Fruteira e vaso com fibra de piaçava, produzidos por artesãos do NACIB, no Amazonas, com curadoria do designer Sergio J Matos (Foto: Felipe Abreu / Divulgação)

Fruteira e vaso com fibra de piaçava, produzidos por artesãos do NACIB, no Amazonas, com curadoria do designer Sergio J Matos (Foto: Felipe Abreu / Divulgação)

"Um baré sem arte, é um baré sem sua cultura e identidade”. Assim, Joarlison Garrido, vice-cacique da aldeia Nova Esperança, no Amazonas, define a importância do artesanato para seu povo. Sem necessidade de desmatar ou degradar a natureza, o grupo de artesãos indígenas Surisawa Muraki, do qual faz parte, reaproveita sobras de madeira caídas na floresta para produzir as peças necessárias ao dia a dia da aldeia e outras comercializadas.

Ali, a arte nasce da necessidade de fortalecer a identidade, da conexão com a natureza e atender às demandas coletivas. “Acreditamos que todos os barés nascem com esta essência, e no decorrer do desenvolvimento, ela é direcionada a diferentes habilidades. Uns para trabalhar com madeira, outros com fibra, com sementes, sempre aproveitando a matéria-prima que a floresta nos fornece”, conta Joarlison.

Artesão do Núcleo de Arte e Cultura Indígena de Barcelos (NACIB), no Amazonas, trança fibra de piaçava (Foto: Felipe Abreu / Divulgação)

Artesão do Núcleo de Arte e Cultura Indígena de Barcelos (NACIB), no Amazonas, trança fibra de piaçava (Foto: Felipe Abreu / Divulgação)

Além do povo Baré, o Brasil conta com outras 304 etnias, cada uma com cultura e cosmologia únicas. “Quando falamos de arte indígena, estamos tratando de suas histórias, visões de mundo e práticas rituais. Cada objeto, por mais simples ou instrumental que seja, tem um sentido, que fortalece as relações de parentesco e a formação do indivíduo”, afirma o indigenista e antropólogo Vitor Aratanha.

A alternativa de comercializar essas peças, como complemento ou fonte principal de renda, surge a partir de um contato com a sociedade capitalista. “Tempos atrás, ninguém aqui pensava em dinheiro, não vivíamos para ganhar dinheiro. Agora, precisamos dele para viver”, reflete o artesão indígena Stive Mehinako, da aldeia Kaupüna, no Alto Xingu.

Artesanato Baré do grupo Surisawa (Foto: Nathália Segato / Divulgação)

Artesanato Baré do grupo Surisawa (Foto: Nathália Segato / Divulgação)

Aos 13 anos de idade, Stive já esculpia madeira em forma de animais e entregava aos tios para venderem em São Paulo, dividindo com eles o lucro. Mais velho, tendo concluído o Ensino Médio e um curso técnico em Agroecologia, passou a utilizar as redes sociais para contatar clientes e parceiros.

“Aperfeiçoei minhas técnicas com novas ferramentas, como furadeira e serra, e comecei a vender meu trabalho virtualmente”, conta o artesão. “Hoje, produzo tranquilamente os bancos zoomorfos, com grafias da nossa etnia Mehinako. São peças que eram feitas pelos nossos antepassados e, com a tecnologia, estamos conseguindo criar novas formas de animais da região. Tudo em conformidade com nossa história. Tudo com um significado”, complementa.

Banco Xingu, encontrado à venda na plataforma da Rede Artesol (Foto: Theo Grahl / Artesol / Divulgação)

Banco 'Xingu', encontrado à venda na plataforma da Rede Artesol (Foto: Theo Grahl / Artesol / Divulgação)

Conhecer a origem das peças é fundamental para que essas histórias não se percam. “Ao adquirir qualquer artesanato indígena, eu o aconselho a obter o máximo de informações possível, pois só assim esses povos podem resistir e existir”, afirma a ativista indígena e voluntária Lalah Amazônia, que trabalha com vendas direto das aldeias. “Além disso, tenha consciência de que não está comprando para ajudar: está comprando porque é lindo e tem uma importância na manutenção desses povos e na valorização dessa cadeia”, diz.

Cestos Urutu feitos pelo povo Baniwa, vasos e mandala colorida da comunidade Urucureá, e mandala de Coroca, todos vendidos por Lalah Amazônia (Foto: Tamara Saré / Divulgação)

Cestos 'Urutu' feitos pelo povo Baniwa, vasos e mandala colorida da comunidade Urucureá, e mandala de 'Coroca', todos vendidos por Lalah Amazônia (Foto: Tamara Saré / Divulgação)

Vaso feito na comunidade de Coroca, na região do Rio Arapiuns, vendido por Lalah Amazônia (Foto: Tamara Saré / Divulgação)

Vaso feito na comunidade de Coroca, na região do Rio Arapiuns, vendido por Lalah Amazônia (Foto: Tamara Saré / Divulgação)

Transpondo barreiras

Ritual na Aldeia Multiétnica, na Chapada dos Veadeiros, GO (Foto: Diego Baravelli / Divulgação)

Ritual na Aldeia Multiétnica, na Chapada dos Veadeiros, GO (Foto: Diego Baravelli / Divulgação)

Com o dinheiro proveniente das vendas de artesanato, a aldeia Kaupüna, por exemplo, compra material de pesca para seu próprio sustento, além de roupas, calçados, redes de dormir, cobertores e alimentos complementares à caça e à coleta. “Ser artesão é apenas um dos ofícios do indígena. Culturalmente, eles têm outros trabalhos e papéis sociais para a manutenção da aldeia. Então, a relação deles com o comércio e o dinheiro é muito diferente da nossa”, analisa Anny Darakjian, presidente da Associação Coletivo de Fato.

