejo, até atividades de fim de uso.
Garantir os direitos humanos é essencial e deve ser tratado como prioridade na agenda climática, pois a luta por justiça começa a partir de uma visão sistêmica das pessoas, suas culturas e territórios. Desta forma, com o objetivo de endereçar coletivamente os desafios na temática dos direitos humanos na moda, o Pacto Global da ONU – Rede Brasil lança o Grupo de Trabalho Moda e Têxtil.
"Este é um projeto da equipe de Direitos Humanos e Trabalho da rede brasileira, área que engloba também outros cinco Movimentos da Estratégia Ambição 2030: Elas Lideram 2030, Raça é Prioridade, Salário Digno, Mente em Foco e Educa 2030. Os Movimentos são um chamado para que empresas assumam compromissos públicos em metas ousadas e mensuráveis, para acelerar o cumprimento da Agenda 2030 da ONU", explica Camila Valverde, COO e Diretora de Impacto do Pacto Global da ONU – Rede Brasil.
O grupo é composto por grandes marcas do setor, além de organizações da sociedade civil e entidades de classe. Camila ressalta a importância da ação coletiva: "Nós, da rede brasileira do Pacto Global, queremos aumentar o engajamento das empresas dos setores em que estamos atuando, para que juntos possamos criar ações que sejam colaborativas e criativas, visando sempre ultrapassar o desafio de direitos humanos e garantir a efetivação dos direitos de todas as pessoas envolvidas, independentemente de onde a pessoa esteja trabalhando".
Camila reforça que está cientificamente comprovado que o ser humano é o principal responsável pela intensificação da mudança do clima, principalmente devido ao uso de combustíveis fósseis (IPCC, 2023). Para interromper a trajetória desastrosa da emergência climática, é crucial a mobilização de todos os setores, e o empresarial da moda e têxtil não pode ficar de fora.
"Para alcançar a meta global de atingir zero emissão líquida de gases de efeito estufa (GEE) até 2050 e se adaptar aos impactos da mudança do clima que já estão sendo sentidos, é necessário fazer uma transição dos atuais modos de produção para uma economia de baixo carbono de forma justa, sem deixar ninguém para trás. As perdas e danos climáticos para fabricantes e trabalhadores não devem ser tratados pelas marcas como externalidades. Dessa forma, se faz necessário um GT que discuta a pauta de direitos humanos no setor de moda, também como instrumento para mitigação e adaptação à mudança do clima de forma íntegra e equitativa, alinhado com o limite de 1,5°C para o aquecimento global", aponta Camila.
Importante ressaltar que as populações em situação de maior vulnerabilidade são as mais afetadas pelas consequências da Crise Climática, e o trabalho da costura, majoritariamente preenchido por mulheres, é historicamente conhecido por violações de direitos humanos. De acordo com o relatório do Índice de Transparência da Moda Brasil 2023, apenas 12% das marcas analisadas divulgam qual abordagem adotam para garantir o pagamento de um salário capaz de cobrir os custos de vida básicos dos trabalhadores da cadeia de fornecimento, enquanto 55% divulgam uma política de combate ao trabalho escravo contemporâneo para seus fornecedores.
A Aliança Empreendedora, em colaboração com a Coalizão de Moda Justa Sustentável, realizou uma pesquisa nacional para entender a realidade das profissionais da costura. Na primeira fase do estudo, 78% das costureiras se autodeclararam negras, e na fase qualitativa, todas se identificaram como negras. Os dados revelam um cenário desafiador: 69% das costureiras se sentem sobrecarregadas, e 65% atuando sozinhas. Apesar disso, a renda é baixa: 62% ganham menos de um salário mínimo (R$ 1.412,00), e 85% estão abaixo da faixa salarial de uma costureira em regime CLT.
Camila explica que a questão racial é transversal nos projetos do Pacto Global da ONU – Rede Brasil: "Além do Movimento Raça é Prioridade, que tem como meta, por exemplo, ter 50% de pessoas negras em cargos de liderança até 2030, entendemos que o setor têxtil é predominantemente formado por trabalhadoras, e a questão de gênero e raça precisam estar juntas, pois quando vemos a interseccionalidade desses assuntos, os desafios são ainda maiores".
É essencial que as marcas tenham maior compreensão tanto sobre suas emissões quanto sobre suas cadeias produtivas, se comprometendo com metas que de fato impactam toda a cadeia de valor. Soluções baseadas na natureza, inovação e modelo econômico em que há maior captura do que emissão de carbono são caminhos fundamentais que precisam estar alinhados com as reais necessidades das pessoas, territórios e culturas. Espaços como o GT Moda e Têxtil representam oportunidades para que o setor se fortaleça, dialogue com a sociedade civil e atue com o objetivo de beneficiar todos, inclusive a base.