A fraude nos balanços da Americanas orquestrada pela alta cúpula da empresa acontecia a partir de um mecanismo que se retroalimentavam: primeiro os executivos passavam a seus contatos no mercado financeiro estimativas de ganhos falsas e superestimadas, e depois, quando os analistas divulgavam suas expectativas sobre os resultados da companhia, os mesmos executivos alteravam os dados do balanço para que ele atendesse ao que o mercado esperava.
É o que aponta o parecer do Ministério Público Federal (MPF) que embasou a operação Disclosure da Polícia Federal na última quinta-feira (27).
A delação da ex-superintendente da Controladoria da Americanas, Flávia Carneiro, revelou aos investigadores a existência de um arquivo chamado de “verdes e vermelhos” nas instâncias internas da empresa, que comparava os números do balanço com a expectativa de crescimento por parte do mercado.
Segundo a delatora, os dados eram usados para que a diretoria soubesse o quão distante a companhia estava das projeções dos analistas e maquiasse o balanço para chegar aos números esperados.
Veja fotos das Lojas Americanas ao longo dos anos
![Lojas Americanas: empresa foi fundada em 1929, na cidade de Niterói, no então estado da Guanabara, pelos empresários Max Landesmann (da Áustria), John Lee, Glen Matson, James Marshall e Batson Borger (dos Estados Unidos). — Foto: Reprodução](https://cdn.statically.io/img/s2-oglobo.glbimg.com/gpy0gqxa4qPj-DJs78pIYvdrzPY=/0x0:768x432/648x248/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2023/N/i/bJyc6kTFaq6H6sjvKRsA/85-768x432.jpg)
![Lojas Americanas: empresa foi fundada em 1929, na cidade de Niterói, no então estado da Guanabara, pelos empresários Max Landesmann (da Áustria), John Lee, Glen Matson, James Marshall e Batson Borger (dos Estados Unidos). — Foto: Reprodução](https://cdn.statically.io/img/s2-oglobo.glbimg.com/RWoO25IED8gzUqQLPCfumgxtA6U=/768x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2023/N/i/bJyc6kTFaq6H6sjvKRsA/85-768x432.jpg)
Lojas Americanas: empresa foi fundada em 1929, na cidade de Niterói, no então estado da Guanabara, pelos empresários Max Landesmann (da Áustria), John Lee, Glen Matson, James Marshall e Batson Borger (dos Estados Unidos). — Foto: Reprodução
![Em 1982, os principais acionistas do Banco Garantia, Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira, entraram na composição acionária de Lojas Americanas como controladores. — Foto: Reprodução](https://cdn.statically.io/img/s2-oglobo.glbimg.com/v6wCc74_LBaG8sdceNPfbdJKZt4=/0x0:535x315/323x182/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2023/M/z/gV5pVPSbGRZjhpadafcg/amerianas-1.jpg)
![Em 1982, os principais acionistas do Banco Garantia, Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira, entraram na composição acionária de Lojas Americanas como controladores. — Foto: Reprodução](https://cdn.statically.io/img/s2-oglobo.glbimg.com/fEp8F5bYm6E0l0gnmone_VT1kvE=/535x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2023/M/z/gV5pVPSbGRZjhpadafcg/amerianas-1.jpg)
Em 1982, os principais acionistas do Banco Garantia, Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira, entraram na composição acionária de Lojas Americanas como controladores. — Foto: Reprodução
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![Lojas Americanas na Rua Marechal Deodoro, em Juiz de Fora, em outubro de 1969. — Foto: Reprodução](https://cdn.statically.io/img/s2-oglobo.glbimg.com/3D9FMWaD0NJod5hbAmZz6wOro2U=/0x0:564x916/323x182/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2023/x/M/sE8IADSVWAb1dEMFsMKw/4a99133194872335200d974a67492684.jpg)
![Lojas Americanas na Rua Marechal Deodoro, em Juiz de Fora, em outubro de 1969. — Foto: Reprodução](https://cdn.statically.io/img/s2-oglobo.glbimg.com/CtRb4kocAqxpw94lyJEUVDO06B4=/564x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2023/x/M/sE8IADSVWAb1dEMFsMKw/4a99133194872335200d974a67492684.jpg)
Lojas Americanas na Rua Marechal Deodoro, em Juiz de Fora, em outubro de 1969. — Foto: Reprodução
