Malu Gaspar
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As investigações da Polícia Federal e do Ministério Público Federal (MPF) no caso Americanas revelaram que os executivos da empresa se reuniam em uma “sala blindada” dentro da sede do grupo para discutir temas sensíveis, como o esquema criminoso relacionado às fraudes contábeis.

A tal sala ficava no segundo andar da sede da empresa, no centro do Rio, e nada mais era do que uma sala comum.

As irregularidades na Americanas foram reveladas em janeiro de 2023, pouco depois de a companhia passar por uma troca de comando com a saída do ex-CEO Miguel Gutierrez, preso na última sexta-feira em Madri.

O esquema era baseado na falsificação de dados sobre dois tipos de operação. A mais importante era a do risco sacado, mecanismo pelo qual os bancos abrem linhas de crédito para que os fornecedores abatam faturas com desconto e depois cobrem o valor da Americanas.

Outra modalidade de maquiagem era a falsificação de cartas de venda de propaganda nas lojas, conhecida como VPC, transação pela qual os fornecedores pagam pela exibição de seus produtos nas lojas da rede de varejo.

A investigação mostrou que o esquema falsificava essas cartas para que ficasse parecendo que a Americanas tinha mais a receber dos fornecedores do que o de fato estava combinado.

Nas mensagens de WhatsApp obtidas pelos investigadores, uma das preocupações dos executivos da Americanas tratadas na tal “sala blindada” era com a possibilidade de a auditoria independente e externa descobrir as operações de risco sacado, já que elas não constavam oficialmente nos balanços – que eram fraudados.

Havia um temor em particular com as “cartas de circularização”, nas quais os bancos prestam informações às equipe de auditoria sobre operações realizadas com a empresa que está sendo fiscalizada, para que confirmem informações sobre fatos contábeis e saldos registrados, por exemplo.

“A audácia do grupo criminoso era tão grande que eles chegavam a cooptar funcionários dos bancos para que alterassem as cartas de circularização, de modo a encobrir as operações de risco sacado, garantindo assim a continuidade das fraudes contábeis e a não identificação pelas auditorias”, aponta o Ministério Público Federal.

Em mensagens trocadas em fevereiro de 2017, no grupo “Auditoria 2016”, os executivos discutem a preocupação com as cartas que seriam enviadas pelos bancos aos auditores.

Em uma das mensagens obtidas pelos investigadores, de 2 de fevereiro de 2017, Fábio Abrate – então diretor financeiro e de relações com investidores da B2W, braço digital do grupo – diz que um dos bancos “errou a carta duas vezes”. “Estão confeccionando a terceira versão para mandar”.

“Vamos falar na blindada”, responde Luiz Augusto Saraiva Henriques, que atuava como diretor executivo de tesouraria das Americanas.

Quatro dias depois, Abrate relata no grupo que o banco “está com uma postura péssima”. “Sugiro nos reunirmos 8:30 na sala blindada”, escreve.

Os investigadores também obtiveram e-mails em que constataram que funcionários desse banco teriam solicitado sugestões de texto para as cartas que seriam enviadas às auditorias.

De acordo com o MPF, Abrate participava de um outro grupo no WhatsApp com executivos da Americanas, chamado “planejamento financeiro”, em que também tratou dos riscos de que a auditoria descobrisse a operação de risco sacado.

Para os investigadores, Abrate interferiu junto a um outro banco para que omitisse da auditoria externa as operações de risco sacado.

“Boa tarde! Fabio como estamos com os bancos para retirar das cartas a info das operações com fornecedores. Vida/Morte para nós”, escreveu o então diretor operacional da B2W Timótheo Barros em 10 de julho de 2017, dando o tom da importância da questão para o esquema de fraude contábil.

No dia seguinte, Barros insiste no assunto, em referência aos dados da operação risco sacado: “Fabio como está o assunto das cartas de circularização com os bancos. Precisamos retirar isso das cartas.”

Vinte dias depois, em 1º de setembro, Abrate confirma que esse segundo banco vai fazer a carta no modelo desejado, ou seja, sem o valor das operações.

“Vc é o cara!!”, comemora Marcio Cruz, então diretor comercial da B2W. “Muitooooo bom!!!”, escreve Barros.

Segundo a colaboração premiada do ex-diretor executivo financeiro Marcelo Nunes, a operação de risco sacado atingiu a cifra de R$ 14,1 bilhões em 2021.

Capa do audio - Malu Gaspar - Conversa de Bastidor
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