Luiza
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Por Luiza Brasil


"É extremamente doloroso e difícil existir só resistindo" — Foto: Glamour
"É extremamente doloroso e difícil existir só resistindo" — Foto: Glamour

Nestes doze meses em que estamos convivendo juntxs, aos que não sabem, devo revelar uma coisa: sou uma “Preta Patrícia”. Ok, ser considerada “patricinha” no mundo atual pode ser antiquado ou cafona – também acho! Mas esse jogo vira (e muito) quando se é uma mulher negra, principalmente no Brasil, esse país que não é para iniciantes.

Tive acesso às melhores faculdades, estudei fora, tenho carro do ano, algumas labels na gaveta, faço viagens anuais para o exterior e consigo ótimas oportunidades de trabalho. Muita gente pode pensar: “Essa daí nunca deve ter sofrido com o racismo na vida”. Engana-se. Lidamos com as questões raciais (principalmente esse vergonhoso momento de nossa história que foi a escravização dos negros africanos) como se fosse uma ferida exposta, mas que nunca passou por um tratamento. Fomos o último país do mundo a abolir a escravidão e, mesmo após o feito, não tivemos políticas públicas que garantissem aos nossos antepassados condições básicas de sobrevivência. O resultado disso? É uma cicatriz dolorosa, que deu queloide e reflete em vários traços da nossa sociedade, como a desigualdade social e a marginalização. Eu, no auge do meu sucesso pessoal e profissional, ainda sofro com essa falta de reparação. Sem dúvidas, você também.

Voltando para a minha vivência, apesar de sermos 54% da população brasileira, segundo o IBGE, é um pouco insano ser minoria nos lugares de privilégio por onde eu circulo. E, quando pensamos na questão do racismo estrutural (um racismo tão enraizado na nossa cultura que surge em pequenas doses no dia a dia e é mascarado), nem precisamos de mais números. Tenho uma série de exemplos que já falam por si só. Estar nas melhores faculdades e ter a oportunidade de estudar na gringa me deu base e competência, mas nunca os melhores salários e a tranquilidade do meu sucesso profissional: sempre tive de fazer um esforço descomunal para ser validada em certos espaços enquanto existiam pessoas que executavam muito menos por bem mais. Nunca tive a chefia de outro negro. Sempre fui alvo certo da vistoria especial no aeroporto, muito diferente das minhas amigas não negras. Dentro do meu círculo social é cada vez mais difícil construir relações afetivas. Entre as alegações? “É gente boa, estilosa e cheia de atitude. Mas o perfil dela não faz muito o meu tipo.” Nos clubes que frequentei, a coisa mais normal era eu ser a única preta desfrutando da piscina. As outras eram babás trajando seus uniformes brancos.

Muita gente prefere acreditar que essa realidade não existe. E, como prêmio de consolação, acham saudável se escorar no discurso da meritocracia como forma de vangloriar todos os meus êxitos e superações. Mas, infelizmente, é extremamente doloroso e difícil existir só resistindo. Quando na lacuna entre “merecer” e “conquistar” existe um pedregulho chamado preconceito, tem também um investimento energético e emocional que nos desgasta e nos adoece, nos colocando alguns bons passos atrás de uma pessoa com as mesmas oportunidades, mas que desfruta de certas tranquilidades do privilégio. Não dá mais para falar em igualdade, mas sim em equidade.

Está bem, minha gente, prometi para mim mesma que começaria o ano com um tom otimista. Por isso, entre as suas resoluções de 2019, proponho um convite: o de se questionar mais. Falar sobre nossas dores é a melhor forma de curá-las. E, para mim, ter o espaço do Caixa Preta para compartilhar as minhas vivências (sejam elas de Preta Patrícia ou não) tem sido um exercício libertador! Não pense que esse discurso é para segregar. É para gerar identificação e ainda ser um espaço para educar as mentes que jamais precisaram passar por esse tipo de provocação. Entender as nuances e leituras da nossa sociedade é fundamental para exercemos a empatia e evoluirmos. E como disse Audre Lorde, “não é nossa diferença que nos divide. É nossa incapacidade de reconhecer, aceitar e celebrar essas diferenças”. Bom 2019 para nós. Bom Brasil também.

Arte Iago Francisco
Fotos: Getty Images e divulgação

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