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Por Leonardo Ávila Teixeira


Martiño Rivas, como Nacho Vidal: "É uma pessoa que, acredito, vive umas cinco vidas em uma só” — Foto: Divulgação
Martiño Rivas, como Nacho Vidal: "É uma pessoa que, acredito, vive umas cinco vidas em uma só” — Foto: Divulgação

“É como um motociclista ou piloto da Fórmula 1: quando você corre rápido demais, pode acabar morto”. É o que diz Teresa Fernández-Valdés, produtora da série Nacho (que estreia no streaming Lionsgate+ nesta sexta-feira, 3), a respeito do ex-ator pornô espanhol Nacho Vidal, cuja história de vida e experiências na indústria do sexo são o mote da produção.

A comparação de Teresa pode soar incomum para se referir a alguém ainda vivo. Mas aos 49 anos, Nacho Vidal, aposentado da indústria pornô desde 2005, se envolveu em um prisma de episódios que tornam difícil colar um único rótulo ao personagem. Em 2012, por exemplo, Nacho foi inocentado pela justiça após sua produtora, a Vidal Production SL, ser suspeita de participar de um esquema de lavagem de dinheiro para mafiosos chineses, investigados na época pela Operação Emperador, deflagrada pela Audiência Nacional da Espanha no mesmo ano.

Mais recentemente, Nacho Vidal foi acusado por homicídio culposo após a morte do fotógrafo de moda Jose Luis Abad em julho de 2019. Na presença de Vidal, Abad inalou o veneno psicodélico de uma espécie de sapo, o bufo, em um ritual conduzido na casa de campo do ex-ator pornô em Enguera, na província de Valência.

A defesa alega, entre outros, que a quantidade do veneno achada no sangue não seria fatal, e que o uso de outras substâncias fora da propriedade do ator poderia ter tido papel em sua morte, tida pela defesa como um acidente. Já a acusação aponta irresponsabilidade, e que houve falta de preparo caso o ritual resultasse em complicações. Segundo o jornal El Español, a acusação foi retirada em setembro de 2021 e o processo foi retomado em caráter de investigação judicial.

Nacho Vidal participou e dirigiu mais de 600 filmes — Foto: Acervo pessoal
Nacho Vidal participou e dirigiu mais de 600 filmes — Foto: Acervo pessoal

Por outro lado, Nacho Vidal virou personagem da causa trans espanhola ao brigar por três anos na justiça pelo direito de sua filha trangênero, Violeta, transitar oficialmente de nome e sexo. Violeta, que tinha 10 anos em 2018 quando o pedido foi acatado, configurou um caso fora da curva no país: a lei local exige a idade mínima de 18 anos para se iniciar esse processo.

“Suas decisões foram sempre muito arriscadas, e ele optou por viver sua vida no limite, o tempo todo”, comenta a produtora Teresa Fernández-Valdés. “Nacho é uma pessoa que, acredito, vive umas cinco vidas em uma só”, diz Martiño Rivas (As Telefonistas), ator que vive Nacho na série. “Acho que de certa forma ele é nosso Mike Tyson”, calcula.

A primeira temporada da série fala da infância e juventude de Ignácio Jordá (nome real do ex-ator pornô), nascido em Enguera e criado em Mataró, bairro de Barcelona. Jordá se aventurou em produções adultas aos 21 anos influenciado pela parceria da época, a prostituta Sara Bernat (hoje uma de suas principais confidentes). Seu início foi em uma espécie de cabaré chamado Casa Bagdad, o único em Barcelona a oferecer shows ao vivo em que atores faziam sexo em frente a uma platéia.

Rivas diz que encenar essas apresentações na série foi um desafio pessoal. “Eu lá pelado, simulando sexo, cercado por uns 300 figurantes - isso cobra um preço, especialmente no começo. Daí você se acostuma, e não pesa mais. Mas nas primeiras vezes, sim, não era fácil, você precisa derrubar umas barreiras mentais”, diz. O ator encontrou apoio no fato de que não foi apenas ele que precisou protagonizar as cenas voyeur: Andrés Velencoso, que vive o rival Toni Roca, também passou pela provação, e acompanhar suas cenas ajudaram Rivas a se preparar para suas próprias.

Do início na Casa Bagdad, Nacho Vidal encontrou terreno fértil na indústria do pornô. Seu verbete na Wikipedia o credita como ator em 600 filmes e diretor de 140 deles entre 1997 e 2005. São produções com nomes como Killer Pussy, Sodomania e o curiosamente poético Labyrinth of the Senses. Mas a fama mais ampla chegaria apenas em 2000, lembra Rivas, quando o ator pornô fez uma aparição em um popular talk show espanhol para promover sua biografia, lançada em 2004 (escrita pelo jornalista David Barba, o livro seria anos depois a principal inspiração de Rivas para topar o seu papel em Nacho).

Desde o programa noturno em 2000, Nacho Vidal fez frequentes aparições na TV e na cobertura de celebridades, participou da gravação de videoclipes e de em um punhado de reality shows, incluindo a versão espanhola do Survivor (formato conhecido aqui como No Limite). Mais que as reuniões que Martiño Rivas teve com Nacho, foi esse reality seu principal objeto de estudo. “Foi também muito revelador, ver as diferentes formas que ele interagia com outros participantes da disputa”, conta.

Cena do seriado 'Nacho' — Foto: Divulgação
Cena do seriado 'Nacho' — Foto: Divulgação

Natural da Galícia, Teresa Fernández-Valdés se divide como produtora, showrunner e roteirista de Nacho. Do lado dela, estão outras três mulheres roteiristas, Gema R. Neira, María José Rustarazo e Flora G. Villanueva, além de vozes feministas e LGBTQIA+ na direção. O que talvez torne mais inusitada a decisão de investigar a indústria pornô dos anos 90 a partir da experiência de um homem.

“É interessante pensar que porque sou mulher, posso fazer isso, mas um homem não pode contar esse tipo de história”, reflete Fernández-Valdés, antes de dizer que o plano não é transformar a série em uma cinebiografia de Nacho, mas sim em um retrato dramático e humorístico de uma época, que busca equilibrar relatos de vítimas e vitoriosos da indústria do sexo a partir do entorno do ator.

A produtora comenta que o roteiro, dificultoso, demorou um ano e meio para ficar pronto, e envolveu estar em contato com um exército de profissionais da categoria - “Tenho agora uma longa lista de atores e atrizes pornô no meu celular”, diz. Entre eles, fez amizade mais próxima com Sara Bernat, antiga companheira de Nacho Vidal. A relação foi exemplo do caráter pouco óbvio de sua empreitada criativa. “Comemorei meu aniversário (ano passado) com a Sara. Na ocasião, ela me disse: ‘Teresa, gosto do que faço, de ser prostituta, e depois de atuar no pornô, voltei para os programas porque é o que prefiro fazer”, conta. Os percalços do vídeo, dizia Sara à amiga, não eram melhores que os clientes “mais limpos e educados” que havia reunido com os anos.

“Essas pessoas são humanas, são gente, com suas relações, pais, filhos. A série nos dá essa oportunidade e acho que meu ponto de vista, como mulher, me permite conectar mais com essas questões do que se fosse um homem”, conclui.

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