Artesanato

Por Márcio Bastos e Simões Neto

Do seu ateliê em Boca da Mata, cidade localizada a 75 km de Maceió, André da Marinheira dá vida a uma fauna exuberante. Onças, tatus, capivaras, corujas e outras espécies são esculpidas a partir da madeira de jaqueiras, que, apesar de já não darem mais frutos, tornam-se material fértil para a criação de obras artísticas permeadas de afeto e tradição.

São peças que refletem o universo particular do artista, mas carregam a história do artesanato da sua região e do estado – e têm alcançado um público cada vez maior no Brasil e no exterior. Ele é um dos 40 mestres e artistas populares mapeados pelo programa Alagoas Feita à Mão, iniciativa que, a partir da sua fundação, em 2015, tem lançado luz sobre o diverso e pulsante artesanato alagoano.

Terreno fértil para a cultura, o estado de Alagoas abriga mestres que fabulam universos em diversas técnicas e expressões artísticas. Aqui, a delicadeza presente na cestaria de fibra de ouricuri da Associação das Artesãs do Pontal de Coruripe — Foto: Felipe Brasil / Divulgação
Terreno fértil para a cultura, o estado de Alagoas abriga mestres que fabulam universos em diversas técnicas e expressões artísticas. Aqui, a delicadeza presente na cestaria de fibra de ouricuri da Associação das Artesãs do Pontal de Coruripe — Foto: Felipe Brasil / Divulgação

Filho de Manoel da Marinheira (in memoriam), considerado um dos grandes ícones do artesanato nordestino, mestre André é um exemplo da importância geracional do artesanato, por transmitir saberes ancestrais, bem como a identidade de um povo e seus afetos.

Há quatro décadas dedicando-se ao ofício, nos últimos anos, ele tem expandido o alcance do seu trabalho com apoio do Alagoas Feita à Mão, que lhe permite não só maior segurança financeira como realização pessoal.

Bordado filé feito com a fibra da bananeira pelas artesãs da Associação Mulheres de Fibra, em Maragogi — Foto: Felipe Brasil / Divulgação
Bordado filé feito com a fibra da bananeira pelas artesãs da Associação Mulheres de Fibra, em Maragogi — Foto: Felipe Brasil / Divulgação

“Me encanto cada vez mais quando falo sobre arte popular. Gosto de criar e também que o público possa admirar minhas peças. Antes, eu sofria muito para levar minhas obras para outros lugares porque são pesadas, o que deixava tudo caro. Com o Alagoas Feita à Mão, isso se transformou. Hoje, minhas obras e de outros artistas estão aí por esse mundão”, conta mestre André.

Ao ressaltar a importância do programa para o aumento da visibilidade de suas obras, ele ecoa o sentimento de vários artistas populares que quase sempre ficaram à margem de um mercado mais formalizado. Afinal, a discussão em torno do caráter artístico do artesanato por muito tempo ficou presa a uma visão excludente, quase elitista, de que essas peças não seriam obras de arte, pois, em sua maioria, têm caráter utilitário e são pensadas a partir da ideia de reprodutibilidade.

Potes e panelas de barro da mestra Marinalva (in memoriam), do povoado quilombola Muquém, União dos Palmares — Foto: Felipe Brasil  / Divulgação
Potes e panelas de barro da mestra Marinalva (in memoriam), do povoado quilombola Muquém, União dos Palmares — Foto: Felipe Brasil / Divulgação

Essa percepção, no entanto, exclui os afetos, a criatividade e a potência da arte popular, que carrega consigo identidades e culturas diversas, de herança indígena, quilombola e europeia. Em suma: profundamente brasileira.

Transformar o olhar em torno da questão foi um dos pilares de criação do Alagoas Feita à Mão, que nasceu para coordenar iniciativas de apoio à produção e à comercialização da arte popular alagoana, além de prover incentivos aos artesãos como forma de manutenção da identidade cultural e artística do estado.

Mestra patrimônio vivo, Dona Irineia Nunes tem nas esculturas de barro seu ofício — Foto: Felipe Brasil / Divulgação
Mestra patrimônio vivo, Dona Irineia Nunes tem nas esculturas de barro seu ofício — Foto: Felipe Brasil / Divulgação

E como vibra a arte alagoana. Em todas as regiões do estado, do litoral ao sertão, talentos expressam suas sensibilidades por meio de vários materiais como barro, madeira, ferro, couro, fibras vegetais (palha do ouricuri, da bananeira e da taboa), sementes, casca (de coco), concha (sururu), fios (os bordados e suas técnicas variadas, como rendendê, infinito, renascença e filé, este Patrimônio Cultural e Imaterial do estado), entre outros. Cada um expressando a história e a cultura de um local, mas, na totalidade, refletindo a alma de Alagoas.

