Jornada de beleza
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Por Júlia Del Bianco (@judelbi)

"Eu não tenho a memória de quando quis começar a dançar. Sempre fui 'a bailarina', antes mesmo de aprender a falar. Não era a menina que conversava muito, mas se tinha um palco em qualquer lugar, subia e começava a dançar.

Comecei a estudar balé aos 3 anos. Algum tempo depois, minha família vivia um aperto financeiro e precisou me tirar da escolinha porque era cara. Eu fiquei tão doente que passei dias com febre e, depois de muita investigação, o médico concluiu que era pela falta das aulas.

Minha relação com meu corpo sempre foi muito ruim. Na minha primeira apresentação de balé, as meninas começaram a comentar sobre a barriga de outras colegas. Lembro que olhei para a minha e comecei a achar, a partir de então, que era gorda. Eu era uma criança com a coxa grossa, mas eu não era gorda. Como a minha vontade de dançar era enorme, minha mãe me levou à nutricionista ainda jovem: se bailarinas eram magras, eu precisava emagrecer. Eu só não conseguia entender como, mesmo tendo uma alimentação saudável, eu ainda estava errada por ser gorda.

Júlia Del Bianco — Foto: Fernanda Pompermayer
Júlia Del Bianco — Foto: Fernanda Pompermayer

Existe uma pressão estética absurda no balé. Na minha academia, ouvia frases como 'se quiser dançar, tem que cuidar do físico'. Embora estivesse nesse cenário, a pessoa mais gordofóbica com que tive que lidar fui eu mesma, pois meus padrões eram muito exagerados. Com o tempo, passei a enxergar que tinha um corpo que me servia, e que ele não tinha a forma que as pessoas esperavam, mas eu vivia muito bem. Comecei a procurar mais referências. Quando vi a modelo Ashley Graham, deu um clique na minha cabeça. Depois, encontrei a professora de ioga Jessamyn Stanley, e foi a primeira vez que vi alguém alongada, forte, que tinha um corpo muito parecido com o meu.

Estava chegando perto dos 30 anos e comecei a me perguntar 'será que a minha vida é só fazer dieta, será que é essa luta incansável?', até que meu irmão faleceu. Ele vivia sob a filosofia do carpe diem, e eu me senti tão mal em ficar buscando uma realidade que ainda não existia antes de viver a minha própria vida que decidi não deixar nada em stand-by.

Nas minhas aulas, passei a conversar sobre padrões e sobre a gente entender que para dançar basta ter um corpo. Todo corpo é potente e todo corpo é limitado, mas a gente não pode se cobrar, temos que fazer o melhor dentro disso. Ensinar dessa forma às minhas alunas melhorou a minha autoestima, porque eu via o quão bem eu fazia a elas por estar naquela posição.

Júlia Del Bianco — Foto: Fernanda Pompermayer
Júlia Del Bianco — Foto: Fernanda Pompermayer

Quis desistir inúmeras vezes, mas algo sempre me levava de volta ao balé. Acho que é cobrado de nós que sejamos diferentes, dizem que somos erradas. A lógica da minha vida seria muito mais fácil se eu fosse uma pessoa 'dentro dos padrões', mas não seria eu. Essa não seria a minha história. Quando eu era criança, nem me permitia sonhar em ter alguém com o corpo como o meu em posição de destaque. Hoje, tento ser quem não tive quando eu era pequena. Sou uma sementinha para as próximas gerações."

*Em depoimento à Carolina Merino (@caamerino)

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