Cultura

Por Gabriela Monteiro

“Estou pegando fogo. Estou correndo o mais rápido que posso e estou pegando fogo. A noite está escura, mas consigo enxergar o caminho devido à luz das chamas que queimam meu corpo. Nunca senti tanta dor na minha vida: a sensação é de que todas as minhas entranhas estão fervendo e tentando atravessar a minha pele”. Esse é o primeiro parágrafo do prólogo de Travis Barker em sua biografia oficial, publicada no Brasil em 2015 pela Edições Ideal com apoio cultural da Action 182.

O trecho se refere ao acidente sofrido pelo baterista do trio californiano, blink-182, em 19 de setembro de 2008. O voo particular, que ia da Columbia para Los Angeles, levava a bordo além de Travis o seu assistente, Chris Baker, seu segurança, Charles “Che” Still e dois pilotos — todos morreram no evento. Adam "DJ AM" Goldstein, amigo de Barker, também estava a bordo e sobreviveu, mas morreu cerca de um ano depois por overdose, tornando-o então o único que está vivo desse voo até hoje.

A emergência se deu durante a decolagem, segundo as investigações posteriores. Após estourar os pneus, o piloto abortou a operação e acabou derrapando por um longo trajeto, até ficar totalmente em chamas. Não é leviano dizer que o trágico acontecimento mudou a vida de Barker para sempre — e interrompeu muito do que vinha acontecendo em sua carreira. A começar pelo vício em remédios que ele desenvolveu durante o seu tratamento. Mas, a pior herança que ficou foi definitivamente o trauma, e nesse aspecto, Kourtney Kardashian, com quem se casou em maio de 2022, teve um papel fundamental na superação.

“Minha esposa me ajudou muito a superar tudo isso. Por 17 anos, eu era realmente muito restrito pelos meus medos, eles me controlavam. Com o meu novo relacionamento e o poder do amor, eu senti que finalmente podia encarar meus temores mais profundos. E eu não queria perder mais nada, porque eu realmente me senti preso por tanto tempo, e agora eu fico tão feliz em poder voltar a viver as coisas que eu tinha medo, eu curto cada segundo. E esse é o porquê de eu estar aqui”, conta Travis à GQ Brasil em sua voz grave e pouco conhecida pelo público — o baterista faz a linha do astro tímido, reservado e, porque não, um tanto misterioso.

Travis Barker em ensaio para a GQ Brasil no hotel Rosewood, em São Paulo — Foto: Franco Amendola
Travis Barker em ensaio para a GQ Brasil no hotel Rosewood, em São Paulo — Foto: Franco Amendola

Mas, engana-se quem pensa que ele agora gosta de estar a tantos metros de altitude. “Eu continuo odiando viajar de avião, continua sendo muito difícil e uma parte de mim sempre morre toda vez que eu tenho que voar, mas eu também sei que eu me sentiria pior se eu não estivesse assumindo o risco. Quando estou no palco ou quando encontro com os fãs, faz tudo valer a pena”, diz.

Essa relação conturbada entre o premiado baterista e os voos é um dos motivos que torna sua passagem pelo Brasil ainda mais especial e aguardada por milhares de fãs. Ao lado de Mark Hoppus e Tom Delonge, Travis se apresenta no Lollapalooza 2024 nesta sexta (22), na frente de um público estimado em 100 mil pessoas — todas reunidas para, enfim, realizar o sonho de ver o trio em sua formação original, pela primeira vez na América Latina. Por conta de seu medo de avião, Barker já não realizava mais tours nessa magnitude há muitos e muitos anos.

Além disso, vale contextualizar: o blink-182 foi formado em 1992 e atingiu o seu auge em 1999, com o álbum Enema of the State. Nesses últimos 32 anos, a banda viveu rupturas em duas situações diferentes: um hiatus por tempo indefinido que começou em 2005 e se deu até 2009; e depois, em 2015, quando o guitarrista— e um dos fundadores da banda —, Tom Delonge, decidiu sair da banda. Ele foi substituído por Matt Skiba até 2023.

