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Por — São Paulo


Roberto Chade — fundador da Dotz que no mês passado encerrou um ciclo de 24 anos como CEO da companhia, quase a metade dos seus 51 anos — queria ter deixado antes o comando do negócio.

A ideia de preparar uma sucessão brotou pela primeira vez em 2017 e ele achou que poderia realizá-la em um período de três anos, até 2020. A pandemia, contudo, causou tamanho rebuliço no mundo que ele preferiu seguir por mais um tempo. E depois veio o IPO, em 2021, que o levou a continuar para se dedicar a entregar o que foi prometido aos investidores.

Nesses três anos como CEO de uma empresa listada, enfrentou uma forte desvalorização da ação, refletindo também uma aversão do mercado às techs em um período de juros altos, e teve de buscar uma reestruturação para mostrar resultado aos acionistas.

Agora que a empresa está mais perto de um breakeven, o fundador entendeu que já havia condições para finalmente passar o bastão. "Percebemos que a Dotz chegou a um momento em que o importante agora é executar o plano, o que exige outras skills para um CEO", ele explica ao Pipeline.

"E um fundador, em geral, é aquele empreendedor que tem uma veia disruptiva, que está sempre querendo propor coisas novas, e às vezes o mais importante é executar o plano, para não perder o foco, e alguém com perfil de empreendedor pode até atrapalhar."

Mas Chade confessa que a decisão também envolveu um aspecto motivacional. "É como um jogador de futebol. Assim como ele tem que continuar tendo prazer em treinar, não só em jogar, o CEO também tem que ter prazer no operacional do dia a dia. Se está perdendo isso, é hora de pensar em sucessão", afirma o empreendedor, substituído no comando da Dotz por Otavio Araújo, que está na empresa há 13 anos e começou a ser preparado como sucessor em abril do ano passado, quando foi anunciado como presidente de operações (COO).

Roberto Chade: ele fundou a Dotz em 2000 junto com o irmão Alexandre Chade, hoje presidente do conselho — Foto: Ana Paula Paiva/Valor
Roberto Chade: ele fundou a Dotz em 2000 junto com o irmão Alexandre Chade, hoje presidente do conselho — Foto: Ana Paula Paiva/Valor

A saída de um fundador do cargo de CEO é um processo natural para empresas longevas e que chegam a determinado porte. Não só porque o fundador não vai viver para sempre, mas também porque é esperado que o momento da companhia exija uma nova gestão, como a necessidade de se adaptar a mudanças de mercado, tocar uma agenda de M&As ou preparar o negócio para um novo ciclo.

Em uma empresa listada, que acaba passando por um escrutínio maior por parte de investidores, é mais difícil que um fundador permaneça no comando por muito tempo. Em nome de uma boa governança, não é o ideal ter nomes vitalícios. Da leva que entrou no boom de IPOs de 2020/2021, algumas já passaram por esse processo, como Espaçolaser, Grupo Mateus, Infracommerce e Track&Field, além da Dotz.

Mas cada caso é um caso. Nem sempre o fundador sai por uma tomada de consciência, como ocorreu com Chade (a família ainda tem cerca de 70% da companhia), ou para se concentrar em uma nova frente da companhia, como Fred Wagner, da Track&Field, agora focado em emplacar uma nova marca, a TFSports. Por vezes a troca pode se dar no contexto da chegada de um novo investidor.

Foi o que aconteceu com a Infracommerce. Depois que o Pátria e a gestora chilena Igneous se tornaram acionistas relevantes da companhia, um movimento liderado pelos dois investidores tirou o fundador Kai Schoppen do comando do negócio, no qual ficou por 12 anos.

Schoppen — que tocou uma intensa agenda de M&As após o IPO e deixou o cargo de CEO depois de uma desvalorização de mais de 90% em bolsa, com a ação valendo menos de R$ 1 — foi substituído por um executivo contratado do mercado, Ivan Murias, que até então estava como CEO da Valid, empresa na qual executou um ciclo de turnaround. O fundador nem sequer foi mantido no conselho. Sob seu comando, a empresa chegou a anunciar esforços em 2023 para aumentar a rentabilidade, conseguindo dobrar o Ebitda, mas sem evitar o aumento do prejuízo líquido ao fim do ano.

