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Aos 2 anos, período em que a maioria dos bebês já dorme a noite inteira, Henrique ainda tinha vários despertares ao longo da madrugada. A princípio, o menino foi encaminhado a um alergista, que apontou o diagnóstico de APLV (alergia à proteína do leite de vaca) como a possível causa do problema – alergias alimentares, cutâneas e respiratórias, de fato, podem afetar o sono por diferentes motivos, que vão desde cólicas, coceiras até respiração bucal. “Como as medicações tradicionais não resolveram, ele nos recomendou buscar um otorrinolaringologista. Os exames mostraram que meu filho tinha a adenoide e as amígdalas aumentadas”, recorda-se a neurocientista Renata Leite, 41 anos, mãe do menino, hoje com 5 anos.

Por estar abaixo da curva de crescimento, havia a suspeita de que o sono inadequado estivesse prejudicando o crescimento de Henrique. Após uma cirurgia para a remoção de ambas as estruturas, ele passou a respirar e a dormir melhor. Em poucos meses, também atingiu a altura considerada normal para a sua faixa etária. “A endocrinologista que o acompanhava não se surpreendeu com o desfecho, disse que é comum a qualidade do sono afetar o crescimento”, conta Renata.

Sono é saúde — Foto: Babuska
Sono é saúde — Foto: Babuska

Que o sono impacta a saúde de modo geral não é novidade. “Hoje, temos mais conhecimento científico a respeito das consequências dos distúrbios do sono, do diagnóstico e das estratégias de intervenção”, explica o pediatra e especialista em medicina do sono Gustavo Moreira, diretor clínico do Instituto do Sono (SP), instituição pioneira no estudo do tema no país.

Mas, apesar dos avanços, as questões relacionadas ao sono ocupam o quarto lugar entre as queixas ouvidas nos consultórios pediátricos, de acordo com a pediatra e especialista em medicina do sono Ana Elisa Ribeiro Fernandes, membro do Departamento Científico do Sono da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). Além disso, segundo a SBP, cerca de 20% a 30% das crianças podem apresentar despertares noturnos frequentes e dificuldade de dormir. Problema, aliás, que piorou na pandemia da covid-19.

Uma análise que avaliou 250 estudos sobre o assunto, envolvendo 490 mil pessoas de 49 países, apontou que a prevalência de distúrbios do sono entre crianças e adolescentes foi de 45%. A pesquisa, realizada por meio de uma parceria entre diversas instituições, como a Universidade de Washington (EUA), Universidade do Golfo Arábico (Bahrein) e a Universidade de Petra (Jordânia), considerou o período de novembro de 2019 a julho de 2021. “Ainda vivemos um momento de certa bagunça em relação ao sono. Apesar da volta à rotina, a ansiedade persiste e isso afeta o comportamento. Em especial das crianças maiores, por terem mais discernimento dos riscos da covid-19”, diz a pediatra Ana Elisa.

A boa notícia é que os distúrbios do sono não só podem ser prevenidos, como tratados. A abordagem deve ser individualizada, já que a origem pode ser ambiental ou orgânica (como no caso de Henrique). “Mas há recomendações que servem para todos”, reforça o pediatra Moreira. Afinal, dormir é um processo fisiológico (tal qual a digestão e a respiração), então, as etapas são as mesmas para qualquer um. A seguir, veja o que ajuda, o que atrapalha, e as últimas novidades da ciência sobre o tema.

Expectativa x realidade

Sono é saúde — Foto: Babuska
Sono é saúde — Foto: Babuska

Nas palavras do neurologista, especialista em medicina do sono e apresentador do podcast Sleep Unplugged, Chris Winter, dormir é inevitável. Como assim? “Não ser capaz de dormir é praticamente uma impossibilidade científica”, escreve o norte-americano no recém-lançado The Rested Child: Why Your Tired, Wired or Irritable Child May Have a Sleep Disorder - And How to Help (“A criança descansada: por que o seu filho cansado, conectado e irritado pode ter um distúrbio do sono – e como ajudar”, em livre tradução do inglês), Editora Avery. No livro, ele conta que os padrões de sono e vigília já são percebidos desde a gestação. Por isso, quando uma família reclama que o filho dorme mal, pergunta: o que realmente há de errado aqui? O comportamento do seu filho ou de que maneira o comportamento dele atende às suas expectativas?

