Nos últimos dias um tema ganhou destaque nas redes sociais – desta vez, não relacionado a qualquer reality show, premiação internacional ou outro evento de grande audiência. No caso, o tema foi o de uma dívida de cartão de crédito.
Mais especificamente, uma dívida que saiu de R$ 2.000 para mais de R$ 960 mil em pouco mais de dois anos, de acordo com postagens da criadora de conteúdo Thaynná Bastos.
Naturalmente, as postagens geraram grande furor nas redes sociais, suscitando uma série de respostas, questionamentos e engajamentos diretos com aquela que passou a possuir uma dívida quase milionária em seu nome. Com a “viralização” do caso, cresceu também o questionamento: o cartão de crédito – seria ele um herói ou um vilão para a vida financeira de milhares de brasileiros?
Diante de posicionamentos efusivos para lados opostos dessa discussão, ouso defender que, quase como sempre, a verdade parece se encontrar no meio do caminho.
A teoria da riqueza futura
Para entendermos melhor o papel do cartão de crédito para além dos boletos de famílias brasileiras, vale passar por uma breve explicação teórica.
Pela teoria econômica, o acesso ao crédito é uma ferramenta importantíssima para o desenvolvimento econômico. Isso porque, por meio do crédito, indivíduos podem atingir aquilo que chamamos de riqueza intertemporal. Esse conceito se refere a um patrimônio financeiro que não necessariamente temos no momento, mas que podemos projetar termos no futuro – de modo a “parcelar” nosso consumo considerando nossa riqueza tanto presente quanto futura.
Ou seja, o acesso ao crédito permite que indivíduos possam consumir sem necessariamente limitarem-se ao patrimônio presente, impulsionando o consumo presente de olho na riqueza futura.
Trazendo para a vida real: o acesso ao crédito permite, por exemplo, que famílias possam adquirir sua casa própria ou outro bem de alto valor (como um carro ou eletrodomésticos), diante do fato de que podem quitar o valor total desse bem ao longo do tempo.
Desse modo, o conceito de riqueza intertemporal do indivíduo se assemelha ao mesmo conceito aplicado a governos. No caso, assim como o governo se endivida para prover bens e serviços para a sociedade (emitindo títulos públicos comprados por investidores, como nós), uma vez que não possui no presente o total para bancar o gasto, pessoas podem usar sua “riqueza do futuro” para melhorar sua vida presente.
Nem tudo são rosas...aos juros!
Mas sabemos que nem tudo são rosas, e que não existe almoço grátis. Por trás de todo crédito, há uma cobrança. E essa cobrança são os famosos juros. Afinal, nenhuma instituição irá financiar uma empresa ou uma pessoa sem nenhum custo (da mesma maneira que nenhum investidor financiaria o governo, na ausência de juros!). E é aqui que mora o perigo: na falta de conhecimento sobre os custos do acesso ao crédito.
Muitos não sabem, por exemplo, que ao rodar “no vermelho” na conta corrente – o famoso cheque especial - há cobrança de juros, além de encargos e eventuais multas, que dependerão da instituição financeira e da modalidade da conta corrente.
A mesma dinâmica de incorrência de juros ocorre com o parcelamento da fatura do cartão de crédito (o famoso “pague o mínimo”), e principalmente com o não pagamento de faturas – são cobrados juros e encargos, quando o cliente faz uso dessa modalidade de crédito.
Outro fator importante que poucos sabem é que os tais juros cobrados serão maiores dependendo do quanto de informações o banco tiver de você.
Em bom português: se você não der nenhuma informação adicional para o banco, e simplesmente parar de pagar, você tende a entrar na modalidade mais cara de crédito do país. Para se ter uma ideia, os juros médios do parcelado do cartão de crédito chegam a quase 200% ao ano atualmente – elevando uma dívida inicial de R$ 1.000 para R$ 2.952 em um ano.
No caso da dívida do começo da coluna que virou trending topic, estamos falando de juros de 20% ao mês (ou 790% no ano!).
E por que as informações são importantes? Porque, sem informações adicionais sobre você (como histórico de pagamentos, capacidade de quitação da dívida, fonte de renda, etc) você passa a entrar em uma espécie de “bolo do risco” do banco. No caso, o banco joga lá para o alto a probabilidade de nunca ser pago por você...afinal, não há qualquer indício sinalizando que isso acontecerá! Deste modo, o banco tende a te cobrar os juros correspondente a esse risco elevado.
O que fazer, então?
Sabendo que o acesso ao crédito é importante, porém que os juros podem sair do controle e transformar uma ferramenta como o cartão de crédito em um verdadeiro vilão da saúde financeira de milhares de brasileiros, o que fazer?
Antes de tudo: use o cartão de crédito com consciência. Ele não é uma magia que multiplica seu dinheiro ou anula custos futuros. Ou seja, o que você compra hoje parcelado – pensando em sua riqueza futura - será cobrado amanhã, e depois e depois. E essa dívida se acumulará às novas compras.
Deste modo, é imprescindível ter controle de TUDO o que se parcela no cartão de crédito, além de entender todos os CUSTOS da instituição com quem se pega emprestado – incluindo juros, multas, e outros encargos possíveis.
Caso, mesmo depois de tudo isso, você se vir em uma situação em que não consegue pagar, o que fazer? O segredo aqui é negociar! Dê informações ao banco, reduza a percepção de risco sobre o seu perfil, negociando o pagamento em modalidades como empréstimo pessoal ou crédito consignado – se possível.
E, por fim, não esqueça: com cartão de crédito e muitas outras coisas na vida, a diferença entre o remédio e o veneno é sempre a DOSE.
![Rachel de Sá — Foto: Divulgação](https://cdn.statically.io/img/s2-glamour.glbimg.com/7WdXgGgSAG_kyo7QCe3MownCkp0=/0x0:1024x683/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_ba3db981e6d14e54bb84be31c923b00c/internal_photos/bs/2022/B/q/9PrpdJREOhs51l8jModA/raquel-de-sa-1389-editar.jpg)