![Lojas Americanas na Rua Halfeld, em Juiz de Fora, julho de 1973. — Foto: Reprodução](https://cdn.statically.io/img/s2-oglobo.glbimg.com/goDq1pjfBT6UtxVpO4kzG7baRsA=/1600x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2023/M/6/12UBiFQy69onfLnFR7Iw/halfeld-americanas-julho-1973-res.jpg)
Lojas Americanas na Rua Halfeld, em Juiz de Fora, julho de 1973. — Foto: Reprodução
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![Clientes em uma das lojas no Rio, em 1979. — Foto: Anibal Philot / Agência O Globo](https://cdn.statically.io/img/s2-oglobo.glbimg.com/RzeFpxwc8ajUo4gsp1BBI0rrqeg=/1600x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2023/P/A/6eOsFXT9iQwuj9HHk3MQ/20371856-rj-06-04-1979-comercio-rj-lojas-americanas.-foto-anibal-philot-agencia-o-globo-negati.jpg)
Clientes em uma das lojas no Rio, em 1979. — Foto: Anibal Philot / Agência O Globo
![Clientes em uma das Lojas Americanas no Rio, em 1979 — Foto: Anibal Philot / Agência O Globo](https://cdn.statically.io/img/s2-oglobo.glbimg.com/4gOnXU0SSD3yII_RRa_MdVwL0aQ=/1600x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2023/o/K/By5mLiQCGhBG9Mm1tLRA/20443168-rj-06-04-1979-comercio-rj-lojas-americanas-anibal-philot-agencia-o-globo-negativo-79-1-.jpg)
Clientes em uma das Lojas Americanas no Rio, em 1979 — Foto: Anibal Philot / Agência O Globo
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![Fachada de uma loja em 1987 — Foto: Alexandre França / Agência](https://cdn.statically.io/img/s2-oglobo.glbimg.com/1v_pw5iZ70sRUek1be0o4dULenA=/1600x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2023/I/2/BBsfgETV2dQKf2b48fxQ/20325391-rj-23-09-1987-comercio-rj-lojas-americanas-alexandre-franca-agencia-o-globo-negativo-1-.jpg)
Fachada de uma loja em 1987 — Foto: Alexandre França / Agência
![Evolução da identidade visual da marca — Foto: Reprodução](https://cdn.statically.io/img/s2-oglobo.glbimg.com/bEjkJhBx8Gv0OAUUn8EFB-sUEgo=/500x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2023/x/Z/5VtFuQT3GxnTfh7Rxsjg/americanas-logos.jpg)
Evolução da identidade visual da marca — Foto: Reprodução
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![Frente de uma loja em 1991. — Foto: Ricardo Mello](https://cdn.statically.io/img/s2-oglobo.glbimg.com/nrqJGjnXN92qs-gSZ46yq6dMIkQ=/1070x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2023/O/C/2NEBf7QhGxlJ8YHkJupA/20318214-rj-12-12-1991-comercio-rj-lojas-americanas.-foto-ricardo-mello-agencia-o-globo-negati-1-.jpg)
Frente de uma loja em 1991. — Foto: Ricardo Mello
![Loja Americanas no Plaza Shopping, em Niterói, em 2006. — Foto: Letícia Pontual](https://cdn.statically.io/img/s2-oglobo.glbimg.com/t3FmKdGu2cPys6jIay_l_cwbvZU=/1600x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2023/x/c/JfU2DlRUeDEbZCJI4MPA/38258307-01112006-leticia-pontual-jb-ni-preparacao-financeira-para-o-natal-abertura-de-credi.jpg)
Loja Americanas no Plaza Shopping, em Niterói, em 2006. — Foto: Letícia Pontual
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![Lojas Americanas se encontra em meio a uma crise com rombo de 20 bilhões de reais — Foto: Hermes de Paula](https://cdn.statically.io/img/s2-oglobo.glbimg.com/B6248Xi0TdRqSSuGT5HOgFrJSVA=/1358x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2023/e/C/FPzRkORVyebFWA7RIBjg/101771257-ec-rio-de-janeiro-rj-16-01-2023-crise-lojas-americanas.-foto-hermes-de-paula-agencia-1-.jpg)
Lojas Americanas se encontra em meio a uma crise com rombo de 20 bilhões de reais — Foto: Hermes de Paula
O responsável pela interlocução com os analistas das casas de investimento, encarregado de sondar o humor do mercado em relação às Americanas, era o diretor de Relações com Investidores, Fabien Picavet.
O MPF e a PF recolheram várias conversas entre Carneiro e Picavet que demonstram preocupação em construir a melhor "narrativa" para o mercado, o que por vezes exigia, nas palavras do diretor executivo, “refazer a análise [dos números] e montar o discurso”, em um diálogo de julho de 2020.
Outro objetivo, demonstrado para o MPF com “clareza solar” através dos diálogos interceptados, era inflar de maneira artificial o preço das ações da Americanas a partir da operação, em uma espécie de círculo vicioso.