Um fã clássico do trio de pop punk já praticamente não tinha mais a pretensão de vê-los reunidos novamente, viajando ao redor do mundo e criando novas composições. Após anunciar o retorno oficial às atividades, a banda estava confirmada para o Lollapalooza na edição de 2023 e fez os ingressos da atração esgotarem rapidamente para o dia em que se apresentariam. Mas, pouco tempo depois, eles tiveram que cancelar a participação porque Travis lesionou o dedo anelar esquerdo em um dos ensaios com a banda e teve que ser submetido a uma cirurgia.

“Não havia nada que eu pudesse fazer. Era impossível tocar daquele jeito, e eu sempre disse que quando eu viesse, seria na minha melhor forma. A cirurgia foi marcada logo em seguida do acontecimento, mas ainda assim, não daria tempo. Então, eu garanti que não seria um cancelamento, e sim um adiamento. Eu voltaria um ano depois, com o álbum novo já finalizado e seria ainda maior e melhor do que se tivesse sido em 2023. Falei exatamente essas palavras para o promotor e é justamente o que está acontecendo”, relembra.

Travis Barker em ensaio para a GQ Brasil no hotel Rosewood, em São Paulo — Foto: Franco Amendola
Travis Barker em ensaio para a GQ Brasil no hotel Rosewood, em São Paulo — Foto: Franco Amendola

O álbum em questão é o One More Time, lançado em outubro do ano passado e que traz 17 músicas oficiais — além de duas “lado B”. Algumas músicas desse disco, apesar de recente, já têm sido tocadas nos últimos shows da banda. A música que leva o mesmo nome do álbum, por exemplo, tem encerrado as apresentações, levando os fãs às lágrimas, já que se trata de um som mais emotivo e de uma letra que fala justamente sobre todos os problemas que eles enfrentaram em suas vidas pessoais e enquanto grupo.

“Esse é um momento muito especial pro blink-182. Ter produzido esse álbum foi tão incrível que eu até mesmo me permiti fazer coisas que eu temia, como cantar alguns trechos. Eu pude colocar em palavras as angústias que passamos e é muito emocionante ver a recepção dos fãs”, conta o baterista enquanto toma o seu matcha vegano — dieta que ele segue à risca há tantos anos que, mesmo em seu livro, há trechos que relatam sua aversão por carne ainda na infância.

É possível sentir essa expectativa no ar. Enquanto Travis conversava com a GQ, gritos de fãs ecoavam do lado de fora do Rosewood, hotel onde a banda ficou hospedada, na zona sul de São Paulo. Jovens se reuniam lá fora com um único objetivo: conseguir um autógrafo ou até mesmo um mero aceno de um dos três. Um dia antes do show, eles conseguiram mais do que o esperado e tiveram um “show” particular de Hoppus, que desceu com o violão e tocou algumas de suas músicas mais famosas para a pequena multidão que se aglomerava ali.

Travis Barker em ensaio para a GQ Brasil no hotel Rosewood, em São Paulo — Foto: Franco Amendola
Travis Barker em ensaio para a GQ Brasil no hotel Rosewood, em São Paulo — Foto: Franco Amendola

Hoppus e Delonge levam a fama de serem mais engraçados e sociáveis enquanto Barker é mais reservado. Quando questionado sobre como é trabalhar com os dois “palhaços” que dividem o palco com ele, Travis sorri e prontamente diz: “É maravilhoso.” “Eu gosto da ideia de deixá-los se divertirem enquanto eu vou garantindo que tudo está acontecendo e dando certo, como ir finalizando o álbum. Até mesmo nos shows, eles sabem que, se olharem para trás, eu estarei ali, focado e trazendo essa certeza e coordenação para eles. E aí, quando saímos do palco, eu me divirto também”, conta. Para além da banda, os três são amigos de longa data.

Esse foco mencionado por Barker é visível para quem o acompanha de perto nas redes sociais. Mesmo com tantos anos segurando a baqueta — ele ganhou a sua primeira bateria aos 4, para se ter uma ideia — ele ainda é do tipo “que estuda e pratica e está sempre aprendendo”, como ele mesmo gosta de definir. Não é raro vê-lo batucando um pad, instrumento utilizado para o treino do ritmo das batidas, e essa inquietude o leva a fazer feats com os mais variados artistas e nos mais variados gêneros — de Steve Aoki à Flo Rida, passando por Avril Lavigne e até Demi Lovato.