André da Marinheira: “Antes do Programa Alagoas Feita à Mão, eu sofria para levar minhas obras para outros lugares porque são pesadas. Hoje, minhas peças e de outros artistas estão aí por esse mundão” — Foto: Felipe Brasil / Divulgação
André da Marinheira: “Antes do Programa Alagoas Feita à Mão, eu sofria para levar minhas obras para outros lugares porque são pesadas. Hoje, minhas peças e de outros artistas estão aí por esse mundão” — Foto: Felipe Brasil / Divulgação
Esculturas talhadas em madeira por André da Marinheira representam diversos animais da fauna brasileira — Foto: Felipe Brasil / Divulgação
Esculturas talhadas em madeira por André da Marinheira representam diversos animais da fauna brasileira — Foto: Felipe Brasil / Divulgação

Desde seu lançamento, quando foi idealizado pela então primeira-dama do estado, Renata Calheiros, pelo designer e pesquisador Rodrigo Ambrosio e pela gestora Daniela Vasconcelos, o Alagoas Feita à Mão já fez o mapeamento de 40 mestres e artistas populares, dos quais nove mestres foram reconhecidos como patrimônios vivos do estado; e através de uma curadoria, instalou 115 placas de identificação em casas, ateliês e núcleos de produção coletiva.

Além disso, dezessete mil artesãos foram inseridos no Sistema de Informações Cadastrais do Artesanato Brasileiro (SICAB), garantindo o acesso deles a todas as ações desenvolvidas pela iniciativa.

Em 2022, o projeto foi institucionalizado como programa, ou seja, uma política pública, passando a integrar a Secretaria do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços de Alagoas. Atualmente, a presidência da comissão do Alagoas Feita à Mão está a cargo de Paula Cintra Dantas.

Cestaria de fibra de ouricuri da Associação das Artesãs do Pontal de Coruripe — Foto: Felipe Brasil / Divulgação
Cestaria de fibra de ouricuri da Associação das Artesãs do Pontal de Coruripe — Foto: Felipe Brasil / Divulgação

“Com a institucionalização do programa e da comissão, a perspectiva é ampliar as ações e realizar, por exemplo, ainda este ano, o mapeamento da produção artesanal indígena e quilombola no estado. Isso fortalece o segmento e proporciona, de maneira mais ampla, a promoção e a comercialização nacional e internacionalmente, sempre respeitando a vocação local e preservando a identidade cultural da atividade em Alagoas”, reforça Daniela Vasconcelos, coordenadora do programa.

Mestre Valmir Lessa, com trabalho em escultura de madeira, do povoado de Ilha do Ferro, em Pão de Açúcar — Foto: Felipe Brasil / Divulgação
Mestre Valmir Lessa, com trabalho em escultura de madeira, do povoado de Ilha do Ferro, em Pão de Açúcar — Foto: Felipe Brasil / Divulgação

O impacto econômico da iniciativa tem sido expressivo para os participantes: com a loja física, em Maceió, uma galeria on-line, participações em feiras e eventos nacionais e internacionais em países como Estados Unidos e Portugal (em parceria com o curador e galerista Marco Aurélio Pulchério), foi possível gerar, até o momento, mais de R$ 4,7 milhões em produtos comercializados.

Mais que números, o impacto da iniciativa se reflete nas vidas dos artistas populares, como enfatiza a artesã Ana Cristina, da Fulô.A, que há 28 anos trabalha na produção de peças bordadas, como vestuário, objetos de decoração e acessórios.

“Todas as ações do programa são de grande importância para o artesão alagoano, principalmente para aquele que está iniciando suas atividades”, enfatiza Ana Cristina. “Com orientações e participações em feiras e eventos, o artesão consegue adquirir mais experiência. Dessa forma, expande seu campo de divulgação. Atualmente, o maior desafio é estar sempre me reinventando, buscando novas tendências para atender às expectativas do mercado”, reforça.

Cadeira de madeira do mestre Jasson, de Belo Monte — Foto: Felipe Brasil / Divulgação
Cadeira de madeira do mestre Jasson, de Belo Monte — Foto: Felipe Brasil / Divulgação

A preocupação com a geração de renda e a valorização do ofício dos mestres e artesãos se expressa não só na divulgação das obras, mas na constante orientação e capacitação dos artesãos. Durante a pandemia, por exemplo, foi oferecido um curso para ampliar a presença dos artistas populares nas redes sociais, propagando seus trabalhos para possibilitar novos negócios, garantindo também autonomia para esses criadores.

“Sinto que o Alagoas Feita à Mão é algo maior, um movimento que vai além do tempo. Tenho como missão elevar a autoestima das pessoas e seus ofícios, além de mirar novos ares. Como consequência, amplificar a identidade alagoana de passado e presente e imaginar o futuro”, atesta Rodrigo Ambrosio, cofundador e idealizador de várias ações do programa.

Mestre Zezinho, de Campo Alegre, com sua escultura de madeira — Foto: Felipe Brasil / Divulgação
Mestre Zezinho, de Campo Alegre, com sua escultura de madeira — Foto: Felipe Brasil / Divulgação
Mestra patrimônio vivo Vânia Oliveira, com escultura feita de diversos materiais, em Maceió — Foto: Felipe Brasil / Divulgação
Mestra patrimônio vivo Vânia Oliveira, com escultura feita de diversos materiais, em Maceió — Foto: Felipe Brasil / Divulgação
Cabeça de barro da mestra Irineia Nunes, do povoado quilombola Muquém — Foto: Felipe Brasil / Divulgação
Cabeça de barro da mestra Irineia Nunes, do povoado quilombola Muquém — Foto: Felipe Brasil / Divulgação
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