Estilo

Por Pedro Lobo (@teseuafricano)

Luiz Inácio Lula da Silva (PT), 77, iniciou, em 2023, seu terceiro mandato presidente do Brasil. Ao contrário de suas quatro primeiras disputas, em que foi do visual mais ligado ao movimento sindical aos ternos Ricardo Almeida sob medida quando foi eleito em 2002, o Lula de 2022 abriu mão de parte da formalidade: muitos ternos sem gravatas, mangas curtas quase nunca e muito jeans, material presente especialmente na camisa icônica da corrida eleitoral.

Usada já na primeira peça publicitária da campanha, a camisa jeans escuro da Reserva foi figurinha repetida desde agosto até outubro, com uma diferença. O pica-pau bordado no peito, símbolo da marca brasileira, foi desaparecendo depois de sua primeira aparição, após críticas de alguns colunistas e usuários das redes sociais, com acusações de denotar certo elitismo.

Lula usa camisa jeans da Reserva em primeiro vídeo da campanha — Foto: Reprodução
Lula usa camisa jeans da Reserva em primeiro vídeo da campanha — Foto: Reprodução

Se a ave foi descosturada ou se a campanha optou por peças parecidas, mas lisas, isso não foi divulgado. O que importa é que a peça uniu elementos: o símbolo de “mãos à obra” das mangas arregaçadas, um dos tecidos mais populares do mundo e uma peça reconhecidamente formal (a camisa social de manga longa), trazendo um candidato com um pé no popular, mas com parte do refino que marcou sua vitória em 2002.

Fotos oficiais dos candidatos à presidência em 2022 — Foto: Divulgação/TSE
Fotos oficiais dos candidatos à presidência em 2022 — Foto: Divulgação/TSE

Quando de terno, gravatas aparecem, mas com menos frequência. Na foto oficial das urnas, Lula é o único homem a usar só camisa e paletó; indo nem para Léo Péricles (UP) e Felipe D’ávila (Novo), só de camisa, nem para Ciro Gomes (PDT) e Jair Bolsonaro (PP), com traje completo. Por vezes, o ex-presidente combina paletó com camiseta básica ou polo em contextos menos formais, como virou hábito a partir de 2016.

Lula no Podpah, em dezembro de 2021 — Foto: Reprodução/Instagram
Lula no Podpah, em dezembro de 2021 — Foto: Reprodução/Instagram

Ao visitar simpatizantes, como em idas aos podcasts Podpah e Desce a Letra Show, o vestuário indica um Lula com guarda mais aberta: no primeiro, paletó com camiseta e calça jeans; no segundo, camisa e calça jeans com sapatênis e meia estampada em losangos

Lula no 'Desce a Letra Show' — Foto: Reprodução
Lula no 'Desce a Letra Show' — Foto: Reprodução

Na cadeira do Flow Podcast um Lula mais formal, de camisa social branca e paletó cinza, parecido com o que aparece na foto das urnas.

Lula no podcast Flow — Foto: Reprodução/Instagram
Lula no podcast Flow — Foto: Reprodução/Instagram

A informalidade vai até a página dois. Na campanha deste ano, Lula não economizou nos bonés, com destaque à sua visita ao Complexo do Alemão, quando usou uma bombeta preta com a sigla “CPX”. Mas, ao contrário do candidato em 89, neste ano, ele raramente foi visto de braços expostos, coisa antes muito comum.

Lula usa boné CPX, que homenageia Complexo do Alemão — Foto: Reprodução/Instagram
Lula usa boné CPX, que homenageia Complexo do Alemão — Foto: Reprodução/Instagram

Hoje, camisas sempre de manga longa e camisetas só se acompanhadas de algo que cobrisse, como o blazer. Uma das raras exceções foi um encontro com entidades indígenas, ainda em abril.

Ataques de adversários, na primeira metade do ano, tentaram ligar seu relógio suíço Piaget e blazer com chapéu em jatinho a uma distância da realidade popular. Coincidência ou não, artigos como esses foram rareando conforme as eleições se aproximaram, dando lugar a coringas como peças do Corinthians, seu time do peito, e óculos Juliet, patrimônio da periferia brasileira.

Em seu primeiro embate direto com Jair Bolsonaro, no debate da Band, Lula cortou o protocolo ditado pela etiqueta: botões abertos do paletó mesmo em pé, um contraste com o adversário. Foi sinal de um Lula muito levado pelo calor do momento, mais enérgico do que formal, marcando visualmente a diferença entre os oponentes no segundo turno.