“Eu amo todos os gêneros musicais. Sou um otimista e vejo com bons olhos tudo que está chegando. Acho que estamos em um momento particularmente bom da música porque temos acesso a todo tipo de estilo e gostar desses diferentes estilos não é mal visto como era antigamente”, reflete, enquanto batuca os dedos na perna. Essa hiperatividade, refletida tanto em seus dedos como em seu trabalho, faz as pessoas acreditarem que ele nunca descansa.

Travis Barker em ensaio para a GQ Brasil no hotel Rosewood, em São Paulo — Foto: Franco Amendola
Travis Barker em ensaio para a GQ Brasil no hotel Rosewood, em São Paulo — Foto: Franco Amendola

Em sua biografia, Travis revela tocar bateria mesmo em sua folga, tamanha é a paixão do artista pelo instrumento e pelas artes. “Se eu não fosse baterista, ainda assim eu acharia uma forma de estar envolvido com a música, seja com a produção, uma área que eu amo, ou escrevendo — também tenho feito muito isso. De qualquer forma, seria um caminho artístico”, conta ele à GQ. A arte pulsa tanto em sua vida que é possível de ser vista por todo o seu corpo, em suas centenas de tatuagens, e até em sua relação com a moda.

Pode até parecer à primeira vista que ele é despojado demais, afinal, ele usava uma regata completamente detonada enquanto posava para as fotos desse editorial, mas acredite: tudo ali é parte de uma composição desse estilo que somente se pretende ser despojado. “Eu não tenho um stylist comigo, eu uso essas roupas que você está vendo basicamente todo dia, e para a América do Sul, foi só o que eu trouxe na mala. Essas são as minhas roupas favoritas. Mas eu amo moda, amo Vivienne Westwood, camisetas vintage, uso muitas roupas da minha marca Famous e Junia Diggy [uma espécie de calça cargo muito comum no Japão]. Eu gosto do tema”.

Travis Barker em ensaio para a GQ Brasil no hotel Rosewood, em São Paulo — Foto: Franco Amendola
Travis Barker em ensaio para a GQ Brasil no hotel Rosewood, em São Paulo — Foto: Franco Amendola

Mas, ele garante que tem sim outros hobbies que transcendam o mundo artístico, principalmente agora que está mais velho, como assistir e praticar lutas marciais e boxe, ouvir podcasts enquanto corre e manter sua coleção de carros antigos. “A família está no topo das minhas prioridades, não há nada que eu ame mais do que estar com os meus filhos e minha esposa”, diz. Na sequência, mostra sua mais recente tatuagem - o nome “Rocky”, fruto do seu relacionamento com Kourtney e que tem apenas 5 meses. Apesar de terem o acompanhado no último trecho da tour, na Austrália, eles não puderam vir para a América Latina por questões logísticas, segundo o próprio.

Quem sabe ele não traz em sua próxima vinda ao Brasil? Afinal, há rumores de um show solo da banda no final desse ano ou começo do próximo “Eu não estou sabendo disso, não há nenhum plano concreto que eu tenha sido envolvido. Mas, eu certamente adoraria voltar, estou adorando o Brasil”, conclui com o seu tradicional sorriso de canto, um sorriso gentil e uma atitude ainda mais gentil, que contrastam com a sua pose de bad boy de um baterista que já chegou ao topo, mas sempre quer mais.

Travis Barker em ensaio para a GQ Brasil no hotel Rosewood, em São Paulo — Foto: Franco Amendola
Travis Barker em ensaio para a GQ Brasil no hotel Rosewood, em São Paulo — Foto: Franco Amendola

Diretor de conteúdo: Fred Di Giacomo
Fotografo: Franco Amendola
Gerente de fotografia e produção: Enzo Amendola
Editor de arte: Victor Amirabile
Texto: Gabriela Monteiro
Editor digital: Augusto Siqueira
Assistentes de fotografia: Adrian Ikematsu e Marina Toledo
Agradecimento: Rosewood São Paulo

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