“Muitas das questões relacionadas ao sono que as famílias enfrentam, que vão desde ‘meu filho não dorme’ a ‘ele vem para a minha cama no meio da noite’, provavelmente têm menos a ver com um problema intrínseco da criança e mais com orientações sobre o sono. Ela não vai tirar uma soneca regularmente às 10h sem um pequeno auxílio de seus cuidadores”, afirma Winter. E como os pais podem ajudar? Para começar, é preciso compreender que os padrões de sono de adultos e crianças são diferentes...

Os mecanismos que regulam os ritmos circadianos (variação das funções biológicas ao longo de 24 horas), ainda não estão prontos ao nascer. Por isso, o recém-nascido dorme “picadinho”, o que às vezes dá a impressão de que ele troca o dia pela noite. Mas tais ritmos se normalizam com o amadurecimento do cérebro, e o número de despertares noturnos diminui no decorrer do primeiro ano. Ainda assim, é esperado que o bebê acorde de uma a duas vezes nessa fase e, finalmente, durma a noite inteira por volta dos 2 anos.

“Quando algum pai ou mãe me pergunta o que fazer para o bebê dormir a noite toda, respondo: o mesmo que você tem de fazer para ele andar. Ou seja, esperar que atinja o amadurecimento neurológico necessário, além de oportunizar o aprendizado”, afirma a pediatra Ana Elisa. Oportunizar, nesse caso, significa implementar uma rotina adequada e oferecer um ambiente tranquilo de descanso. Na verdade, os despertares continuam ao final de cada ciclo de sono (que dura entre 90 e 120 minutos). No entanto, assim como acontece com os adultos, as crianças voltam a dormir e sequer se lembram – o que exige um certo “treino” para que ganhem autonomia.

Além do comportamento

Sono é saúde — Foto: Babuska
Sono é saúde — Foto: Babuska

As dificuldades, vale lembrar, variam conforme a idade. “Nos lactentes (até 2 anos), a mais comum é iniciar e manter o sono, com vários despertares ao longo da noite. Depois dessa fase, o início do sono continua sendo a principal queixa dos pais: a criança vai para o quarto, mas ainda não está pronta para dormir, pede para beber água, ir ao banheiro, ouvir mais uma história e assim por diante”, explica a pediatra Ana Elisa, da SBP. Alguém se identificou?

Importante destacar, entretanto, que noites maldormidas também podem sinalizar condições mais graves. A lista inclui alergias alimentares, cutâneas e respiratórias, já mencionadas; problemas respiratórios, como asma, sinusite e apneia do sono; doença do refluxo gastroesofágico; transtorno do espectro autista (TEA) e transtorno do déficit de atenção (TDAH). “Essas situações, por sua vez, podem gerar problemas comportamentais. Por isso, pais e pediatras devem estar atentos e questionar o que surgiu primeiro, o ovo ou a galinha?”, diz Ana Elisa.

Outro ponto a se considerar é a quantidade de horas de descanso que uma criança precisa. Entre 3 e 5 anos, por exemplo, recomenda-se que ela durma de 10 a 13 horas por dia (divididas entre sono noturno e sonecas), de acordo com a Fundação Nacional do Sono (EUA). Algumas crianças requerem mais do que outras, por isso há uma variação de três horas no padrão dito normal. Esse intervalo sofre influências genéticas e pode mudar dentro da própria família. A conta não é tão exata assim...

