Legalmente Vet

Por Ana Beatriz Martins e Erika Dantas

Advogadas especialistas em direito médico veterinário. Atuam assessorando clínicas, médicos e hospitais veterinários e comandam perfil @defesaveterinaria


Quando se fala sobre regras de publicidade na medicina veterinária, um dos pontos mais polêmicos é a divulgação de imagens de pacientes em redes sociais, principalmente fotos mostrando os resultados de procedimentos.

Muitos especialistas compartilham o "antes e depois" de procedimentos veterinários realizados em pets, mas isso é proibido — Foto: Canva/ CreativeCommons
Muitos especialistas compartilham o "antes e depois" de procedimentos veterinários realizados em pets, mas isso é proibido — Foto: Canva/ CreativeCommons

Sempre que o médico-veterinário toma consciência de que há vedação ética a esse tipo de postagem, fica perplexo e várias perguntas vêm à tona, como: “onde está essa proibição?”, “e se eu colocar uma faixa preta nos olhos do animal?”, “e se eu pedir autorização específica e expressa para o tutor?” e a mais famosa: “Mas todo mundo posta! Por que eu não posso?”.

As respostas não são das mais animadoras para os profissionais que querem postar esse tipo de imagem. Mas, ao contrário do que parece em um primeiro momento, já esclarecemos: a proibição protege o médico-veterinário.

Proibição ética

É obrigação ética dos médicos-veterinários a obediência às Resoluções do Conselho Federal de Medicina Veterinária e do Conselho Regional de Medicina Veterinária da sua circunscrição.

No que diz respeito à publicidade, está vigente a Resolução n.º 780/2004 do CFMV. Apesar de antiga e fora do contexto atual que temos de marketing e propaganda — a publicação é anterior às redes sociais, por exemplo —, não há outra norma que trate especificamente sobre o tema até a data do presente artigo, que regule esse tipo de divulgação e tampouco nenhuma outra normativa que a tenha revogado.

A Resolução mencionada possui apenas 13 artigos, mas é muito relevante, principalmente hoje em dia, quando a maior parcela dos profissionais da área possui rede social para divulgação de serviços.

É no artigo 3º, d), da Resolução 780/2004 que se encontra a vedação da postagem de imagens de “antes e depois”. Ela, assim, prevê:

  • “Art. 3º - É vedado ao médico-veterinário: (…) d) expor a imagem de paciente seu como meio de difundir um procedimento médico-veterinário ou o resultado de um tratamento, excetuando os casos previstos no artigo 10 desta Resolução.”
  • O artigo 10 da Resolução, por sua vez, assim dispõe: “Art. 10. Nos trabalhos e eventos científicos onde a exposição da imagem do paciente for indispensável, o médico-veterinário deverá obter a autorização prévia do proprietário do mesmo.”

Há, portanto, proibição ética, de âmbito nacional, à exposição de imagens de pacientes como meio de difundir o resultado de um tratamento. A postagem de fotos de “antes e depois” de um procedimento é a forma mais comum desse tipo de exibição.

Mesmo que o veterinário tenha a autorização do tutor para a divulgação da imagem, a lei não permite a divulgação do "antes e depois" de procedimentos — Foto: Canva/ CreativeCommons
Mesmo que o veterinário tenha a autorização do tutor para a divulgação da imagem, a lei não permite a divulgação do "antes e depois" de procedimentos — Foto: Canva/ CreativeCommons

Afinal, há exceções?

A Resolução não apresenta exceções para a regra citada e, ao contrário do que muitos pensam, mesmo que haja autorização do tutor, a divulgação da imagem configura-se como falha ética.

Quando há possibilidade de divulgar imagens com autorização do responsável, a legislação é expressa, como elencado no Artigo 10 da Resolução n.º 780/2004. O texto deixa claro que é possível a divulgação de imagens de pacientes, tanto durante procedimentos, quanto dos resultados, em trabalhos e eventos científicos, desde que seja indispensável e haja autorização expressa do responsável.

Esse não é o caso da divulgação de imagens de resultados em redes sociais. Da mesma forma, não há exceção para procedimentos não invasivos. Já, inclusive, questionamos inúmeros Conselhos Regionais do país sobre uma eventual autorização para divulgação de imagens que envolvessem pacientes em procedimentos não invasivos, como fisioterapia e vacinação.

Todos responderam não haver exceção para a regra do Artigo 3º, nenhum procedimento na medicina veterinária pode ser divulgado, tanto durante, quanto o resultado.

Por fim, ainda que haja o corte da imagem, não mostrando os olhos do animal ou até mesmo escondendo a sua face, não é possível a divulgação da foto. Isso porque a vedação é da imagem do pet como um todo e não apenas para fotos em que o animal possa ser identificado.

