Day Off
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Por — Nova York


Tem um verso na letra da música "I’m Ready", de Rodrigo Amarante, que relaciona erro com sorte — um paradoxo poético que me toca profundamente. Para ele, “o erro é onde a sorte está”. E, de fato, já senti na pele isso que o músico cantou: muitas coisas que dão errado podem nos levar a lugares mágicos onde surpresas boas podem se desdobrar. Claramente, o conceito da relatividade do erro – ou da sorte –, é um tema universal:

Há uma fábula chinesa onde o que a princípio parece um grande azar, com o tempo se torna sorte. Como no momento em que o filho do fazendeiro quebra a perna – que azar! –, mas por isso se livra de ser convocado pelo exército – que sorte! Sempre que alguém acusava um acontecimento de ser exemplo de “azar”, o agricultor respondia: “Talvez sim, talvez não. Veremos." Às vezes é o tempo que altera nossa percepção.

Francis Bacon, irlandês que está com a exposição “Beleza da Carne” em cartaz no MASP até final de julho, falou desse tema numa entrevista a David Sylvester. Ele dizia que, em alguns momentos, seu trabalho fluia com muita facilidade, mas que isso não acontecia com frequência e nem por muito tempo. O pintor não conseguia julgar se esses momentos fluídos eram necessariamente melhores do que aqueles em que algo se dava como resultado de sua frustração e desespero.

Criatividade: o que o cérebro faz diante do inesperado? — Foto: Pixabay
Criatividade: o que o cérebro faz diante do inesperado? — Foto: Pixabay

Para Bacon, quando as coisas vão mal, ficamos mais livres e com menos medo de refazer ou mexer no trabalho – há um abandono maior do que quando tudo está funcionando super bem. Nesse sentido, o artista considera o desespero — ou o erro — mais útil, “por conta dele você pode acabar criando uma imagem mais radical, assumindo riscos maiores”. Como diz seu conterrâneo James Joyce, erros são os portais da descoberta.

Essa reflexão me lembrou o relato do pianista Herbie Hancock que um dia estava tocando "So What" com Miles Davis e, no meio de um dos solos incríveis do trompetista, tocou um acorde “completamente errado”. Miles parou por um segundo e então seguiu com algumas notas que corrigiram o acorde errado de seu parceiro de palco. Na verdade, ele não considerou o acorde de Hancock um erro — tratou como algo a ser incorporado, parte da equação. “Isso me ensinou uma grande lição não apenas sobre música, mas sobre a vida”, disse o pianista, e relembrou a frase de seu colega: “Se você tocar uma nota errada, é a próxima nota que vai determinar se a anterior foi boa ou ruim, não tenha medo de erros – eles não existem”.

Já no mundo dos livros, a autora e tradutora canadense Anne Carson acaba de lançar Wrong Norma. Ela explica que o "Errado" [Wrong] do título faz referência à vida acadêmica “onde você está sempre errado ou prestes a errar — tudo é muito crítico e hierárquico. É uma espécie de mentalidade que eu estava interessada em desativar.” Para ela, o erro e a contradição ajudam a relaxar a mente.

Miles Davis, Herbie Hancock e Wayne Shorter: um erro, so what? — Foto: Cortez McCoy
Miles Davis, Herbie Hancock e Wayne Shorter: um erro, so what? — Foto: Cortez McCoy

Se você se soltar, poderá pensar em outras coisas ou em ideias mais amplas, diferentes das que você tinha antes. De repente, cria-se uma nova paisagem, um afrouxamento que o erro permite. “Eu poderia falar sobre o que está errado amanhã e iria dizer uma coisa totalmente diferente do que o que estou dizendo hoje. Cada pessoa é um prisma, e os conceitos simplesmente passam disso para aquilo, dia após dia”, conclui a autora. Mais uma vez, parece que o conceito de erro é relativo.

Como curiosidade: essa coluna nasceu de um “erro”! Postei um dia uma foto de um livro de arte sem me atentar para o fato de que havia na página ao lado, que aparecia de relance, a imagem de um mamilo numa fotografia artística. Fui ejetada da minha conta no Instagram por tempo indeterminado. Por saudade do contato com meu público, resolvi criar uma newsletter semanal, hoje com mais de 3 mil assinantes. Um dos meus textos foi lido pela editora do Pipeline e cá estamos.

Por último, para saber se alguém tem sorte ou não, basta perguntar para a pessoa. A resposta dirá muito sobre a maneira como cada um encara sua própria vida — e, por que não, seus erros. E aí, você tem sorte?

*Gisela Gueiros é historiadora de arte e consultora; mestre em História da Arte Contemporânea pelo Sotheby’s Institute of Art, foi responsável por Projetos Internacionais na Galeria Millan e curadora de mais de 20 exposições em Nova York

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