A jornalista Paula Laier, 42 anos, teve experiências distintas com os dois filhos, Lucy, 4, e Beto, 1, ainda que tenha estabelecido a mesma rotina para ambos. “Por volta dos 10 meses, ela acordava de uma a duas vezes por noite. Já o caçula dorme a noite inteira desde os primeiros meses de vida. Ele só desperta mesmo se houver algo de errado, como quando está doente”, afirma Paula. Além disso, Lucy normalmente acorda cedo, durante ou no fim de semana, enquanto o irmão mais novo gosta de dormir um pouco mais e precisa ser acordado para ir ao berçário pela manhã.

Um dia sim e no outro também

Sono é saúde — Foto: Babuska
Sono é saúde — Foto: Babuska

Todo pai e mãe sabe da importância da rotina para as crianças. O que ficou mais evidente durante a quarentena em virtude da pandemia. Na casa da esteticista Milena Fernandes, 36 anos, houve outro agravante, a chegada de um recém-nascido. “Meu filho mais velho associou o afastamento da escola ao nascimento do irmão. Não soubemos como lidar e acabamos flexibilizando demais os horários para comer e dormir, o que bagunçou o sono dele”, recorda-se Milena, que é mãe de Mateus, 6, e Murilo, 3 anos. A situação só se normalizou com a volta às aulas no segundo semestre de 2021, para alegria da família.

A pediatra Letícia Soster, especialista em neurologia, neurofisiologia e medicina do sono, do Hospital Israelita Albert Einstein (SP), explica o motivo. “Somos animais sincronizados com o ambiente, o que significa que o nosso organismo funciona de maneira diferente durante os ciclos de sono e vigília. Um exemplo está no fato de ficarmos em jejum sem esforço à noite, mas não de dia”, afirma. No entanto, o corpo precisa de sinais para diferenciar um período do outro.

Sendo assim, segundo a especialista, existem três fatores que garantem uma boa noite de descanso – e a pandemia interferiu em todos eles. O primeiro são os ritmos circadianos, regulados pelo hormônio melatonina, responsável por avisar o corpo que “chegou a hora de dormir”. Ele começa a ser produzido no início da noite, mas seus níveis são prejudicados pela luminosidade artificial (como se o corpo pensasse que ainda é dia).

Já o segundo fator está relacionado à homeostase, ou seja, ao equilíbrio das funções bioquímicas. Esse balanço é afetado pelo gasto e pela reposição de energia, por isso o movimento é tão importante quanto o descanso. Por fim, chegamos às questões comportamentais: hábitos que ajudam (ou atrapalham) o sono. “As dificuldades para dormir, portanto, não são um problema noturno. Elas dependem do que acontece ao longo de 24 horas”, resume Letícia.

Telas e melatonina

Se a rotina é a salvação, as telas são, cada vez mais, as vilãs do sono. Para o pediatra Moreira, do Instituto do Sono, o uso em excesso possivelmente está por trás das razões pelas quais os distúrbios do sono estão crescendo. Em primeiro lugar, porque a luminosidade bloqueia a produção de melatonina, como você já sabe. “Além disso, as telas favorecem o sedentarismo e a obesidade, que também interferem na qualidade do sono”, explica.

Uma pesquisa realizada por cientistas de diversas instituições chinesas, entre elas o Hospital Infantil de Pequim, mostrou que meninas que dormem menos de oito horas por noite tendem a apresentar índices de massa corporal (IMC) maiores do que aquelas que dormem entre oito e nove horas. Os pesquisadores concluem que uma das razões diz respeito à liberação do hormônio do crescimento (que também ocorre durante o sono e cuja redução altera o processo de lipólise, ou seja, a queima de gorduras). Moreira ressalta, ainda, que a obesidade, por sua vez, pode levar à apneia do sono, piorando a situação.

E por falar em melatonina, se a dose está baixa, não bastaria repor? É uma dúvida frequente desde que a venda sem prescrição médica foi liberada em 2021 no país. Segundo a médica e colunista da CRESCER Ana Jannuzzi, a recomendação deveria se restringir a casos em que há uma dificuldade na produção ou síntese do hormônio, como ocorre em parte das crianças que têm o transtorno do espectro autista (TEA). “Não temos certeza dos efeitos que o uso prolongado pode causar”, alerta.

