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Por LUANDA VIEIRA (@luandavieira)


Na mesma semana em que sofri injúria racial durante uma live no Instagram com a minha campeã Thelminha, médica e vencedora do Big Brother Brasil 20, fiz um curso sobre colonialidade e branquitude com a assistente social e mestre em políticas sociais Obirin Odara (procure saber em @obirinodara ou @naomecolonize). Perdi um pouco de energia, confesso. Esse processo de tentar combater o racismo e ser uma voz ativa entre a comunidade negra, que raramente tem a oportunidade de ser ouvida, cansa. E cansa por não ser um problema do negro, afinal.

Dear white people, essa conversa é com vocês (Foto: Prince Gyasi) — Foto: Glamour
Dear white people, essa conversa é com vocês (Foto: Prince Gyasi) — Foto: Glamour

Nós não criamos essa lente colonial que coloca o branco como supremo e o separa de todas as raças, pelo contrário. A cultura africana é baseada no respeito às diferenças e na união da humanidade (mas na escola só ouvimos falar do povo africano como escravizado, nunca como potência); enquanto o modelo de sociedade ocidental reconhece apenas o corpo branco como referência de beleza, comportamento e poder.

Antes que você questione, respondo que este não é um texto para apontar o dedo e dizer o que é certo ou errado, mas um convite à reflexão do que está enraizado no nosso inconsciente desde que os europeus chegaram aqui. E veja bem: até nós, pretos, crescemos com a certeza de que somos inferiores, mas o conhecimento liberta.

"Os lugares físicos de quem senta e fala é sempre do corpo branco; quem "arma confusão" é o corpo negro. Até quando levaremos a culpa?" - OBIRIN ODARA

A epígrafe de Racismo e Sexismo na Cultura Brasileira, da escritora Lélia Gonzales, é especialmente irônica sobre a configuração moderna que se considera antirracista e um bom parâmetro para traçarmos uma nova estratégia como sociedade. Ninguém melhor do que Lélia para explicar a cegueira que estamos vivemos:

Cumé que a gente fica?

“Foi então que uns brancos muito legais convidaram a gente pra uma festa deles, dizendo que era pra gente também. Negócio de livro sobre a gente. A gente foi muito bem recebido e tratado com toda consideração. Chamaram até pra sentar na mesa onde eles estavam sentados, fazendo discurso bonito, dizendo que a gente era oprimido, discriminado, explorado. Eram todos gente fina, educada, viajada por esse mundo de Deus. Sabiam das coisas. E a gente foi se sentar lá na mesa. Só que tava cheia de gente que não deu pra gente sentar junto com eles. Mas a gente se arrumou muito bem, procurando umas cadeiras e sentando bem atrás deles. Eles tavam tão ocupados, ensinando um monte de coisa pro crioléu da plateia, que nem repararam que se apertasse um pouco até que dava pra abrir um espaçozinho e todo mundo sentar junto na mesa. Mas a festa foi eles que fizeram, e a gente não podia bagunçar com essa de chega pra cá, chega pra lá. A gente tinha que ser educado. E era discurso e mais discurso, tudo com muito aplauso. Foi aí que a neguinha que tava sentada com a gente, deu uma de atrevida. Tinham chamado ela pra responder uma pergunta. Ela se levantou, foi lá na mesa pra falar no microfone e começou a reclamar por causa de certas coisas que tavam acontecendo na festa. Tava armada a quizumba. A negrada parecia que tava esperando por isso pra bagunçar tudo. E era um tal de falar alto, gritar, vaiar, que nem dava mais pra ouvir discurso nenhum. Tá na cara que os brancos ficaram brancos de raiva e com razão. Tinham chamado a gente pra festa de um livro que falava da gente, e a gente se comportava daquele jeito, catimbando a discurseira deles. Onde já se viu? Se eles sabiam da gente mais do que a gente mesmo? Teve uma hora que não deu pra aguentar aquela zoada toda da negrada ignorante e mal-educada. Era demais. Foi aí que um branco enfezado partiu pra cima de um crioulo que tinha pegado no microfone pra falar contra os brancos. E a festa acabou em briga… Agora, aqui pra nós, quem teve a culpa? Aquela neguinha atrevida, ora. Se não tivesse dado com a língua nos dentes… Agora tá queimada entre os brancos. Malham ela até hoje. Também quem mandou não saber se comportar? Não é à toa que eles vivem dizendo que ‘preto quando não caga na entrada caga na saída…”

Dear white people, essa conversa é com vocês (Foto: Prince Gyasi) — Foto: Glamour
Dear white people, essa conversa é com vocês (Foto: Prince Gyasi) — Foto: Glamour

A partir disso e do curso com Obirin Odara, então, pontuo 5 tópicos sobre como o branco pode ajudar na luta contra o racismo.

1. FALE SOBRE VOCÊ

Compartilhar as nossas histórias ajuda bastante, infelizmente nós ainda precisamos de uma voz branca para validar a presença do negro. Mas a mudança seria mais efetiva se a reflexão fosse sobre autoconhecimento. Que tal reconhecer e compartilhar os seus privilégios? Quais atitudes do seu dia a dia no trabalho, por exemplo, você poderia mudar para diminuir as desigualdades? Você gostaria de ser tratado como o negro é tratado pela sociedade? Fica aí a reflexão, mas pense e faça: só o ativismo de internet não adianta.

2. QUEBRE A MESA

Depois de assumir, escolha quebrar a mesa ao invés de simplesmente abrir espaço para outras pessoas sentarem. Traduzindo: não adianta incluir se quem vai continuar ditando as regras for a supremacia branca. "Os lugares físicos de quem senta e fala é sempre do corpo branco; quem "arma confusão" é o corpo negro. Até quando levaremos a culpa?", explica e questiona Obirin.

3. SE RECONHEÇA EM TODOS OS CORPOS

"O caso do "mendigo gato" (quem lembra?) é a maior prova de que o branco não admite se ver no lugar que ele acredita ser do negro", diz Obirin. A explicação também justifica o fato de nós termos que batalhar duas vezes mais para ocupar espaços, mas seguimos. Por isso, quando tiver oportunidade, indique empreendedores negros, pensadores negros, profissionais negros em geral - repito, o seu poder de validação ainda é indispensável.

4. VALORIZE O BRASIL

Se mobilizar pela morte de um corpo negro nos Estados Unidos ou na Europa é bom, mas não deixe de lembrar que no Brasil a taxa de homicídio entre a população negra só cresce. De acordo com o Atlas da Violência, 75% das vítimas de homicídio são negras.

5. SE SINTA DESCONFORTÁVEL

Mas estude sobre racismo. Nós convivemos com os efeitos da colonização diariamente, mas tudo o que aprendemos sobre racismo estrutural, privilégios e direitos foi procurando conhecimento. Por isso não custa nada você também buscar informação, afinal, mais uma vez, a responsabilidade de acabar com um problema criado pelo branco não é só nossa.

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