Um dos tipos de alimentação natural para pets é a dieta crua, que consiste na oferta de carnes, vísceras, vegetais, carboidratos, complementos e, em alguns casos, ossos – sendo os dois primeiros e o último grupo necessariamente crus. A ideia é simular a composição e perfil de uma presa em um contexto urbano, imitando o hábito alimentar dos ancestrais de um cão doméstico.
Alguns tutores podem assumir que este tipo de alimentação está mais suscetível a contaminações por bactérias e protozoários devido à ausência de cozimento. Contudo, os especialistas neste modelo de nutrição defendem que a ideia é justamente a contrária.
De acordo com o médico-veterinário Artur Vasconcelos, que trabalha com dietas bioapropriadas para cães e gatos, alimentar o animal com aquilo que ele evoluiu consumindo é o principal pilar para desenvolver uma imunidade equilibrada e, consequentemente, lidar com desafios infecciosos.
"As pessoas se esquecem que o sistema imunológico precisa 'trabalhar' para aprender a se defender, e ele é determinado principalmente no intestino. O que sabemos é que cães que comem carne crua têm um microbioma mais diverso e assim, mais saudável, do que aqueles que comem ração", explica.
Segundo Artur, o fato de uma alimentação crua ter uma carga microbiológica maior que um alimento cozido não é um problema, mas uma vantagem.
"Cães têm trato gastrointestinal perfeitamente preparado para lidar com esta carga microbiológica. Por mais incrível que pareça, pelo menos nos Estados Unidos, a maioria dos casos de recall por contaminações em alimentos se dá em produtos ultraprocessados preservados à temperatura ambiente, e não em produtos congelados contendo carne crua", completa.
Sylvia Angélico, médica-veterinária pós-graduada em nutrição animal, compartilha da mesma opinião. Ela explica que nenhum tipo de alimentação é 100% estéril, inclusive a dieta crua, mas que, em 14 anos de trabalho com este modelo de nutrição, nunca viu um caso de adoecimento de cães devido à comida.
"A espécies canina e felina são muito bem adaptadas para lidar com bactérias presentes em carnes cruas. Os animais evoluíram para consumir esse tipo de alimento: eles têm mecanismos de defesa na saliva, uma grande produção de bile, uma passagem intestinal rápida e um pH gástrico bastante ácido – tudo isso para dificultar que a bactéria se torne um problema", explica.
Para ficar alerta e prevenir
Em contrapartida, existem limites individuais para cada pet. Alguns animais, como os imunocomprometidos, que estão passando por tratamento quimioterápico ou aqueles que ainda não tiveram contato com a alimentação natural, podem apresentar maior sensibilidade digestiva.
"Cargas elevadas de bactérias podem ser problemáticas para alguns cães, especialmente aqueles com hipocloridria, disbiose ou aumento da permeabilidade intestinal" - Artur Vasconcelos
Além da questão com as bactérias, carnes cruas são potenciais transmissores de cistos de parasitas intestinais, como a Toxoplasma gondii, a Neorickettsia helminthoeca, Echinococcus granulosus, Trichinella spiralis e Taenia spp.
Todavia, não se preocupe: há muitas estratégias que podem evitar a contaminação. Para começar, compre carnes e vísceras apenas em locais confiáveis, onde haja fiscalização e rastreabilidade dos alimentos.
Ou seja, nada de adquirir em lugares informais, sem que os animais a serem abatidos não sejam acompanhados por veterinários, vermifugados, ou não sejam alimentados de forma adequada.
"Essa carne deve ser trazida para casa rapidamente e, se possível, armazenada em uma sacola térmica ou caixa de isopor durante o trajeto. Chegando em casa, a bancada de preparo já deve estar pronta, para diminuir o tempo que essa carne fica exposta – principalmente em dias quentes", orienta Sylvia.
É possível comprar as proteínas já congeladas ou, se preferir, fazer o congelamento em casa. "Na maioria das vezes, eu recomendo já comprar a carne congelada e porcioná-la para montar as marmitas sem descongelar. Isso pode ser feito com um pouco de prática e utensílios de cozinha afiados", diz Artur.
Para dietas cruas, a indicação é que as carnes sejam congeladas antes do consumo, uma vez que o congelamento profilático atua inativando os cistos de parasitas. Ao final do texto, adicionamos uma lista com as orientações de congelamento para cada parasita de maior interesse em relação à prática de dietas com carnes cruas – não deixe de conferir.
Também é muito importante que quem for preparar os alimentos lave as mãos antes e depois do manuseio e higienize todos os utensílios, como tábuas e facas, com detergente neutro e água morna. Além disso, vale guardar na geladeira imediatamente tudo aquilo que não for usado naquele momento, diminuindo assim o tempo de exposição da carne à temperatura ambiente.
Quando for a hora de descongelar o alimento, opte pelo processo lento na geladeira mesmo, de um dia para o outro. "Em situações emergenciais, pode fazê-lo em água, por até 2 horas. Antes de servir, retire a carne da geladeira por 10 a 20 minutos, para ganhar um pouco de temperatura", sugere Artur.
"Lave as tigelas com detergente e água toda vez que o animal se alimentar e não aceite lambidas no rosto", completa a médica-veterinária.
Posso congelar novamente a carne que já foi descongelada?
Em teoria, segundo os especialistas, esta prática não é recomendada. Isso porque, a cada vez que o alimento é descongelado, a carga bacteriana aumenta e, com ela, o risco de toxinfecção alimentar. Ademais, há perdas nutricionais nesta etapa.
Mas a realidade pode ser desafiadora e alguns tutores podem se encontrar em um beco sem saída. "Se o alimento estiver bem fresco, com bom aspecto, sem ter ficado exposto fora da geladeira, é possível. O que acontece é alteração na textura dos alimentos, e isso não é um problema para os pets", diz a médica-veterinária Kathleen Schwab, que também trabalha com prescrição de dietas de alimentação natural.
Apesar de recomendar que as peças não sejam totalmente descongeladas antes de serem porcionadas nas refeições, Artur reconhece que é mais fácil falar do que fazer.
"Não considero o fim do mundo se o alimento for descongelado com rigor, manuseado com higiene e recongelado rapidamente depois. Afinal, cães evoluíram comendo carniça, restos encontrados no chão das florestas e resíduos do nosso abate. É preciso de muito para derrubá-los", diz.
Tempo de congelamento profilático indicado para cada parasita
Confira o tempo de congelamento ideal para evitar cada parasita intestinal que pode ameaçar a saúde dos pets, segundo Sylvia Angélico:
Toxoplasma gondii: os oocistos podem ser inativados com a permanência da carne crua em freezer a -18°C por 24h.
Neorickettsia helminthoeca: bactéria que pode habitar um parasito do salmão e da truta selvagem. É inativado por congelamento em freezer desses alimentos por 2 dias.
Echinococcus granulosus: presente em vísceras de ovinos de criação informal (não vacinados). Não oferecer vísceras de ovinos que não sejam de criação certificada.
Trichinella spiralis: congelar carne suína crua por 20 dias a -15°C.
Taenia spp: congelar carnes cruas suínas e bovinas a -15°C por 3 dias.
Já as bactérias não são destruídas por congelamento, mas têm a sua proliferação pausada no processo.