Debate presidencial na Band entre Lula e Bolsonaro no segundo turno de 2022 — Foto: Reprodução/Band
Debate presidencial na Band entre Lula e Bolsonaro no segundo turno de 2022 — Foto: Reprodução/Band

Naquela ocasião, o petista usava na gravata as cores do Brasil. A peça foi presente destinado à cerimônia em que o COI (Comitê Olímpico Internacional) escolheu a cidade do Rio de Janeiro como sede das Olimpíadas de 2016. Desde aquele 2009, ele a usa em momentos importantes, e não deixa de ser uma sinalização de reapropriação dos símbolos nacionais, ligados ao bolsonarismo nos últimos quatro anos.

Dilma e Lula em campanha presidencial de 2010 — Foto: Divulgação/PT
Dilma e Lula em campanha presidencial de 2010 — Foto: Divulgação/PT

Na análise de estilo do presidente eleito, não podem faltar cabelo e bigode, assunto imperativo na formação do candidato Lula, que na caminhada para se tornar mais palatável ao público médio, a partir de 1994, aparou a barba e cortou o cabelo, mostrando mais do rosto que governaria o país por oito anos.

Desta vez, aparece ao eleitor um Lula de cabelo bem mais ralo, efeito da última década após tratamento contra câncer na laringe, e fios já quase todos brancos, um contraste com aquele que deixou a presidência em 2010.

A formação e deformação de Lula, do sindicalismo à presidência

Lula no movimento sindicalista, no início da década de 1980 — Foto: Divulgação/PT
Lula no movimento sindicalista, no início da década de 1980 — Foto: Divulgação/PT

Camisa desabotoada e gola bem aberta com peito e pelos à mostra sintetizam as imagens mais icônicas de Lula na década de 1980, quando primeiro ganhou notoriedade. Na foto que documentou sua prisão no DOPS, autoridade de repressão do período ditatorial, em 80, e na imagem da soltura, em meio aos aliados sindicalistas, camisas claras com bolsos no peito e a barba bem grande são elementos em comum.

Lula e a esposa Marisa na década de 1980 — Foto: Divulgação/Metalúrgicos de Cajamar
Lula e a esposa Marisa na década de 1980 — Foto: Divulgação/Metalúrgicos de Cajamar

Mangas curtas, fiel relógio na mão esquerda, cinto preto e calça social são o perfil, nada alinhado demais, marca de alguém que estava sob o calor (do sol e humano) com frequência durante o período de mobilização dos metalúrgicos. Camisetas do dia a dia com estampa na barriga, esportivas ou básicas, não fugiam muito do que era a do PT na época, folgada, bolso no peito com caneta esferográfica e gola V bem cavada. Todas bem batidas, repletas das marcas de uso.

Em 1986, quando eleito deputado federal por São Paulo, a maior mudança no guarda-roupas é a inclusão dos ternos que a posição exigia. Acompanhando, a barba também é aparada, traço que vai avançando com o passar do tempo e dos degraus na vida política.

Cartaz de Lula na eleição de 1989 — Foto: Reprodução
Cartaz de Lula na eleição de 1989 — Foto: Reprodução

Quando se candidata pela primeira vez à presidência, em 1989, o Lula dos cartazes publicitários é o da camiseta e camisa desabotoada. Um ar feroz no jeito de falar, sisudo, apostando na autenticidade e conexão com o brasileiro mais comum, mas que não colou para a maior parte do eleitorado. As mangas curtas de um candidato que transpirava e falava do jeito mais coloquial possível tiveram de sair de cena para que ele saísse da segunda colocação.

Para 1994, o primeiro embate com Fernando Henrique Cardoso (PSDB), a mudança é sutil, mas acontece: cabelo e barba mais curtos e arrumados. No armário, roupas mais lisas e visivelmente novas, ternos mais acentuados. O quadro, no entanto, parecia conflitante para parte da sociedade à época, como reportado em setembro daquele ano pelo jornal Zero Hora: “No horário gratuito da TV, desfilou ternos bem cortados e outros nem tanto, camisas com grife e blusas impublicáveis. O eleitorado não soube identificar claramente as preferências estéticas do candidato”.

