• Juan Ortiz, Juliana Coin e Silvia Lisboa (Colaboração)
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A empresária Maria Eduarda Braga, 34 anos, estava com 39 semanas e quatro dias de gestação quando foi a uma sessão de acupuntura pela primeira vez. Graças às dicas compartilhadas por um grupo de gestantes, ela soube dos benefícios de aplicar a terapia da medicina tradicional chinesa: além dos alívios com dores e enjoos, as agulhadas em pontos específicos do corpo serviriam para ajudar a induzir o trabalho de parto. “Eu sempre quis, desde o início, fazer um parto normal”, diz Maria Eduarda ao justificar a escolha pela acupuntura – apoiada pelo seu médico.

Por cerca de 20 minutos, ficou deitada com algumas agulhas inseridas nos tornozelos, no abdômen, nas costas, nas orelhas e na lombar. Também recebeu estímulos de calor (moxabustão) e microporos com sementes de mostarda para massagear as orelhas ao longo do dia. “Nem passou muito tempo, eu fui numa sexta-feira e, no sábado pela manhã, minha bolsa rompeu”, lembra. Na madrugada de 11 de abril deste ano, nasceu Cecília.

acupuntura_gravidez (Foto: Thinkstock)

Acupuntura na gravidez pode trazer muitos benefícios para a mulher (Foto: Thinkstock)

A história de uso bem-sucedido da acupuntura é semelhante à da oftalmologista Aline Barros Kosminsky, 34 anos, que recorreu à prática em função da enxaqueca, da ansiedade e das dores nas costas durante a gestação. “Depois que comecei a usar a técnica, não tive mais nenhuma crise de enxaqueca. Saía das sessões mais leve física e mentalmente”, conta. Aline passou por cinco sessões antes do nascimento de Leonardo, hoje com um mês, e outras cinco após o parto. “Os resultados foram excelentes”, ressalta.

Assim como Aline e Maria Eduarda, várias mulheres vêm procurando a acupuntura para facilitar o trabalho de parto e amenizar os incômodos da gravidez, evitando o uso excessivo de medicações durante o período. A prática promove a liberação de neurotransmissores que ajudam a regular emoções, domar a insônia e a ansiedade, aliviar as dores de cabeça, lombares e pélvicas, e combater a indigestão e a constipação intestinal. Sua aplicação durante a gestação hoje já é prática consolidada na China, Estados Unidos, Europa e Brasil.

No caso específico de quem busca induzir o nascimento do bebê, as agulhas são colocadas em pontos mais dolorosos do corpo, como as mãos, a lombar e os tornozelos, o que ajuda a desencadear as contrações, como no caso da Maria Eduarda. “A pele nada mais é do que uma derivação do sistema nervoso. Quando você coloca a agulha nela, está fazendo um estímulo nervoso”, explica a obstetra e acupunturista Mary Uchiyama Nakamura, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Técnica milenar

A acupuntura existe há mais de 4 mil anos e foi introduzida no Brasil mais de um século atrás, por imigrantes chineses e japoneses. Segundo a medicina tradicional chinesa, o corpo humano é composto por canais energéticos – chamados de “meridianos” – pelos quais flui não apenas o sangue, mas também a “força da vida” (Qi). As pontadas, o calor e a aplicação de pressão em pontos específicos desses canais ajudariam, portanto, a regular o funcionamento do organismo.

Desde 1979, a acupuntura tem sua eficácia reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e hoje faz parte da lista de procedimentos básicos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que regula a cobertura dos planos de saúde no Brasil. A técnica também é ofertada na rede pública, embora os principais serviços estejam concentrados nos ambulatórios de hospitais universitários, como os da Escola Paulista de Medicina (USP), o da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e o da Universidade Federal do Rio de Janeiro. “Infelizmente, ainda não é algo muito difundido. Mas aplico acupuntura há 30 anos, e percebo que hoje há muito mais pacientes do que antes”, diz Nakamura, que integra a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo).

Em 2019, o Sistema Único de Saúde (SUS) realizou quase 580 mil sessões de acupuntura em todo o Brasil – pelo menos 47 mil procedimentos a mais do que em 2018 e 37 mil a mais do que em 2017. Embora não haja números específicos sobre o uso da técnica entre gestantes, percebe-se o crescimento da procura.

* (Foto: Getty Images)

(Foto: Getty Images)

Atestada pela ciência

Ainda que a inserção de agulhas possa assustar em um primeiro momento, especialistas ressaltam que a prática não só é segura como poupa a exposição a riscos causados pelo uso de remédios nesta fase. “Ela é particularmente importante por ser uma terapia não farmacológica, evitando medicamentos que sempre podem causar algum risco na gravidez”, destaca o médico acupunturista João Bosco Guerreiro da Silva, professor da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (SP).

Em 2015, Bosco publicou uma pesquisa na revista científica Acupuncture in Medicine, reunindo as evidências sobre os benefícios da acupuntura na gravidez observados ao longo das últimas duas décadas. Um dos estudos mapeados, feito anteriormente por Bosco e Nakamura, mostrou que a acupuntura traz uma redução considerável da dor na lombar, diminuindo a necessidade de analgésicos e melhorando a capacidade funcional da gestante. A pesquisa recrutou 61 mulheres grávidas que reclamavam desse tipo de dor e as dividiu em dois grupos: 27 delas foram tratadas semanalmente com acupuntura e as outras 34 receberam o tratamento-padrão com paracetamol. Após oito semanas, 78% das pacientes do primeiro grupo relataram diminuição significativa das dores, enquanto apenas 15% do grupo das que tomaram medicação sentiram o mesmo alívio.

