Renata
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Por Renata Telles (@elaqueamaviajar)

Jornalista, expert em viagens e idealizadora do blog Ela que Ama Viajar, projeto que incentiva mulheres a explorarem diversos destinos sozinhas.


Você já ouviu falar no advogado e jornalista Luiz Gama? E no arquiteto José Pinto de Oliveira? O nome da escritora Carolina Maria de Jesus te soa familiar? Provavelmente, não. O motivo? Não aprendemos sobre os personagens da cultura negra nos livros ou na sala de aula. Crescemos ouvindo a história do Brasil sob o protagonismo do colonizador branco, onde a narrativa dos negros é resumida apenas em dor e escravatura. Felizmente, o afroturismo veio para mudar o rumo dessa prosa bem ultrapassada. De dois anos pra cá, o setor ganhou força em cidades como São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e outras, com o objetivo de apresentar diversos destinos sob a perspectiva negra, com histórias de vitórias, resistências e amor.

Segundo o IBGE, 54,7% da população brasileira se autodenomina parda ou preta. O Brasil também é o segundo país com mais negros do mundo – ficando atrás apenas da Nigéria. Os números expressivos só provam ainda mais o quanto é importante valorizar a cultura e história do povo preto no País. E olhar para o passado é o primeiro passo para o mudar o presente. Por isso, agências especializadas no afroturismo criaram roteiros onde é possível vivenciar experiências inesquecíveis. A seguir, confira tours que vão fazer você abrir a mente para diversos protagonistas negros.

São Paulo

O tour Caminhada São Paulo Negra, criada pela agência Guia Negro (antiga Black Bird), resgata histórias negras que estão por toda a capital. No percurso de quase 4 km, é possível visitar locais importantes como a Igreja Nossa Senhora Rosário dos Pretos, a estátua da Mãe Preta, a Igreja Nossa Senhora dos Enforcados, o antigo Pelourinho e o antigo Morro da Forca, no bairro da Liberdade.

Grupo durante a Caminhada Negra (Foto: Divulgação) — Foto: Glamour
Grupo durante a Caminhada Negra (Foto: Divulgação) — Foto: Glamour

"Liberdade é um bairro onde todo mundo conhece como oriental e a gente conta que esse foi o primeiro bairro negro da cidade. A caminhada termina na estátua da Mãe Preta, o único monumento de uma mulher negra na cidade de São Paulo. Vamos contando história do presente, do passado e falando do futuro. Todos saem transformados. É uma chave que não tem volta!", explica o jornalista Guilherme Soares Dias, idealizador da ideia.

Durante o tour, diversos personagens negros são ressaltados. É o caso da escritora Carolina Maria de Jesus, do jornalista, advogado e patrono da abolição Luiz Gama, do arquiteto Joaquim Pinto de Oliveira, o Tebas, e de Zumbi, último dos líderes do Quilombo dos Palmares, que morreu em 20 de novembro de 1695, data que se tornou feriado em diversas cidades do país.

Estátua da Mãe Preta, no Largo do Paissandu, centro de SP (Foto: Divulgação) — Foto: Glamour
Estátua da Mãe Preta, no Largo do Paissandu, centro de SP (Foto: Divulgação) — Foto: Glamour

Guilherme conta que sentia falta de programas ligados à negritude. Atualmente, além de São Paulo, ele realiza programas no Rio, Boipeba (Bahia) e, muito em breve, Olinda.

"Em SP temos a maior população negra do país e não tínhamos nenhum passeio com esse foco." - Guilherme Soares

A Caminhada São Paulo Negra dura cerca de três horas. Confira a agenda completa dos tours aqui.

Rio de Janeiro

A Cidade Maravilhosa vai muito além do Cristo Redentor e Pão de Açúcar. Prova disso é o tour Pequena África, que entrou no roteiro de muitos turistas (e moradores!) interessados em conhecer um pouco da herança africana no Rio de Janeiro.

Donas da agência Sou + Carioca, Gabriela Palma e Renata Vaz queriam contar histórias esquecidas e apresentar lugares fora do mapa turístico do Rio. "A Pequena Africa fala do Rio sob a visão afrocentrada, abordamos personagens importantes como Tia Ciata, Mercedes Batista, Abdias do Nascimento, André Rebouças... se pararmos pra pensar de bate pronto, talvez não saibamos quem são. Eu mesma só comecei a entender depois que começamos a fazer esse tour. Dentro da escola, por exemplo, nunca tinha ouvido falar dessas pessoas. E é bem isso o que a Sou + Carioca faz. Utilizamos a rua como uma grande sala de aula", explica Gabriela.

