• Malu Echeverria
Atualizado em

Ainda que as crianças não tenham sido incluídas nos grupos de risco da covid-19, a pandemia impactou o desenvolvimento infantil em todo o planeta. É o que mostram alguns estudos recentes, entre eles uma pesquisa realizada com 255 bebês pelo Centro Médico Irving, da Universidade Columbia, em Nova York (EUA). Os resultados do estudo, que foi publicado em janeiro último, no periódico científico JAMA Pediatrics, indicam que os nascidos no primeiro ano da pandemia tiveram uma performance inferior em testes de habilidades sociais e motoras aos 6 meses, comparados a bebês que nasceram nos anos anteriores (independentemente de a mãe ter contraído covid-19 ou não na gestação).

Desenvolvimento cerebral (Foto: Babuska)

 (Foto: Babuska)

Outra pesquisa, divulgada no segundo semestre de 2021, da Universidade Federal do Rio de Janeiro em parceria com a Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal (FMCSV), feita com crianças de 4 e 5 anos, concluiu que, em 2020, elas aprenderam em um ritmo mais lento, com perdas estimadas de até quatro meses para linguagem e matemática. O estudo também mostrou que o abalo foi pior entre aquelas em situação de maior vulnerabilidade social.

O papel da pandemia

A psiquiatra Mariana Pedrini Uebel, autora do recém-lançado "O Cérebro na Infância - Um Guia para Pais e Educadores Empenhados em Formar Crianças Felizes e Realizadas" (Editora Contexto), ressalta ainda que sintomas como atraso da fala, dificuldade de interação social, ansiedade, pânico e depressão se tornaram mais comuns no consultório nos últimos tempos.

“Além do fechamento das escolas, o sedentarismo, maus hábitos alimentares e de sono e o aumento no uso das telas favoreceram o crescimento de tais problemas, que podem levar a dificuldades no aprendizado”, explica. Segundo a especialista, os sintomas emocionais que já eram velhos conhecidos das famílias foram acentuados pela pandemia. “Nesse intervalo, o nosso sistema límbico, que é uma parte mais primitiva do cérebro ligada ao medo, foi bastante acionado, uma vez que fomos expostos ao desconhecido e nos sentimos vulneráveis. Nós, adultos, buscamos prazer na bebida, comida e redes sociais para compensar. Mas imagine como foi difícil para as crianças, com o cérebro ainda em desenvolvimento”, conclui a psiquiatra.

Sempre em atividade

Vale lembrar que o desenvolvimento cerebral tem início nas primeiras semanas da gravidez, mas só se completa no início da vida adulta, conforme explica Mariana em "O Cérebro na Infância". Nos primeiros anos, 1 milhão de novas conexões neurais (chamadas sinapses) são formadas por segundo. Ao longo desse período de vasta superprodução, as conexões pouco utilizadas são eliminadas para que a comunicação entre os neurônios se torne mais eficiente. Daí a importância dos estímulos variados. Esse fenômeno é conhecido por poda cerebral e ocorre até por volta dos 25 anos, com menor intensidade.

Saiba, ainda, que o amadurecimento do sistema nervoso começa nas regiões associadas às funções mais básicas, como as áreas motoras e sensoriais. Na sequência, chega a vez das áreas ligadas à linguagem. Já as funções executivas (gestão dos processos cognitivos, como memória, planejamento e execução de tarefas) estão entre as últimas habilidades a serem adquiridas por completo. Mas, diferentemente do que se imaginava tempos atrás, o cérebro não é estático. Por essa razão, somos capazes de nos adaptar a mudanças e aprender por toda a vida. Chamada de neuroplasticidade, essa característica, no entanto, é mais evidente na primeira infância (0 a 6 anos), fase em que o órgão está se moldando.

“A neurociência tem mostrado que o cérebro do bebê, além de ter uma excelente plasticidade, apresenta janelas ótimas de desenvolvimento: períodos sensíveis em que a criança tem mais condições de adquirir novas habilidades, totalmente dependentes de experiências, nos primeiros anos de vida”, resume Mariana, no livro. E o que você pode fazer para ajudar o seu filho a atingir todo o seu potencial? “Assumir o protagonismo nessa história, enquanto cuidador”, completa Mariana Luz, CEO da FMCSV. Confira alguns caminhos a seguir.

 (Foto: Babuska)

(Foto: Babuska)

Primeiros estímulos

Para otimizar o desenvolvimento cerebral, não é preciso comprar brinquedos caros ou matricular a criança em vários cursos desde cedo. De acordo com a pediatra Ana Maria Escobar, colunista da CRESCER, no começo da vida, o fator mais importante é o vínculo. “O que se dá por meio dos cuidados do dia a dia e da interação com o bebê”, resume. Por isso, ela recomenda que os pais e demais cuidadores aproveitem todas as oportunidades — banho, troca de fraldas, amamentação — para conversar, cantar e dar colo ao bebê.

Segundo o neurologista infantil Antonio Carlos de Farias, do Hospital Pequeno Príncipe (PR), nas últimas décadas, inúmeros estudos comprovaram o papel desse acolhimento nas conexões cerebrais. Um dos pioneiros, publicado na revista Nature Neuroscience, em 2004, constatou que filhotes de ratas que foram lambidos pelas mães nas primeiras semanas respondiam melhor ao estresse quando adultos. A pesquisa se tornou famosa por ter sido uma das primeiras a comprovar a ação da epigenética (influência do ambiente nos genes), uma vez que o efeito positivo das lambidas também foi observado nos filhotes das mães adotivas.

Olhar atento

Os especialistas ouvidos pela CRESCER concordam que ainda é cedo para avaliar as consequências da pandemia sobre o desenvolvimento desta geração. Para o biólogo Lucas Furstenau de Oliveira, doutor em neurociências e professor de psicologia da Universidade Caxias do Sul (RS), obviamente os resultados das pesquisas devem ser levados em conta, no entanto, não temos como saber se os prejuízos serão duradouros. Isso sem contar que alguns podem se mostrar menos relevantes a longo prazo. “As crianças são muito resilientes. Quando surge um obstáculo, o cérebro pode diminuir o ritmo e acelerar mais adiante para compensar”, afirma.

Por outro lado, de acordo com o especialista, a neuroplasticidade não deve ser encarada como única saída. “É preciso ficar atento a todos os aspectos do desenvolvimento infantil, para entender qual merece maior ou menor cuidado (de acordo com a idade). Isso já era importante antes da covid-19, e vai continuar sendo depois”, afirma. Como dizia o escritor José Saramago, não tenhamos pressa, mas não percamos tempo.

Saiba como assinar a Crescer para ter acesso a nossos conteúdos exclusivos