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Em pouco mais de uma década, o mercado de beleza nacional passou por transformações profundas, não só devido à expansão de marcas brasileiras, mas também graças a um olhar mais atento a questões como a inclusão e a diversidade racial, sem ficarem restritas a campanhas publicitárias e chegando ao centro das operações de laboratórios e empresas de cosméticos. A jornada profissional do jornalista baiano Tássio Santos é peça fundamental desse processo.

A falta de acesso a produtos que contemplassem seu tom de pele despertou em Tássio o desejo de compartilhar suas experiências com outras pessoas na internet, ao mesmo tempo em que questionava as marcas que ainda se recusavam a enxergar uma parcela importante de consumidores. Não demorou para que Herdeira da Beleza, seu então blog, virasse uma comunidade apaixonada de usuários com experiências, propósitos e posicionamentos em comum. Um espaço de debate, acolhimento e resistência negra, a plataforma atualmente se concentra em canais no Instagram e no YouTube, que acumula mais de 485 mil inscritos. O posicionamento de Tássio no meio digital também foi a chave para desbloquear mais um ofício: a consultoria para empresas que querem se reposicionar no mercado e revisar sua cartela de cores.

Agora, toda essa trajetória acaba de ser transformada em livro. Em Tem Minha Cor? Quando se Maquiar se Torna um Ato Político (Ed. Telha), sua estreia no universo literário, o autor traça uma linha do tempo da indústria de beleza no Brasil sob uma perspectiva racial, investigando o que está por trás de um sistema de exclusão que ainda persiste.

A seguir, Tássio fala à Vogue sobre o processo de criação do livro e relembra os momentos mais significativos de sua carreira.

VOGUE: Já são 12 anos criando conteúdo na internet. Qual é a principal mudança na indústria da beleza desde então?

TÁSSIO: Quando eu comecei a escrever sobre beleza na internet, as bases, principalmente nacionais, paravam no máximo no meu tom de pele. Quanto mais escura a pele, mais excluída essa pessoa era do mercado de beleza. Então, eu considero um marco importante a série #OTomMaisEscuro, onde testo os produtos com tons mais escuros das marcas e falo o que acho que precisa ser dito. Reivindicar a existência de pessoas com peles escuras diante da comunidade de beleza, principalmente frente às marcas de maquiagem, tem sido a principal transformação dos últimos tempos.

Mas muita coisa mudou: acho que as pessoas que trabalham em veículos de beleza, nos laboratórios, hoje são muito mais conscientes para as demandas da comunidade negra no Brasil — e não só das pessoas negras, mas de outros grupos minoritários também. Estamos caminhando para um cenário mais inclusivo, mas a caminhada é longa, estamos longe da perfeição.

Mesmo que as marcas estejam investindo em uma gama mais diversa e ampla de cores, existe outra questão, que é a falta de estudos da pele negra e de médicos especialistas nas especificidades dessas peles. Como você enxerga esse cenário hoje, e de que formas essa lacuna pode afetar a população negra?

O próximo passo a ser dado é a maneira como os produtos são feitos hoje no Brasil. Precisamos revisitar as técnicas dos laboratórios e incorporar outras maneiras de se fazer base. A grande maioria dos laboratórios aqui no Brasil, pelo menos todos com que tive contato, só usa quatro tipos de pigmento para fazer base: branco, preto, vermelho e amarelo. A chance de que o público fique insatisfeito, percebendo que a cor está amarela ou laranja demais, é muito alta. Existe essa lacuna para atender aos subtons das peles negras.

Foram quase quatro anos escrevendo esse livro. Quais foram os maiores desafios ao longo do processo?

Eu nunca tinha escrito um livro, e fiquei maturando essa ideia durante muito tempo. Foi algo que veio da minha comunidade, principalmente por sentirem falta de referências bibliográficas para usar em pesquisas na universidade. E eu já estive nesse lugar de não encontrar muitas fontes de beleza sob a perspectiva racial. Eu comecei a escrever em 2021, mas a vida vai acontecendo, né? Conseguir equilibrar todos os pratos da vida ao mesmo tempo foi um grande desafio. Pessoalmente falando, foi difícil revisitar alguns traumas que me marcaram muito. A escrita foi uma oportunidade de olhar para tudo de ruim que já tinha acontecido comigo e entender porque eu tinha essa postura de denunciar racismo na internet. Foi um processo muito dolorido, mas acho que essencial, inclusive para curar essas feridas que estavam aqui dentro.

Tássio Santos — Foto: Divulgação
Tássio Santos — Foto: Divulgação

No livro você usa o termo "racismo cosmético" para falar sobre essas questões de exclusão. Pode contar mais sobre o significado da expressão — e a importância de nomear o problema — para o seu trabalho?