Os esforços não foram suficientes para sair do vice, mas o movimento seguiu na mesma toada. Em 1998, ternos ainda mais alinhados, roupas mais formais, e barba melhor aparada acompanharam o retrato de um Lula mais sorridente, como era no convívio pessoal, algo aparente com o rosto mais “limpo”.

Lula no debate presidencial de 1994 — Foto: Reprodução/Band
Lula no debate presidencial de 1994 — Foto: Reprodução/Band

Ainda assim, alguns detalhes o colocavam atrás de FHC na percepção popular. Aos olhos dos especialistas, a bainha da calça parecia amassada, gola do paletó desajustada ao pescoço, punhos da camisa encobertos e óculos caídos na ponta do nariz perdiam para o visual academicista e intelectual do tucano.

Derrotado novamente em 1998, Lula impôs ao PT que só disputaria uma quarta vez caso fosse acompanhado de um aparato publicitário mais sólido, como relatado no livro Lula presidente: televisão e política na campanha eleitoral, de Antônio Fausto Neto, Antonio Rubim e Eliseo Verón. Foi essa exigência que levou o marqueteiro Duda Mendonça a integrar a campanha vencedora do candidato, ainda em 2001.

Mendonça também via na aparência uma das principais chaves para que Lula fosse eleito, convocando o estilista de luxo Ricardo Almeida para costurar os ternos sob medida do futuro presidente. “As mulheres não votavam nele por causa da aparência. Tanto que ele cuidou um pouco mais do visual para parecer mais bonito”, afirmou Almeida em 2016 à Jovem Pan.

Lula do debate presidencial de 2002 — Foto: Reprodução/Band
Lula do debate presidencial de 2002 — Foto: Reprodução/Band

A ideia do “Lulinha paz e amor”, que deixara de lado o radicalismo de outros tempos, era acompanhada de um candidato mais magro e com ternos que, à época, custavam cerca de R$ 3 mil. Relatos da Veja, desmentidos pela campanha, falavam até em trajes importados da Giorgio Armani. Mesmo com o conflito de versões, o texto de revista descrevia essa nova imagem visada pela equipe petista, um Lula que “mais parecia o primo rico do ex-metalúrgico”.

Camisas apertadas dando lugar a “paletó de grife, gravata italiana e camisas feitas sob encomenda”, abandonando os antigos ternos de R$250 por “finíssimos Giorgio Armani de até R$4 mil”. Alçando a figura confiável, calma e carismática que a campanha buscou desenhar, o sindicalista virou presidente em 2002, fazendo questão de tomar posse com figurino inteiramente brasileiro, camisa do baiano Ernesto Di Tomaso, gravata da fábrica paulista Spring e sapatos vindos de Franca (SP), como reportado à Folha de São Paulo dias antes.

Lula em 2018 fala sobre sua prisão — Foto: Dario Oliveira/Anadolu Agency/Getty Images
Lula em 2018 fala sobre sua prisão — Foto: Dario Oliveira/Anadolu Agency/Getty Images

Saltando temporalmente do auge à época mais crítica, em 2018, período de sua prisão em Curitiba, Lula tornou a ser visto com roupas bem simples, quase remetendo a seus primeiros anos de trajetória política. Cabelos bagunçados e camisetas básicas de tecido esportivo eram comuns, casadas com paletó em momentos mais formais, mas sem o traje completo dos anos de presidência.

Lula usa casaco boliviano ao lado de Caetano Veloso — Foto: Reprodução/Instagram
Lula usa casaco boliviano ao lado de Caetano Veloso — Foto: Reprodução/Instagram

Foi mais ou menos a partir dessa época que uma das peças mais icônicas do petista veio a público: o elegante casaco boliviano presenteado por Evo Morales, presidente da Bolívia. O artigo, usado até hoje, foi desenhado pela estilista Beatriz Canedo Patiño.

Passada a prisão, o semblante torna-se outro, assumindo o posto de principal aposta da oposição para derrotar Bolsonaro em 2022. Nesse momento, suas coxas torneadas viram meme, fruto dos exercícios matinais diários que passou a realizar após quimio e radioterapia no início da década de 2010.

Hoje, aos 77 anos, Lula passeia pelas grifes com mais naturalidade, ao mesmo tempo que mescla camisa polo e camiseta com roupa social. Parecem escolhas mais autênticas para alguém que tanto se moldou para cair no gosto do eleitorado.

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