Saúde

Por Jay Willis


Nootrópicos: você deveria tomar? (Ilustração Marcelo Calenda) — Foto: GQ
Nootrópicos: você deveria tomar? (Ilustração Marcelo Calenda) — Foto: GQ

Engula uma pílula e turbine o seu cérebro. Sendo bastante simplista, é isso que os nootrópicos – um termo genérico para suplementos que visam estimular a criatividade, a memória e a capacidade cognitiva – prometem. Mas não parece bom demais para ser verdade? O ressurgimento da popularidade dos nootrópicos tem muito a ver com a recente obsessão induzida pelo Vale do Silício de ser disruptivo em literalmente tudo o que se faz. Já não basta fazer bem, é preciso fazer mais, melhor, de forma mais criativa e, claro, mais rápida. Mas aumentar o desempenho exponencialmente não é algo simples de se fazer. Aí está o maior apelo das smart drugs, como são chamadas, e a simplicidade é sua premissa: tome a pílula certa e você pode se tornar uma versão melhor, mais inteligente e ainda não revelada de si mesmo.

Mas funciona mesmo?

A lei federal norte-americana classifica a maioria dos nootrópicos como suplementos alimentares (da mesma classe do Whey Protein, por exemplo), o que significa que a FDA (Food and Drug Administration) não regula as declarações dos fabricantes sobre seus benefícios. Como os suplementos alimentares também não precisam passar por estudos farmacológicos controlados, eles podem não cumprir as promessas grandiosas anunciadas na embalagem. No Brasil, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) proibiu em 2011 a venda de boa parte das metanfetaminas (substância presente na maioria dos nootrópicos), mas outras substâncias que também estão no guarda-chuva dos nootrópicos, como anfetamínicos emagrecedores, anfepramona, femproporex e mazindol, foram liberadas em 2017 para venda sob prescrição médica.

Ficou confuso? Nós explicamos: alguns nootrópicos são usados para tratar doenças como Parkinson, Alzheimer e transtornos, como TDAH (transtorno do déficit de atenção e hiperatividade). Cada país legisla de forma independente sobre a venda e o uso desse tipo de substância. O que não muda é o crescimento no número de pessoas saudáveis que utilizam os nootrópicos apenas para “turbinar o cérebro”. Um estudo realizado em 15 países e publicado no The International Journal of Drug Policy em 2018 apontou que os Estados Unidos são os que mais concentram indivíduos saudáveis consumidores de nootrópicos (21,6% deles). As maiores altas aconteceram na Europa. Na França, por exemplo, o uso foi de 3% em 2015 para 16% em 2017. No Reino Unido, o número subiu de 5% para 23%. Especialistas ainda dão o alerta sobre as smart drugs vendidas no mercado ilegal. A Organização Mundial da Saúde (OMS) alerta que cerca de 15% dos remédios vendidos no mundo são falsificados.

Teste de fogo

Depois de consultar um guia de nootrópicos para iniciantes, comecei a programar o “empilhamento”: forma como os usuários chamam a prática de tomar diferentes quantidades de substâncias nootrópicas variáveis com a finalidade de encontrar a combinação ideal para a tal “melhor versão de si mesmo”. Primeiro foi uma combinação de L-teanina e aniracetam, um composto sintético prescrito na Europa para tratar doenças neurológicas degenerativas. Testei-o diminuindo as doses recomendadas e, em seguida, trabalhando em uma matéria que eu havia terminado há alguns dias, quando o café era minha única droga para “turbinar”. Eu editei o documento com vigor renovado. Foi uma hora produtiva, claro. Mas também senti uma notável semelhança com o processo normal de edição. Imaginava que o elixir mágico criaria imensas nuvens de tempestade no meu cérebro que, ao serem rebentadas, lançariam adjetivos cinematográficos na página com a rapidez que meus dedos poderiam digitá-los. Infelizmente, a única coisa que choveu foram as pesquisas no Google que começaram com as palavras “sinônimo de” – meu processo criativo usual. Na manhã seguinte, quatro pílulas gigantes da popular combinação de piracetam e colina me deixaram... um pouquinho mais alerta, talvez? (Ou talvez tenha sido apenas o fato de eu ter dormido muito bem na noite anterior. Foi difícil dizer.) Modafinil, que muitos militares usam como sua pílula de “controle de fadiga”, ostenta na internet avaliações brilhantes de usuários satisfeitos. Tomar adrafinil (substância semelhante, mas que pode ser comprada sem receita) em vez de café só me fez lembrar que eu não tinha tomado café.

Nootrópicos: você deveria tomar? (Ilustração Marcelo Calenda) — Foto: GQ
Nootrópicos: você deveria tomar? (Ilustração Marcelo Calenda) — Foto: GQ

Efeito placebo

Depois que minha combinação autoral pareceu não funcionar, experimentei algumas prontas – coquetéis nootrópicos de marcas que se oferecem para ajudar os novatos. Eles eram tão úteis. E muito mais caros. O Braindust, da Goop, deixou meu rosto quente por 45 minutos; as pílulas da Brain Force Plus só me fizeram sentir culpa por ter colocado cerca de R$ 80 no bolso de um idiota. Quando falei com Jesse Lawler, que hospeda o podcast Smart Drugs Smarts, sobre avanços na saúde do cérebro e na neurociência, ele não se surpreendeu ao saber da minha decepcionante experiência. Muitos nootrópicos devem levar tempo para se acumular no corpo antes que os usuários comecem a sentir seu impacto. Mas, mesmo assim, diz Barry Gordon, professor de neurologia do Johns Hopkins Medical Center, os resultados positivos não necessariamente constituem evidência de um benefício farmacológico. Simplificando: “Certas pessoas podem se beneficiar de algumas combinações”, ele me disse. “Mas ainda não há provas conclusivas de que substâncias dessa classe melhorem as funções cognitivas.” E sem nenhuma maneira confiável de medir o impacto de uma determinada substância sobre a acuidade mental, as crenças sinceras sobre “o que funciona” provavelmente têm muito a ver com o quão exigente foi o seu o dia ou quão suscetível você é ao efeito placebo.

O que realmente funciona

A promessa infinita de melhorar sem esforço suas capacidades cognitivas persistirá mesmo sem evidência de sua eficácia e os nootrópicos nunca irão embora por um simples motivo: com milhões de potenciais de fortalecimento do cérebro lá fora, há sempre a possibilidade tentadora – a que os buscadores se apegam – de que eles simplesmente não encontraram a combinação perfeita e elusiva de pílulas que funcionará sob medida. Felizmente, existem alguns hábitos de melhoria de desempenho que se sustentam em estudo científico rigoroso. Eles são livres e fáceis de pronunciar. Infelizmente, também são os hábitos que talvez você esperasse abandonar usando nootrópicos. “De todas as coisas que são ‘boas para o cérebro’”, diz a professora de neurologia de Stanford, Sharon Sha, “há mais evidências de exercícios físicos do que qualquer outra coisa.” Então, da próxima vez que estiver enfrentando um longo dia e precisar melhorar seu desempenho, em vez de tomar um pílula e esperar sentado para ver o que acontece, economize seu dinheiro, deixe o telefone de lado e saia para uma caminhada. Essa é a minha receita para você.

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