Quando eu comecei a contar minhas dores na internet, muita gente me procurou relatando situações parecidas, e isso me marcou muito. Mas as pessoas pareciam ter medo de usar a palavra "racismo". Foi exatamente essa falta de nomear a questão que me despertou para cunhar um termo que ajudasse a identificar e combater o problema de um jeito mais assertivo. Eu uso o termo racismo cosmético para identificar violências que são muito comuns dentro da indústria. A sociedade brasileira foi toda construída em cima de um sistema de escravidão, e quando pegamos o portfólio de uma marca olhando para quem trabalha dentro delas, entendemos o quanto isso está conectado à história do Brasil, aos padrões estéticos, à negritude. É uma estrutura que está ali para beneficiar uma população enquanto limita os acessos de outra, em um sistema de poder que se perpetua, tanto que algumas marcas até hoje escolhem não fazer cores para pele negra, e é uma decisão consciente.

Outra coisa muito comum nas campanhas de beleza são marcas que não têm base para pele negra e usam produtos de outra marca para fotografar as modelos. É uma diversidade falsificada, porque depois a pessoa que vai se identificar com aquela imagem, com aquele tom de pele, compra o produto e recebe algo completamente diferente.

Como é para você equilibrar esse lado da cobrança mais direta às marcas com seu trabalho de consultoria? Como é assumir essa responsabilidade?

Eu comecei a fazer isso numa época em que trabalhar com publicidade não era nem uma possibilidade para criadores de conteúdo negros. Nunca planejei falar sobre uma marca visando trabalhar com ela depois. Mas assumir essa postura e ocupar essa posição de uma pessoa que cobra, que denuncia quando necessário, acabou me dando um certo destaque. Foi assim que eu fiz minha primeira consultoria, com a Bruna Tavares, na época que ela lançou sua primeira base. Foi mais ou menos dessa forma: "Ah, esse menino está reclamando? Então traz ele aqui para fazer". E daí surgiu uma relação maravilhosa, porque do outro lado existe uma humildade de reconhecer erros e entender que pode entregar um produto melhor. Foi uma chance que encontrei de contribuir com esse sistema. Mas ainda existem, sim, algumas marcas que preferem tampar os olhos, com a justificativa de que esse não é seu "público-alvo".

E não deixa de ser uma escolha financeira também, porque isso significa abrir mão de uma grande parcela da população disposta a consumir…

Exatamente. Nos EUA, por exemplo, esse mercado já está muito mais desenvolvido do que aqui, e lá a população negra é de apenas 13%. No Brasil, esse número é de 56%. Não faz sentido ignorar toda essa fatia de consumidores, do ponto de vista comercial mesmo. Mas acho que as razões são mais profundas, e passam por uma estratégia de perpetuação do racismo. A construção da nossa autoestima, do nosso poder, também passa pela estética, e acho que manter essa imagem de um povo primitivo, "feio", faz parte dessa manutenção de uma antiga dinâmica de poder.

Quando você começou sua carreira, tinha outras referências de homens negros maquiados? Como se sente nesse papel hoje?

Referências positivas, não. Respeito muito o trabalho de Jorge Lafond, mas, durante minha infância, as pessoas usavam a imagem dele como um xingamento, para me ferir. Por causa desse aspecto pejorativo que as pessoas davam, cresci acreditando que um cara negro maquiado era algo muito negativo. Quando eu comecei a consumir conteúdo de beleza, as referências naquela época eram todas brancas, até porque era quem tinha autoestima, quem tinha acesso à internet e a equipamentos para gravar vídeos. Logo no início do Herdeira da Beleza, conseguimos criar uma comunidade muito forte, que tinha os mesmos incômodos. Cada vez mais gente foi chegando, e estar ao lado dessas pessoas que gostavam de consumir o conteúdo que eu produzia foi essencial para construir a minha autoestima. Naquela época, eu nem postava fotos minhas, era só texto, mas foi um primeiro passo para me sentir mais seguro comigo mesmo.

Qual foi seu maior propósito ao lançar o livro? O que você quer despertar nos leitores?

O que eu mais quero é poder deixar uma contribuição para quem estuda o tema, porque ainda falta muita referência a partir dessa perspectiva racial, principalmente falando sobre maquiagem. Espero que quem leia se sinta confortável, especialmente as pessoas que já passaram por experiências negativas de não encontrar seu tom quando compravam uma base, porque eu percebo o quanto isso machuca. Isso também já aconteceu comigo e, assim como eu pude superar, quero que outras pessoas consigam. Quero que elas se sintam abraçadas por mim com esse livro.

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