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Por Luiza Brasil


"Numa sociedade racista, não basta ser não racista, é necessário ser antirracista.” Provavelmente você já leu a citação da filósofa e ativista Angela Davis nas redes sociais ou a viu em algumas das manifestações ao redor do País. Se o racismo é um conjunto de crenças que de alguma forma estabelece uma hierarquia de raças, desumaniza e tira a dignidade de um grupo social por causa de características físicas e culturais, o antirracismo vem com uma importante ideologia política de oposição a esse sistema que ultrapassa as teorias e atua de forma prática. E você? O que tem feito em torno do debate racial?

Somos todos antirracistas? (Foto: Iago Francisco) — Foto: Glamour
Somos todos antirracistas? (Foto: Iago Francisco) — Foto: Glamour

Tem “até” amigos negros? Trata a sua empregada doméstica como se fosse da família? Fica indignado quando presencia alguma situação de preconceito? Sorry, cara pessoa branca, mas isso não é ser antirracista. Vivemos em um país que ainda enxerga o período colonial de forma glamourizada. Se falamos em abismos sociais e desigualdade de acesso entre brancos e pretos, isso não é devido ao acaso ou a pouco esforço. É a falta de reparação histórica que respinga em vários setores da sociedade, que sempre nos invisibilizam e excluem com uma naturalidade inquestionável.

Tiro tal conclusão por mim mesma, dentro do ambiente da moda nacional: em dez anos de carreira, cobrindo fashion weeks, atuando com pesquisas, em contato com marcas e assessorias de todos os portes – ou seja, muito bem inserida dentro do mercado –, para o meu trabalho e a minha imagem ganharem reconhecimento e validação minimamente merecidas, precisei exigir de mim mesma uma carga mental sobre-humana e um altíssimo investimento em estudo e ocupação de espaços (na maioria das vezes tentam nos expelir a qualquer custo). Enquanto isso, vi pessoas emergirem a importantes cargos fazendo bem menos – e ganhando muito mais. É impossível, hoje, não ver a cor, classe e geolocalização do poder sem se questionar.

Ser antirracista, antes de tudo, é reconhecer privilégios. Calma, isso não é necessariamente sobre renúncia, mas sobre fazer seu uso tensionando algumas estruturas sociais. Para você tudo bem ainda frequentar um restaurante em que só existe negros no lugar de serventia? E estar em um ambiente de trabalho em que não existe nenhum preto em cargo de liderança? O que faz quando toma conhecimento de alguma marca ou empresa envolvida em escândalos racistas? Não basta ficar indignadx. A indignação sem ação é mostrar-se conivente. O caminho é não compactuar mais com esses locais. E a forma mais prática é não consumindo, literalmente, essas ideias.

Fora isso, que tal se envolver novamente com a história do País? Não aquela dos embraquecidos livros que aprendemos na escola, mas a contada por autores e acadêmicos como Lilia Schwarcz em Nem Preto, Nem Branco, Muito Pelo Contrário e Um Defeito de Cor, de Ana Maria Gonçalves. Ambos desconstroem valores que durante toda a vida tentam nos entubar – a democracia racial é um deles.

E para tempos antirracistas, é importante frisar que isso não é uma batalha de negros contra brancos. Ser preto é, sem dúvidas, seguir na luta e na resistência diária para conquista da equidade. Ser branco é saber que sua voz e sua escuta são aliadas. É não se omitir diante das injustiças. É ser empático, proativo e não apenas benfeitor ou “white savior”. Só a partir do momento em que garantirmos a proporcionalidade dos espaços para os 54% da população brasileira que se declara negra é que conseguiremos reconstruir as narrativas sociais e históricas do nosso País. Como diz “História para Ninar Gente Grande”, o reverenciado samba-enredo da Mangueira, campeã do Carnaval carioca deste ano, “Brasil, chegou a vez de ouvir as Marias, Mahins, Marielles, Malês”.

@mequetrefismos Luiza Brasil é jornalista, fashionista, crespa assumida e ativista racial. Aqui, na coluna Caixa Preta, compartilhará insights sobre moda, comportamento y otras cositas más... (Foto: Divulgação) — Foto: Glamour
@mequetrefismos Luiza Brasil é jornalista, fashionista, crespa assumida e ativista racial. Aqui, na coluna Caixa Preta, compartilhará insights sobre moda, comportamento y otras cositas más... (Foto: Divulgação) — Foto: Glamour
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