Com mais de 30 lojistas especializados em arte e artesanato popular brasileiro, a associação visa ampliar o mercado consumidor e conseguir absorver cada vez mais essas peças, transpondo obstáculos como o prazo de entrega. “Precisamos respeitar o tempo deles de produção, porque eles não vivem só do artesanato. Muitas vezes é mais respeitoso trabalhar com produtos a pronta-entrega do que sob encomenda”, afirma Anny.

Curumim da etnia Krahô, no Tocantins, com pulseira de sementes de tiririca (Foto: Júlio Lêdo / Divulgação)

Curumim da etnia Krahô, no Tocantins, com pulseira de sementes de tiririca (Foto: Júlio Lêdo / Divulgação)

Colar do povo Krahô, no Tocantins (Foto: Júlio Lêdo / Divulgação)

Colar do povo Krahô, no Tocantins (Foto: Júlio Lêdo / Divulgação)

Considerando as dimensões continentais do Brasil, diminuir o valor do frete é outra grande demanda dos lojistas que compram em regiões remotas, como o Xingu. Pensando nisso, com apoio do Sebrae-AM, a associação organizou uma compra coletiva em maio deste ano, que envolveu mais de 20 lojas e 50 artesãos, chegando à marca de 85 mil reais apenas com os produtos a pronta-entrega.

Reconhecimento e identidade

Artesã Yanomami trançando cesto (Foto: Amanda Latosinski / Divulgação)

Artesã Yanomami trançando cesto (Foto: Amanda Latosinski / Divulgação)

A Artiz, loja social conceito da Rede Artesol, foi uma das envolvidas na negociação. O espaço físico em São Paulo nasceu da parceria entre a ONG e o JK Iguatemi com o propósito de promover o comércio justo e ético do artesanato brasileiro. “Desse modo, o público tem a opção de comprar as peças diretamente com as associações indígenas, pela plataforma da Artesol, ou na loja física da Artiz”, afirma Josiane Masson, diretora da Artiz e coordenadora da Rede Artesol.

Além de garantir o pagamento justo aos artesãos e as parcerias com organizações que trabalham localmente, a Artesol produz, hoje, conteúdos que visam a conscientizar o mercado do valor cultural dessas peças e de todos os custos ali embutidos. “Divulgamos sempre a autoria, as matérias-primas e o processo de produção. Assim, contribuímos para um modelo de consumo mais consciente, com o fomento ao respeito e à valorização de quem produz”, conta Josiane.

Calçado da Perky com tecido pintado à mão por indígena Kayap (Foto: Instituto Kabu / Divulgação)

Calçado da Perky com tecido pintado à mão por indígena Kayap (Foto: Instituto Kabu / Divulgação)

Remo Waurá e Esteira Mehinak, à venda na Artesol (Foto: Theo Grahl / Artesol / Divulgação)

Remo 'Waurá' e esteira 'Mehinak', à venda na plataforma da Rede Artesol (Foto: Theo Grahl / Artesol / Divulgação)

Apesar de não comercializar diretamente peças indígenas, a Yankatu acabou se tornando referência no assunto com a coleção Xingu, desenvolvida em parceria com a etnia Mehinako. Para criar as peças, a designer e pesquisadora Maria Fernanda Paes de Barros, à frente da marca de móveis, inspirou-se nos objetos e elementos cotidianos da aldeia e contou com uma produção in loco, além de aulas de tecelagem para aprender a técnica.

“Somar precisa ser feito com cuidado para que as identidades não se percam, nem se fundam. A soma não deve subtrair ninguém. Sei que parece estranho falar assim, mas, se pararmos para pensar, quantas vezes, ao somarmos, enxergamos apenas o total e nos esquecemos das partes?”, questiona a designer. “Fazemos questão de contar todas as histórias por trás do processo de criação e confecção, incluindo o nome e a localização de todos os artistas envolvidos. Queremos torná-los reconhecidos por sua arte e abrir espaço para que falem de si e encontrem novos caminhos para trilharem sozinhos ou em conjunto”, conclui.

Armário Oca (Foto: Lucas Rosin / Yankatu / Divulgação)

Armário 'Oca', da Coleção Xingu, da Yankatu (Foto: Lucas Rosin / Yankatu / Divulgação)

Bufê Abrigo, da coleção Xingu, da Yankatu (Foto: Lucas Rosin / Yankatu / Divulgação)

Bufê 'Abrigo', da coleção Xingu, da Yankatu (Foto: Lucas Rosin / Yankatu / Divulgação)