Histórias
 


Durante o primeiro ano de vida, Henrique, de 5 anos, filho da pedagoga Raisa Sphor, 30, apresentou um desenvolvimento normal para a sua idade. No entanto, como mãe de segunda viagem e autista nível 1 de suporte, Raisa começou a perceber comportamentos diferentes dos observados em Helena, sua primeira filha de 10 anos. Eventualmente, Henrique foi diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista (TEA) nível 3 de suporte.

"Ele tem hipotonia, sempre foi uma criança muito molinha, de tônus enfraquecido. Notava que ele tinha dificuldade para sentar, se manter equilibrado, segurar a cabecinha", relata a mãe, que mora com a família em São José (SC), em entrevista exclusiva à CRESCER. "Também tinha o que chamamos de terror noturno: dormia com facilidade, pegava no sono, mamava, porém ele chorava muito na madrugada, gritava."

Raisa e os filhos, Henrique e Helena — Foto: Arquivo pessoal
Raisa e os filhos, Henrique e Helena — Foto: Arquivo pessoal

Além disso, Henrique não compreendia seu nome e não respondia a chamados de outras pessoas. Com o tempo, ele também passou a não fazer mais contato visual e se comunicava apenas por balbucios. "Ele estava em outro mundo, numa interação com ele mesmo", descreve Raisa. "Eu estava sempre muito exausta, então a gente foi levando essa situação, já que os médicos nos garantiam que não era nada, que ia passar. Isso foi se estendendo até um ano e meio, que foi quando nós começamos a buscar pelo diagnóstico."

Entretanto, durante muito tempo, antes mesmo de lidar com o diagnóstico de Henrique, o maior desafio de Raisa foi tentar compreender a si mesma dentro do TEA. "A minha adolescência foi uma fase muito difícil, principalmente porque eu não entendia o que eu sentia. As comorbidades do autismo, a depressão, o transtorno de ansiedade generalizada, a bipolaridade e os transtornos alimentares já estavam presentes desde os 12 anos", conta a mãe. "Não existia suspeita de autismo nessa fase, nem se falava sobre isso e eu tampouco conhecia, meus familiares também."

Para entender melhor

Algumas pessoas com TEA podem realizar todas as atividades do dia a dia, outras nem sempre. Para conduzir o tratamento e recomendar as terapias mais adequadas, o transtorno é classificado a partir de três níveis, segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais DSM-5 (referência mundial de critérios para diagnósticos). São eles:

  • Nível 1 de suporte: assim como no caso de Raisa, exige apoio dos familiares e profissionais. Em geral, as pessoas apresentam sintomas leves, como dificuldades em situações sociais e na linguagem, comportamentos repetitivos e restritivos, ou comportamentos em excesso, como cumprimentar ou falar com pessoas desconhecidas na rua.
  • Nível 2 de suporte: exige apoio substancial. Pessoas que apresentam sintomas intermediários e um menor grau de independência. Normalmente, elas podem ter dificuldade em interações sociais, comportamentos restritivos e repetitivos, podem não fazer contato visual ou não expressar emoções, além de manter conversas curtas.
  • Nível 3 de suporte: exige necessidade de apoio substancial. Pessoas com sintomas severos, com dificuldades na comunicação e situações sociais, uso de poucas palavras e muitos comportamentos restritivos e repetitivos. Raramente iniciam alguma conversa e reagem somente a abordagens muito diretas. Além disso, costumam precisar de apoio especializado ao longo da vida. Esse é o quadro de Henrique.

Maternidade atípica

O diagnóstico de Raisa só veio aos 27 anos, depois que o filho, após uma série de consultas com neurologistas e outros especialistas, também foi diagnosticado, com 1 ano e 6 meses. Para a pedagoga, apesar do susto, se descobrir com TEA foi um alívio: "Apesar de ser uma autista nível 1 de suporte, tenho inúmeros prejuízos na comunicação, na socialização, na interação, distúrbios de sono, distúrbios de imagem. Aos 12 anos aconteceu a primeira tentativa de suicídio, depois na fase adulta também. Mas eu acredito que eu encontrei uma salvação no diagnóstico para poder tentar entender o que se passava comigo, porque eu nunca entendia o que eu sentia e nunca me fazia pertencer a nenhum espaço", confessa. "Foi uma busca por tentar viver melhor, ter qualidade de vida dentro das minhas condições e limitações."

Sua primeira filha, Helena, não está dentro do espectro autista, mas possui uma boa relação com Henrique e sempre foi muito compreensiva com as rotinas da mãe e do irmão. "Ela ajuda muito na rotina, é muito prestativa, cuidadosa, preocupada, tem o irmão como uma joia rara. Está sempre junto em cada evolução, vibra muito, estimula, conversa, abraça, beija. Eles são uma coisa só, é uma relação muito bonita e genuína", diz a mãe.