Pedra do Sal, que faz parte da Pequena África, no Rio de Janeiro (Foto: Luana Ferreira) — Foto: Glamour
Pedra do Sal, que faz parte da Pequena África, no Rio de Janeiro (Foto: Luana Ferreira) — Foto: Glamour

A Pequena África é composta pelos bairros da Saúde, Gamboa e Santo Cristo, desde a Praça Mauá até a Cidade Nova, na região portuária do Rio. A expressão foi criada pelo artista e sambista Heitor dos Prazeres no início do século 20. O nome se referia a uma região onde havia grande presença de escravos alforriados e comunidades quilombolas.

Morro da Conceição (Foto: Divulgação) — Foto: Glamour
Morro da Conceição (Foto: Divulgação) — Foto: Glamour

O tour, feito a pé, passa pelo Morro da Conceição, Largo de São Francisco da Prainha Pedra do Sal, jardim Suspenso do Valongo e Cais do Valongo. "Contamos histórias apagadas, esquecidas e dizimadas, principalmente, a da Pequena África", reforça Gabriela, que oferece 150 roteiros diferentes, fora da rota 'Cristo Redentor'. Ela completa: "Tem muito tour afrocentrado. Em Madureira, por exemplo, vamos à Casa do Jongo, Mercadão, Parque, Viaduto de Madureira, onde rolam os bailes de Charme, Cufa (Central Única de Favelas)... Já no bairro do Estácio, falamos sobre o surgimento das escolas de samba no Rio."

Para conferir todos os passeios, basta entrar no site da Sou + Carioca.

Maceió

Maceió é sinônimo de praia, certo? Errado! A cidade pode ter praias lindíssimas, sim, mas o city tour que a Brafrika vem realizando no paraíso mostra muito mais. A agência, criada pela química Bia Moremi, quer contar histórias pela perspectiva negra e não pelo olhar do colonizador.

"Gosto muito de usar esse pacote para ilustrar como o afroturismo acontece em Maceió. Vamos às praias, tiramos fotos com os peixinhos, mas também reservamos tempo para visitar o Parque Memorial Quilombo dos Palmares. Entendemos que você não perde um dia ao incluir o lugar no seu roteiro e, sim, enriquece a sua experiência de viagem. Cuidamos para que nossos clientes tenham um roteiro vibrante, divertido e rico de cultura livre de racismo", fala.

Parque Memorial Quilombo dos Palmares (Foto: Divulgação) — Foto: Glamour
Parque Memorial Quilombo dos Palmares (Foto: Divulgação) — Foto: Glamour

Bia lembra que, antes de criar a empresa, queria viajar para destinos que tivessem conexão com a sua ancestralidade, mas não encontrava nenhuma agência que oferecesse o serviço. Atualmente, a Brafrika trabalha com seis estados brasileiros (São Paulo, Rio, Minas Gerais, Alagoas, Bahia e Maranhão) e destinos internacionais como Cabo Verde, Gana, África do Sul e Angola.

Outro produto que nasceu com a agência foram os testes de DNA, realizados para identificar a origem dos antepassados dos viajantes. Na experiência, um roteiro específico é montado de acordo com o resultado do exame. Durante a pandemia, a experiência precisou ser adaptada.

"Criamos uma celebração! A pessoa faz o teste de DNA e recebe o resultado em casa junto com um jantar. No menu, opções de comida da região de maior ancestralidade africana daquele cliente." - Bia Moremi

A pessoa ainda ganha uma pulseira com o nome gravado da 'sua' região, uma aula online de Kimbundu, consultoria estética e um álbum de fotos do lugar de ancestralidade. "Convidamos o cliente a fazer uma viagem de volta quando tudo se normalizar." Saiba mais sobre os roteiros aqui!

O afroturismo é para todos?

Todo mundo pode e deve fazer afroturismo. Segundo Bia, os programas são para qualquer pessoa antirracista. "Acreditamos que independente da raça, credo, cor e orientação sexual, todos temos a ganhar quando nos dispomos a conhecer melhor a história das pessoas negras brasileiras e africanas que constituíram nosso país. Então, pessoas não-negras são mais do que bem vindas", afirma.

De acordo com Guilherme, muitas pessoas brancas 'sentem-se incomodadas' durante os tours. "É um incômodo pedagógico relacionado a essa história do racismo, que traz reflexos até hoje. É um incômodo e aprendizado. A nossa ideia é fazer esse passeio de uma maneira leve, divertida, mas que tenha esse fundo de informações", diz.

Gabriela lembra um detalhe importante: todos os guias são negros. "O que não pode acontecer é o afroturismo ser executado por outros. Temos o cuidado em colocar nossos guias pretos nesses roteiros afrocentrados. Não vou colocar minha guia branca para falar desse circuito. Queremos dar esse lugar de fala para a gente mesmo."

"Tem um provérbio africano que diz: 'Até que os leões contem suas histórias, os caçadores sempre serão heróis das narrativas de caça'. O que fazemos aqui é deixar que os leões contem suas próprias histórias." - Gabriela Palma

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