João Manoel, que tem TEA, toma melatonina desde os 4 anos, por indicação do pediatra. “Na época, eu tinha de importá-la, era mais custoso e, às vezes, a mercadoria era retida na alfândega. Então, a liberação facilitou o processo”, diz a dona de casa Kika Lima, 47 anos, mãe do menino, que hoje tem 15 anos. Ela conta que a substância faz com que João Manoel pegue no sono com mais facilidade, mas sem milagres. “Não se trata de um remédio para dormir, que a pessoa toma e ‘capota’. Além de ajustar a dose e o horário, com acompanhamento médico, é preciso cuidar da rotina para dar certo”, afirma a mãe.

Dormir para aprender

Sono é saúde — Foto: Babuska
Sono é saúde — Foto: Babuska

Os efeitos da privação de sono, como você viu, vão além do chororô. Um dos mais conhecidos está ligado ao desenvolvimento cerebral. Crianças de 6 a 12 anos que dormem menos de nove horas por noite, de acordo com uma pesquisa da Universidade de Maryland (EUA), apresentam menos massa cinzenta ou menor volume em regiões cerebrais relacionadas à memória, atenção e controle inibitório (habilidade de conter a impulsividade). Isso quer dizer que o sono pode influenciar o desempenho escolar? Para o neurocientista francês Stanislas Dehaene, a resposta é sim. No livro É assim que aprendemos (Editora Contexto), o pesquisador reforça que é nesse momento que as informações são transferidas para a memória.

Os resultados desse estudo mostram também que os pequenos correm um risco maior de apresentar depressão e ansiedade quando o tempo de descanso é insuficiente. Porém, o que mais chamou a atenção dos cientistas, com base nos dados de 8.300 crianças, foi que as diferenças nas estruturas cerebrais persistiram após dois anos – o que sugere danos a longo prazo. E até o sistema imunológico é impactado, sabia? Diversas pesquisas mostram que dormir bem potencializa a produção de anticorpos após a imunização, por exemplo. Tal efeito já foi comprovado (em adultos, por ora) com a vacina da gripe, hepatite A e meningite C.

Depois dessas e tantas outras descobertas a respeito dos benefícios do sono de qualidade, ao longo das últimas décadas, agora os cientistas estão começando a se debruçar sobre as técnicas que podem ajudar as crianças – e suas famílias – a dormir melhor. Uma pesquisa recente feita no Japão apontou que andar com o bebê por cinco minutos induz o sono, e mantê-lo no colo por mais cinco ou oito minutos (com o adulto sentado, de preferência) diminui a chance de ele acordar ao ser colocado no berço. Enquanto alguns especialistas desencorajam métodos indutores, outros não veem problema.

“O sono depende de a pessoa estar relaxada, seja adulto, seja criança. Se o seu filho se sente tranquilo no colo, isso deve ser levado em conta”, avalia a médica Ana Jannuzzi. Ela acredita que não haja uma única saída, pois as demandas variam de acordo com a criança, faixa etária e contexto. “A entrada no berçário ou a chegada de um irmão, por exemplo, são capazes de fazer com que uma criança que dormia bem solicite a presença dos pais. E por que não confortá-la?”, diz. Com todas essas informações sobre o papel do descanso para o desenvolvimento infantil, cada família deve avaliar o que funciona ou não para si – sem perder o sono, seja no sentido literal ou metafórico.

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Além do baixo salário, as responsabilidades incluíam transportar as crianças, preparar refeições e manter a limpeza da casa. A babá também deveria estar disponível de domingo à noite até quinta-feira à noite e possuir carteira de motorista válida, veículo confiável, verificação de antecedentes limpa e certificação em Ressuscitação Cardiopulmonar (RCP) e primeiros socorros

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