Nas redes sociais, Raisa compartilha diversos conteúdos sobre a vida com Henrique e Helena, sua trajetória e sentimentos, com o objetivo de ajudar outras pessoas a "se encontrarem", assim como ela. Seu perfil no TikTok possui mais de 33 mil seguidores e, no Instagram (@raisaasphor), já são mais de 68 mil. "Pensei que poderia ajudar outras pessoas a também se encontrarem e buscarem um caminho de melhor compreensão e de entendimento sobre uma condição que ainda é pouco falada, ainda tem muito tabu e muito preconceito. Então achei que era o momento de compartilhar o diagnóstico do meu filho, o meu diagnóstico e todo o processo", relata.

Rotina e terapias

Raisa com o filho, Henrique — Foto: Arquivo pessoal
Raisa com o filho, Henrique — Foto: Arquivo pessoal

Raisa conta que sua rotina com Henrique é muito dedicada a ele, pois o pequeno realiza diversas terapias conjuntas em uma clínica que ocupam cerca de 16 horas semanais: fonoaudióloga, psicóloga, ABA (análise de comportamento aplicada), psicomotricidade e terapia ocupacional. "Eu precisei largar minha carreira e a minha vida para me dedicar a ele, ao desenvolvimento dele. Foi muito necessário, porque não tinha como conciliar carreira com uma criança nível 3 de suporte, não verbal, com crises", diz. Com exceção do marido, ela não possui nenhuma rede de apoio nos cuidados com o filho, já que a mãe - avó de Henrique - passa por um tratamento contra o câncer.

Essa rotina de terapias não começou até os três anos de idade do filho, por conta do período de pandemia. Ele não aceitava pessoas por perto, especialmente com o uso de máscaras, ainda obrigatório na época. "Lembro que eu fazia o atendimento com a terapeuta ocupacional (T.O) para ela me dizer exatamente tudo que eu tinha que fazer com ele em casa. Porque ele não aceitava ninguém, nem ir em consultórios, nem ninguém na nossa casa", relata a mãe. Na época, Raisa, sua filha Helena e o marido, pai de Henrique, ainda moravam no Rio Grande do Sul. Foi a partir daí que a família fez a mudança para São José.

Junto das demais terapias, há um ano Henrique teve o uso do canabidiol incorporado como parte de suas terapias. "Foi aí que ele desenvolveu a fala e outras habilidades que ainda estão sendo desenvolvidas, como responder a comandos simples. Ele foi uma criança totalmente não verbal até os quatro anos de idade. Não se comunicava de nenhuma forma, nem em forma de gestos, de apontar, nem em forma de vocalização", pontua Raisa.

O pequeno ainda precisa de suporte em tempo integral para diversas atividades, como comer, se vestir e tomar banho. Entretanto, Raisa considera a conciliação da terapia intensiva com o canabidiol um marco na vida do filho, pois agora Henrique compreende o que acontece ao seu redor e teve avanços significativos na fala e habilidades de socialização na escola. "Ele faz uma terapia com outras crianças, que trabalha o tempo de permanência, paciência e espera do outro. Isso fez com que ele desenvolvesse essa habilidade de percepção do outro, que existe outra pessoa. Hoje, ele gosta dos amigos da escola, dos coleguinhas, abraça. Sempre com um suporte", conta.

Desafios de uma mãe com TEA

Raisa com os filhos, Helena e Henrique — Foto: Arquivo pessoal
Raisa com os filhos, Helena e Henrique — Foto: Arquivo pessoal

Em meio a toda sua trajetória até o momento, Raisa acredita que o maior desafio de conviver de forma tão presente com o TEA é a autossabotagem. "Eu digo que os maiores desafios estão dentro da nossa mente. Ela nos sabota muito, achando que a gente não vai conseguir, que não vai dar certo, que o processo vai ser muito mais difícil do que possível. No autismo, a gente aprende que as coisas não são do dia para a noite, que é preciso ressignificar o que a gente sente e criar estratégias. Estratégias simples, na base de muito amor, muita dedicação e paciência", diz.

Além disso, a falta de informação da sociedade ainda contribui muito, em sua visão, para que seja mais difícil conviver com o autismo e criar um filho autista. "São as limitações que a gente tem diante de uma sociedade que pouco se informa. Quando a gente chega e precisa lidar com o sistema, com a falta de inclusão, com a falta de estrutura que nos oferecem, é muito complicado também."

Apesar do cenário ainda difícil, a força de Raisa vem de comemorar cada pequena conquista e colaborar com a evolução do filho. "Eu não quero romantizar, tenho a minha condição e muitas dificuldades. Porém eu aprendi e optei por ver beleza em meio a tanta obscuridade. Porque ou eu via a beleza, ou a minha vida não ia ter sentido. Não ia conseguir seguir em frente", relata. "Quando eu percebi que o autismo não era o fim e que ninguém ia morrer por causa de ser autista, eu fiz dele uma história de força e de superação e tento todos os dias superar todos os meus limites. Sei que meu filho, da maneira dele, também se esforça para enfrentar os desafios e se superar com todas as forças que a gente tem", finaliza.

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