Moda
Publicidade

Por LUANDA VIEIRA (@luandavieira)


Lembro de todos os detalhes da minha noite de 8 de novembro de 2018, em especial da falta de criatividade para escrever a seção Hot Hot. Sempre positiva, Li (como carinhosamente chamamos a nossa diretora de conteúdo Alline Cury) garantiu ter uma notícia que me daria inspiração. E deu: "Lu, você é a nova Editora de Moda da Glamour". Entre lágrimas e abraços, também não esqueço da minha resposta à promoção. "É muito importante ter uma mulher negra neste espaço", falei. Junto com as partes boas (tipo a minha viagem à Alemanha) e de todas as responsabilidades, vieram os desafios de, justamente, ser uma mulher negra neste espaço.

Eu reproduzindo a cara de alegria do dia 8 de novembro de 2018 (Foto: Karla Brights) — Foto: Glamour
Eu reproduzindo a cara de alegria do dia 8 de novembro de 2018 (Foto: Karla Brights) — Foto: Glamour

Em um dia de enxaqueca repentina, mas firme na cobertura da São Paulo Fashion Week, ouvi, enquanto torcia para não ser comigo, se era eu quem fazia o cafézinho da sala de imprensa. Não virei, nem respondi. A voz masculina insistiu sem sucesso. Até que ele, cheio de cápsulas de café para entregar, recebeu o meu não. Foram pelo menos cinco minutos pensando em novas formas de provar que aquela não era a minha função.

Entendi Maya Angelou no livro Eu sei por que o pássaro canta na gaiola. "Parecia terrivelmente injusto ter dor de dente e dor de cabeça e ter que aguentar, ao mesmo tempo, o peso enorme da cor negra." Aproveito o Dia Internacional contra a Discriminação Racial, então, para propor um exercício: deixar os nossos pré-conceitos de lado. A pele escura não significa serventia, a roupa não determina classe, a sua cultura nada tem a ver com poder.

Destaquei a frase de Maya Angelou no meu Kindle (Foto: Arquivo pessoal) — Foto: Glamour
Destaquei a frase de Maya Angelou no meu Kindle (Foto: Arquivo pessoal) — Foto: Glamour

No backstage de outra edição da SPFW, também precisei explicar a uma assessora de imprensa que eu era a repórter responsável pela pauta com a sua modelo. Passamos por alguns segundos de silêncio enquanto ela avaliava se poderia confiar em mim. “Mas Lu, isso foi racismo?” Eu não faço o tipo “tudo é preconceito”, mas o que, além da cor da minha pele, nos colocaria naquela situação? Anos depois eu a ajudei com o inglês durante uma press trip internacional.

O momento de validação que tive com ela dialoga com a celebração de hoje, que surgiu em referência ao Massacre de Sharpeville. No dia 21 de março de 1960 (veja bem, é muito recente), mais ou menos 20 mil negros protestaram pacificamente contra a Lei do Passe, que os obrigava a andar com anotações de onde eles poderiam circular em Joanesburgo, na África do Sul. No fim, 69 pessoas foram mortas pela polícia sul-africana e 180 ficaram feridas. Até hoje justificamos os motivos que nos levam a determinados espaços.

Luanda Vieira (Foto: Arquivo pessoal) — Foto: Glamour
Luanda Vieira (Foto: Arquivo pessoal) — Foto: Glamour

Quando passei de Produtora de Conteúdo para Editora de Moda, uma “colega” afirmou que a escolha do meu nome tinha relação com a necessidade do mercado falar sobre diversidade. Ela tinha razão. A indústria da moda segue precisando. Mas ninguém, independente da cor, deve ser reconhecido sem competência. A repação histórica é urgente, mas não significa colocar uma pessoa desqualificada em posição de destaque. Aceitem.

Seria mentira dizer que nenhum desses momentos me abalaram. Já perdi noites questionando todas as minhas conquistas. Quase desisti, mas desde 2017, quando falar sobre raça virou normal para mim (já escrevi que os meus pais resolveram me educar sem citar o racismo), entendi que lidar com o bom desempenho de parte da população negra, inclusive o meu, é função da branquitude, apenas.

Mais recente Próxima Strass: 10 maneiras de usar acessórios com as pedrinhas no dia a dia
Mais de Glamour