Segundo os médicos, há ainda outros efeitos positivos que sequer envolvem o uso de agulhas: o calor emitido pela moxabustão – semelhante a um charuto ou incenso feito de ervas que é posicionado próximo ao corpo do paciente – pode ajudar a colocar bebês na posição correta dentro do útero. “Vários estudos demonstraram que, pelo menos, até a 33ª ou 35ª semana de gestação, existe uma grande chance de conseguir virar o bebê para uma apresentação cefálica [com a cabeça virada para baixo]”, diz Bosco. Uma pesquisa de cientistas italianos publicada em 2019, por exemplo, mostrou que o uso de acupuntura e moxabustão ajuda a virar o bebê em pelo menos 62% dos casos. Em outros estudos, a chance de sucesso varia entre 55% e 70%.

Moxabustão na acupuntura (Foto: thirdman/Pexels)

Moxabustão na acupuntura (Foto: thirdman/Pexels)

Ainda não há consenso na literatura médica sobre os benefícios da acupuntura para a fertilidade. Embora alguns experimentos datados do início da década tenham apontado que a prática poderia chegar a dobrar a taxa de sucesso nos casos de fertilização in vitro, pesquisas e revisões mais recentes questionaram esse efeito. De acordo com um estudo de revisão publicado em 2015 por médicos chineses, a acupuntura talvez até traga algum efeito significativo na fertilização in vitro, mas apenas se for realizada 30 minutos após a transferência do embrião e sua implantação no útero, ou se for feita no período entre a menstruação e a ovulação. Seu maior benefício estaria, no entanto, na promoção do bem-estar durante o tratamento particularmente estressante. “A acupuntura é bem aceita pelas pacientes, ajuda na ansiedade e auxilia na vascularização da pelve. Por isso, indico com certa frequência”, diz a ginecologista Isabela Fuhrmeister, que trabalha na clínica Generar Reprodução Humana, em Porto Alegre (RS).

Positivo para as emoções

Para além do desconforto físico, a gestação traz também uma forte carga emocional. A preocupação com a própria saúde e a do bebê, os medos da maternidade, as tensões conjugais e familiares, os picos de alegria e tristeza: tudo isso afeta a saúde mental da gestante e pode desencadear quadros leves e moderados de ansiedade e depressão – para os quais a acupuntura traz alívio. “Na sessão, a grávida recebe um tratamento não só com o uso de agulhas em pontos específicos, como também pelo preparo do ambiente, pelo tom de voz do profissional, pela abordagem tranquila. Muitas vezes, serve para a gestante extravasar sentimentos, e ela volta para casa mais aliviada. Tudo isso leva a resultados impressionantes, que ajudam e complementam o tratamento médico”, diz o obstetra Adriano Höhl, membro da diretoria do Colégio Médico Brasileiro de Acupuntura.

A enfermeira e acupunturista Adriana Afonso (PE), que conduziu as sessões feitas por Maria Eduarda e Aline, conta que as crises de ansiedade estão entre os principais problemas que ela ajudou a tratar com a terapia da medicina chinesa. Ela mesma recorreu à acupuntura quando ficou grávida, em 2015. “Foi a grande virada de chave. Percebi que havia muito a ser feito durante a gestação para aliviar os sintomas indesejáveis mais comuns”, diz.
Como você pode ver, seja como substituta de remédios que podem colocar em risco a gestação, seja como aliada no trabalho de parto, a técnica milenar chinesa mostra que tem atributos de sobra para complementar, quando necessário, o pré-natal.

* (Foto: Getty Images)

(Foto: Getty Images)

Cuidados antes e durante os atendimentos

A acupuntura não tem contraindicações, mas algumas medidas reduzem a chance de chateações. O primeiro passo é procurar médicos certificados ou indicados pelo obstetra. A maioria dos planos de saúde oferece a acupuntura, o que facilita a escolha de um profissional com formação e experiência na área. Na hora da sessão, o ideal é relaxar o máximo possível para aumentar a precisão das agulhadas. Se você tem receio em relação às pontadas, converse com seu acupunturista: a técnica oferece outras opções não envolvendo agulhas que podem ser tão benéficas quanto o método mais conhecido.

Quantas sessões?

A gestante pode fazer acupuntura em qualquer estágio da gravidez. O número de sessões depende de cada caso, mas costuma ser entre quatro e oito, e o alívio pode vir até mesmo depois da primeira. Só as agulhadas duram, em média, de 20 a 30 minutos, embora outras técnicas associadas possam ser aplicadas na mesma consulta. Em geral, as queixas mais frequentes no primeiro trimestre costumam ser os enjoos e vômitos, sem falar nos distúrbios de ansiedade que a técnica chinesa ajuda a aplacar. À medida que os meses avançam e a barriga cresce, surgem as lombalgias (dor nas costas), constipação intestinal, refluxo gastroesofágico, dores de cabeça e transtornos do sono, todos tratáveis pelo método.

As ferramentas da acupuntura

A agulha descartável de aço inox é o principal instrumento usado nas sessões de acupuntura. Para evitar infecções na pele, ela precisa estar corretamente esterilizada e, por isso, deve ser manuseada apenas por profissionais habilitados. Além das punções, a prática também pode envolver o uso de sementes, que geralmente são colocadas na orelha com microporo e servem para fazer massagens no local ao longo do dia (a paciente mesma pressiona a semente com os dedos). Outro item usado nas sessões é a moxabustão (ou apenas “moxa”), um bastão feito de ervas que gera um relaxamento térmico após ser aquecido como um charuto ou incenso. Ele é posicionado próximo a regiões específicas do corpo, mas não entra em contato direto com a pele.

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