Os diretores da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), decidiram, nesta sexta-feira (19), por unanimidade, manter proibida a venda de cigarros eletrônicos (ou vapes) no Brasil. A comercialização destes produtos não é autorizada desde 2009. "Mesmo assim, são facilmente adquiridos em lojas ou pela internet, o que cria uma falsa percepção de segurança, de alternativa para reduzir o uso do tabaco, mas, na verdade, seus riscos são ainda maiores", alerta o pediatra e infectologista Renato Kfouri, presidente do Departamento de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e colunista da CRESCER.
A decisão da Anvisa reforça que é algo que os adolescentes devem ficar longe. O diretor-presidente Antonio Barra Torres se baseou em documentos da Organização Mundial de Saúde (OMS) e da União Europeia, além de decisões do governo da Bélgica de proibir a comercialização de todos os produtos de tabaco aquecido com aditivos que alteram o cheiro e sabor do produto. O diretor ainda apresentou proposições de ações para fortalecimento do combate ao uso e circulação dos dispositivos eletrônicos de fumo no Brasil.
A agência também produziu um relatório para embasar a discussão, avaliando o impacto da proibição no país nos últimos anos, assim como a situação em outros países em que a comercialização foi liberada. "Destaco o aumento do risco da iniciação de jovens e adolescentes ao tabagismo, a alta prevalência de uso em países que permitem tais produtos, em especial por crianças, adolescentes e adultos jovens e ausência de estudos que comprovem que estes produtos provoquem menos danos à saúde", afirmou a diretora Danitza Buvinich.
O relatório mostrou que nos países em que os cigarros eletrônicos foram liberados, como Estados Unidos e Reino Unido, houve um aumento do fumo entre adolescentes e crianças, o que tem gerado uma crise de saúde e um movimento a favor da revisão da liberação. Além disso, uma defesa da indústria é que eles são menos viciáveis do que os cigarros comuns. Mas, pesquisas recentes já contrariaram este argumento e afirmaram que eles podem, sim, levar à dependência. "Embora isentos de alcatrão, a concentração de nicotina nos dispositivos é cerca de três vezes maior que nos cigarros convencionais", afirma Kfouri.
Aumento do fumo entre jovens no Brasil
De acordo com o Instituto Nacional de Câncer (Inca), o uso do cigarro eletrônico aumenta em mais de quatro vezes o risco de uso do cigarro. "Levamos décadas, por meio de intensas campanhas contra o tabagismo, desconstruindo a criminosa imagem criada da associação entre o cigarro e o sucesso, a fama, homens maduros e mulheres sensuais. Chegamos a taxas de menos de 10% de fumantes entre os maiores de 15 anos de idade no Brasil. Corremos o risco de vermos todas essas conquistas se perderem", diz o infectologista.
Infelizmente, são os adolescentes as principais vítimas dessa propaganda enganosa, já que garantem aos produtores um enorme tempo de uso do viciante produto, afirma Kfouri. "Meninos e meninas que provavelmente nunca fumariam hoje são estimulados a consumir este perigoso e disseminado produto, uma verdadeira epidemia", acrescenta o especialista. A Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) revelou que, em 2019, 16,8% dos adolescentes de 13 a 17 anos já haviam experimentado o cigarro eletrônico, sendo quem 13,6% tinham entre 13 e 15 anos e 22,7% entre 16 e 17 anos.
Por que o cigarro eletrônico é tão perigoso?
Enquanto os cigarros convencionais queimam tabaco, os eletrônicos possuem uma bateria e um reservatório cheio de líquido. Esse líquido é aquecido pela bateria, vira vapor e, depois, é inalado. Acontece que esse líquido pode conter dezenas de substâncias que fazem mal para o nosso organismo, inclusive a nicotina. Cada tipo contém uma fórmula diferente. Já foram encontradas nesses produtos substâncias como níquel, chumbo, estanho, glicerol...
Em outras palavras, os pulmões estão preparados apenas para filtrar o ar. Quando outras substâncias acabam chegando até eles, isso pode trazer consequências sérias para a saúde. "Quando você usa um cigarro eletrônico, acaba depositando no pulmão não só metais tóxicos e nicotina, mas também produtos alimentícios. Esses produtos alimentícios vão para num lugar onde não deveriam estar. Com isso, geramos um processo inflamatório e futuras doenças relacionadas ao ato de inalar nicotina e de depositar esses metabólitos alimentícios", explica Guilherme Loureiro Fernandes, ginecologista e obstetra especialista em medicina fetal do Hospital e Maternidade Pro Matre Paulista (SP).
E ainda tem mais: os cigarros eletrônicos soltam vapor (ou aerosol) e podem "queimar" as vias aéreas. Tudo isso pode desencadear uma série de problemas pulmonares e cardiorrespiratórios, como infarto, AVC, aumento da pressão arterial e até câncer de pulmão. "Além disso, as substâncias nocivas podem causar lesões pulmonares, síndrome respiratória aguda, doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), aumento de crises de asma e 42% mais chance de ter infarto agudo do miocárdio, por exemplo", adiciona Kfouri.