É uma situação que retrata como é mais fácil tirar o fundador quando ele já não tem uma participação significativa. Além da Infracommerce, há ainda o caso da Getninjas, na qual Eduardo L'Hotellier saiu do comando (e depois vendeu o que ainda tinha em ações) após uma ofensiva da Reag Investimentos para tomar o controle e indicar um substituto para o posto de CEO. Na sexta-feira, a Zamp, controlada pela fundo Mubadala desde o início deste ano, anunciou que um dos sete fundadores do negócio, Ariel Grunkraut, está de saída do cargo de CEO, mas ainda sem um substituto definido.

O ideal, diz a cartilha da governança corporativa, é que uma sucessão seja preparada com antecedência, para que a empresa siga um novo rumo sem perder valores e cultura implementados por quem fundou. No entanto, quando a empresa é familiar, isso se torna mais complexo.

Kai Philipp Schoppen, fundador da Infracommerce: ele deixou o comando do negócio depois de 12 anos como CEO — Foto: Claudio Belli/Valor
Kai Philipp Schoppen, fundador da Infracommerce: ele deixou o comando do negócio depois de 12 anos como CEO — Foto: Claudio Belli/Valor

"Na Dudalina, havia uma CEO da família muito profissional, mas sem respaldo dos demais", diz uma especialista em governança que é conselheira de algumas empresas, em referência a Sônia Hess. "Não significa que seja impossível: Itaú e e Votorantim são casos de famílias fundadoras que souberam lidar com isso. Quando a sucessão é planejada, é sinal de longevidade da companhia."

O problema, ela diz, é quando o fundador acaba voltando, como ocorreu com Ambipar e Vivara, pois pode ser um sinal de que os negócios não vão bem. "Na Vivara, foi ainda mais atípico, porque a empresa estava bem, e o fundador atrapalhou. Foi um enorme retrocesso, porque agora o mercado imagina que ele continua influenciando."

A depender do nível de credibilidades dos fundadores e do estágio da companhia, é esperado que os fundadores sigam por mais tempo. No Nubank, por exemplo, David Vélez e Cristina Junqueira são nomes respeitados pelo mercado, e ainda estão consolidando a tese. Mas, de maneira geral, o mercado se preocupa quando o empreendedor não consegue largar o osso.

"Assim como na política, é bom ter uma alternância", diz um gestor de ações. "E, em muitos casos, o fundador é alguém que conhece bem a atividade, como um professor que funda uma escola, mas não entende o que é um Ebitda."

Em empresas listadas, é pior quando o IPO é conduzido sem antes um dever de casa em governança, e então o fundador passa a lidar com um investidor de bolsa que não perdoa. E, se for o caso de sair, que o faça com desapego, sem ser uma sombra para o CEO que está assumindo. A depender do tamanho da participação que o fundador ainda tem, é possível que ele queira manter sua influência em decisões operacionais do dia a dia, sem se ater apenas ao estratégico.

"Para um fundador, muitas vezes é difícil lidar com a perda de prestígio que representa sair do comando da empresa", diz Leticia Reichert, do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC). "Já para as companhias, o perigo é escolher alguém que seja muito parecido com o fundador ou alguém muito diferente."

Chade, da Dotz, saiu do posto de CEO para seguir no conselho (presidido pelo seu irmão Alexandre, que fundou a Dotz junto com ele em 2000), um caminho considerado natural pelo mercado. Nessa posição, ele acredita que poderá ver a empresa de cima, mas com a experiência de quem esteve no dia a dia. E, ao se enxergar nessa função, recorre novamente a uma analogia com o futebol. "Vou agir em poucos temas, mas em temas de altíssimo impacto. Vou ser aquele jogador de futebol mais experiente que corre menos porque corre certo e está sempre nas bolas importantes."

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