Colunas de Marcelo Trindade

Por Marcelo Trindade

É advogado e professor da PUC-RIO. Foi diretor e presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

Rio


O catastrofismo quanto ao desempenho dos mercados de capitais sempre existiu, principalmente por conta da atenção excessiva aos resultados de curto prazo. Especialmente em países com pouco hábito de poupança naquele mercado, e mais acostumados a altas taxas de retorno em aplicações bancárias, como o nosso.

As redes sociais e o incentivo à polarização que elas geram aprofundaram o fenômeno. Parece que estamos o tempo todo à beira de uma catástrofe, rumando desgovernados ladeira abaixo, prestes a cair em um abismo. Isso sem falar da importante contribuição dos “clickbaites” – as manchetes enganosas das matérias na Internet, antes privilégio da imprensa sensacionalista e agora espalhadas até nas publicações mais sérias do mundo.

Tome-se o exemplo do desempenho das ações na B3 neste ano de 2024. Até aqui, o Ibovespa tem tido um dos piores desempenhos – senão o pior – entre os índices das maiores bolsas de valores do mundo, quando medido em dólares. Fruto da combinação de um desempenho ruim em reais (quase 10% de queda) com a valorização da moeda norte-americana (apreciação de mais de 12%).

Instantaneamente as redes sociais e parte da mídia atribuíram o mau desempenho do Ibovespa à postura do Governo Lula em relação a muitos temas considerados importantes para o mercado de capitais. O leque de críticas é amplo e merecido, indo desde a deterioração da situação fiscal até as intervenções na Petrobras, passando pela tentativa de revisão de processos de privatização, nomeação de quadros políticos para conselhos de administração, ataques à autonomia do Banco Central etc.

Poucos se lembram que no ano de 2023 as bolsas de valores foram muito bem em todo o mundo, e no Brasil também. Incorporando a apreciação do Real, o Ibovespa valorizou-se quase 34% em dólares, praticamente dez pontos percentuais acima do S&P 500, que reflete o desempenho das quinhentas maiores companhias listadas nos Estados Unidos da América. E em reais, o índice de nossa bolsa subiu mais de 22%.

Nos quatro anos anteriores, entre 2019 e 2022 – isto é, durante o governo Bolsonaro –, o Ibovespa acumulou uma alta de quase 25%. Acontece que o dólar subiu mais de 36% no mesmo período. O resultado foi uma depreciação do Ibovespa em dólar de quase 20%. E nem se pode colocar a culpa no ano eleitoral de 2022, com Lula liderando as pesquisas, pois naquele ano a cotação do dólar caiu mais de 5% e o Ibovespa subiu quase os mesmos 5% em reais, gerando um resultado positivo de 12% em dólares, contra um S&P 500 negativo em cerca de 19%.

Isso quer dizer que tudo vai bem por aqui e que as oscilações do Ibovespa e do câmbio são devidas a fatores não relacionados ao mercado de capitais? Claro que não. O Governo Lula atua quase todos os dias para minar a confiança em nossos mercados. Basta lembrar que em um ano e meio Lula já está no segundo presidente da Petrobras, competindo com Bolsonaro, que teve quatro presidentes diferentes em quatro anos.

Lula e Bolsonaro são muito diferentes em algumas coisas. Mas raramente um dos dois foi capaz de enxergar o que realmente importa para o desenvolvimento de longo prazo, quando se trata de mercado de capitais. No caso de Lula, até aqui, a exceção fica com a Reforma Tributária. No de Bolsonaro, com a Reforma da Previdência. Ambas, aliás, aprovadas como se revelou possível, não como seria ideal.

Tanto Lula quanto Bolsonaro delegaram o trabalho duro em relação ao mercado de capitais aos seus Ministros da Fazenda. E nos dois casos, embora o discurso e os métodos sejam diferentes, a direção é parecida, quando se trata deste tema.

Paulo Guedes não conseguiu deter Bolsonaro quando se tratou de Petrobras, mas promoveu a privatização da Eletrobras – mesmo que por um modelo alternativo, que ainda não se provou integralmente capaz de resistir a ataques de governos avessos à ideia, como o de Lula.

Fernando Haddad, por seu turno, tem promovido e tentado promover alterações legislativas importantes para a segurança e a proteção dos investimentos, como uma reforma nas leis das Sociedades por Ações e do Mercado de Capitais, e o novo tratamento dos juros contratuais – este já aprovado no Congresso e aguardando sanção do Presidente.

Isso é pouco, entretanto. O mercado de capitais brasileiro compete com as altas remunerações nas aplicações bancárias, e com mercados de todo o mundo – agora em termos instantâneos, ao toque em uma tela de celular. Enquanto carregarmos o nível de protecionismo e incerteza tradicionais de nosso país, a capacidade de atração de investimento de brasileiros e estrangeiros no país será sempre menor do que poderia.

Nessa área, os políticos dividem o protagonismo não apenas com os empresários, mas também com o Poder Judiciário. A revisão de entendimentos e decisões judiciais anteriormente pacificadas tem agravado enormemente a incerteza dos investidores e dos empresários no Brasil – especialmente daqueles que não vivem de favores governamentais e loterias de Espanha.

Trata-se, pois, de dar menos importância às manchetes escandalosas, ao fatalismo e aos temores de curto prazo. O mercado brasileiro não tem deixado de se desenvolver por conta de eventos catastróficos. A atrofia de nossa poupança popular é culpa da pequena corrosão diária da segurança dos investidores, trabalho de formiguinha de cada político, empresário e juiz brasileiro que pensa mais em si do que no todo. O que só vai mudar com diálogo, lucidez, honestidade e renovação, em todas as esferas de poder.

Marcelo Trindade — Foto: Arte sobre foto Divulgação
Marcelo Trindade — Foto: Arte sobre foto Divulgação
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