E para isso não bastava inflar os lucros. Era preciso atender a todas as expectativas, inclusive em relação às despesas da empresa, como no caso de alugueis. Num dos diálogos captados pelo MPF e pela PF, em, agosto de 2020, Flávia Carneiro conversa com Picavet sobre esse assunto.
O diretor se diz "preocupado" com os valores que serão declarados ao mercado, sabendo que se fossem muito altos poderiam afetar a percepção dos investidores a respeito da companhia.
Flávia então explica que a equipe de auditoria está "pedindo o racional e criticando a linha [os valores] de aluguel principalmente”, mas afirma que vai "sentir com ela [a representante da auditoria] então entre os pontos críticos [sic] e se não mudarmos [pergunto] o que ela faria."
“Eu acho menos pior do que a ação cair 15%”, escreveu Picavet.
Ela completa: "Se ela não mencionar metemos a mão e pronto".
Dados arbitrários
Para os procuradores, é “evidente” que os diretores da Americanas se valiam das perspectivas do mercado para fabricar os resultados da empresa. Em alguns casos, como demonstram diálogos interceptados entre Picavet e Flávia Carneiro, que a definição das cifras era “arbitrariamente decidida por eles”, muitas vezes sem parâmetros mínimos, ao contrário de manobras como operações de risco sacado, apenas para entregar o melhor resultado possível – ainda que fictício.
“Os investigados repassavam dados falsos aos analistas, para pautarem as análises que seriam divulgadas por eles ao mercado, com a clara finalidade de ancorar em balizas sabidamente falsas as expectativas para o resultado da companhia”, observa o parecer do MPF.
Outra evidência da arbitrariedade dos números em geral apontada pelo MPF é outro diálogo de WhatsApp no qual Fabien Picavet cobra de forma incisiva de Flávia as cifras parciais do balanço adulterado diante da apreensão de investidores e o mundo financeiro em geral em relação às finanças da Americanas, provocando divergências entre as projeções para a companhia.
“Nunca estive tão desesperado e cego… Relatórios saindo com uma dispersão maluca…”, relatou Picavet.
Como também publicamos no blog, o orçamento original da empresa, sem fraudes, era chamado de “versão zero”, enquanto cada atualização com as alterações era nomeada v1, v2, v3 e assim por diante, até o formato final encaminhado ao mercado com a maquiagem concluída.
“Esquece de mim não. Preciso de algo para alinhar [com o] mercado”, escreveu Picavet. “Pode ser prévia! V1 serve…”, completou.
No mesmo diálogo, ele sugere que a diretoria elaborasse uma simulação de resultados antes que as cifras fossem revisadas pelo setor de contabilidade. Carneiro manifesta preocupação com os riscos, mas o colega alerta que a divergência no mercado pode prejudicar a companhia, em uma referência indireta ao preço das ações.
Picavet retorna, então, com cenários de analistas para que escolhessem o mais verossímil para amparar o balanço fraudado. Segundo o parecer do MPF, os dois compararam cada análise aos dados da empresa, incluindo anos anteriores. Carneiro chega a defender, na conversa, que a diretoria simplesmente usasse a pandemia de Covid-19 como desculpa para alguns indicadores em queda.
O ex-diretor de Relações com Investidores foi um dos alvos de busca e apreensão da PF nesta quinta-feira, bem como outros 14 alvos. A operação também tentou cumprir mandados de prisão contra o ex-CEO da Americanas Miguel Gutierrez e a ex-diretora Anna Ramos Secali, que estão foragidos.
A operação é baseada nas delações premiadas de Flávia Carneiro, que protagoniza os diálogos com Fabien Picavet, e Marcelo Nunes, que foi diretor executivo financeiro e revelou o esquema para o CEO indicado para substituir Gutierrez, Sergio Rial, e seu futuro CFO, André Covre.
Por meio de nota, os advogados do ex-CEO disseram não ter tido acesso aos autos e, por isso, "não têm o que comentar". Ainda segundo o comunicado, Gutierrez "reitera que jamais participou ou teve conhecimento de qualquer fraude e que vem colaborando com as autoridades, prestando os esclarecimentos devidos nos foros próprios".
![Capa do audio - Malu Gaspar - Conversa de Bastidor](https://cdn.statically.io/img/s2-oglobo.glbimg.com/QoWjXrQrX9LHaQmzpuB-P-p1gEo=/108x108/https://estaticos.globoradio.globo.com/fotos/2024/01/72c71d5d-7452-4236-bc90-827c61efe5db.jpeg.300x300_q90_box-0%2C0%2C1080%2C1080_detail_upscale.jpg)