Portanto, a regra é clara e não comporta interpretações extensivas ou diversas. Não é possível, ainda que com autorização, divulgar imagens de “antes e depois” de procedimentos simples ou sem a identificação do animal.

A regra é benéfica ou prejudicial para o médico-veterinário?

Quando questionados, a maioria dos médicos-veterinários, principalmente os que são ativos em redes sociais, manifesta descontentamento com a vedação de divulgação dessas imagens. Para a classe, a proibição é retrógrada e complica a propagação dos serviços dos profissionais.

Entretanto, do ponto de vista jurídico, entendemos haver embasamento legal para a vedação, a qual, inclusive, protege o profissional.

A medicina veterinária possui obrigação de meio, ou seja, o médico-veterinário deve zelar pelas melhores técnicas na execução dos serviços, não sendo possível garantir ou prever, de forma precisa, qual será o resultado de determinado procedimento.

A caracterização do serviço veterinário como obrigação de meio protege o profissional, uma vez que os clientes não podem exigir um determinado resultado, o que descaracterizaria a profissão e a tornaria uma espécie de missão impossível. Exemplo: exigir que um animal em estado grave sobreviva a uma cirurgia complexa.

Entretanto, todos serviços de saúde, inclusive os veterinários, se sujeitam ao Código de Defesa do Consumidor, ou seja, a relação entre médico-veterinário e cliente é de consumo.

Sendo assim, a partir do momento em que ocorre a divulgação do resultado de um procedimento com a postagem de uma imagem de “antes e depois”, o próprio profissional está renunciando à obrigação de meio e ofertando um serviço que garante um determinado resultado.

Assim, dispõem os artigos 20 e 30 do Código de Defesa do Consumidor:

  • Art. 20. O fornecedor de serviços responde pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ao consumo ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:
    I - a reexecução dos serviços, sem custo adicional e quando cabível;
    II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;
    III - o abatimento proporcional do preço.
    (…)
  • Art. 30. Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado.

Percebe-se, portanto, que a divulgação do resultado do procedimento pode ser uma espécie de “tiro no pé”, principalmente porque dificilmente haverá interesse no compartilhamento de resultados medianos ou sem sucesso. Apenas ótimos procedimentos são publicados, o que acaba sendo uma oferta de serviço com promessa de resultados.

Se houver esse tipo de divulgação, o consumidor, responsável pelo animal, quando se deparar com um resultado insatisfatório ou que não seja condizente com as imagens divulgadas pelo profissional, pode reclamar na Justiça, que poderá aplicar os artigos acima expostos.

Ressalta-se que, no caso de uma ação com esse embasamento jurídico, não será necessária a comprovação de uma conduta culposa do profissional — como negligência, imprudência ou imperícia — para a sua responsabilização. O que será discutido não é um erro médico, mas, sim, uma falta de cumprimento de oferta de serviços e eventual propaganda enganosa.

A melhor opção é investir em posts informativos no Instagram — Foto: Canva/ CreativeCommons
A melhor opção é investir em posts informativos no Instagram — Foto: Canva/ CreativeCommons

Valorização profissional

Tratar o seu serviço como algo simplório, em que usar a técnica “x” no problema “y” trará o resultado “z”, passará a imagem de que não há dificuldade no procedimento, causando desvalorização para toda a classe.

Afinal, se algo segue uma regra específica, parecendo se tratar de uma intervenção básica, o cliente exigirá pagar um valor também “básico”.

Como divulgar os serviços eticamente? Lembramos que uma postagem antiética resulta em processo ético e condenação quase certa, o que acaba “sujando” a ficha do profissional, que, se for reincidente, pode acabar tendo uma pena maior e pública em razão dessa conduta.

As penas de um processo ético são: advertência confidencial, censura confidencial e pública, suspensão do exercício profissional por até três meses e cassação.

Ainda, como explicado, o profissional pode acabar se comprometendo com a oferta, criando uma obrigação objetiva de resultado.

Mesmo que seja comum a postagem de imagens de “antes e depois” em redes sociais e que, muitas vezes, essas publicações atraem seguidores e engajamento, o que pode significar mais clientes, existem outras formas de atrair atenção de seguidores e informar sobre os serviços prestados eticamente.

Aconselhamos o uso de posts informativos, explicando sobre o procedimento e com o uso de imagens fofas e chamativas de banco de imagens — públicos ou pagos.

Também é possível divulgar casos clínicos, contando a história do paciente — sem sensacionalismo ou autopromoção — com autorização. Inclusive, o uso de imagens do paciente, sem que seja durante o procedimento ou para mostrar o seu resultado, pode ser feito, desde que tenha a autorização expressa do seu responsável (Artigo 11 do Código de Ética do Médico-Veterinário).

Pense fora da caixa! Muitas vezes, fazer diferente dos demais atrairá ainda mais clientes!

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