Inovação aberta

Por Marisa Adán Gil


Maiza Goulart, gerente-executiva do Centro de Pesquisa Petrobras — Foto: Divulogação/Arte: Rodrigo Buldrini
Maiza Goulart, gerente-executiva do Centro de Pesquisa Petrobras — Foto: Divulogação/Arte: Rodrigo Buldrini

A ironia não passa despercebida por Maiza Goulart, executiva no comando do Centro de Pesquisa Petrobras (CENPES), responsável pelas soluções tecnológicas desenvolvidas para todos os setores da empresa. Como a empresa responsável pela maior produção de combustíveis fósseis do Brasil pode ser também aquela que irá comandar a transição para um modelo de energias renováveis?

"Bom, para começar, eu diria que a transição energética é um desafio de toda a sociedade, e não dá para excluir ninguém disso", afirma a executiva, em entrevista a Época NEGÓCIOS. "E nós temos todas as competências para fazer a transição. Projetos de produção de energia de grande investimento e de longo prazo? É isso que nós fazemos. Produção de biocombustíveis? O processo é muito semelhante ao do refino. Então temos tanto a similaridade técnica quanto a competência de negócios para fazer a transição energética." O problema, avalia, é que muitas das opções de energias renováveis sendo estudadas pela empresa contam com gaps tecnológicos importantes, que impedem sua adoção imediata.

"A verdade é que a gente precisa do combustíveis fósseis para fazer a transição energética", diz Luis Pontes, sócio da EY para Energia e Recursos Naturais. "Existem diversas estimativas mostrando que ainda vamos ter uma curva de crescimento de extração de petróleo pelos próximos 30 a 50 anos. E só depois disso é que efetivamente vamos ter um declínio. É preciso primeiro desenvolver a tecnologia, criar novos fornecedores. Mesmo assim, é fundamental pavimentar o terreno para que a transformação fique cada vez seja mais próxima."

Enquanto a transição energética não vem, a companhia investe em tecnologias para tornar os processos de exploração de combustíveis fósseis mais "verdes". Nesse sentido, a maior aposta é o uso de equipamentos submarinos para a exploração de óleo e gás - algo que deve ser possível apenas por volta de 2035. "É urgente conquistar a eficiência energética, especialmente na produção de combustíveis. Por isso as empresas estão se esforçando para fazer mais, consumindo menos recursos, poluindo menos, utilizando menos energia", afirma Pontes, da EY.

Ficha — Foto: Rodrigo Buldrini
Ficha — Foto: Rodrigo Buldrini

Em um futuro mais imediato, Maiza aposta em inteligência artificial, impressão 3D e robótica para conseguir atingir parte dos objetivos da companhia. "Nossa família de robôs está em todos os lugares. Alguns andam, outros nadam, outros flutuam. E temos até um cão-robô, que deve ser o melhor amigos dos funcionários nas plataformas", diz.

Confira abaixo os principais trechos da entrevista com Maiza Goulart.

Época NEGÓCIOS - A indústria de óleo e gás enfrenta um grande desafio tecnológico para garantir uma transição energética justa. Como uma empresa que tem no seu core os combustíveis fósseis pode ser responsável por uma transição energética?

Maiza Goulart Como a gente vê essa questão? Para começar, a transição energética é um desafio de toda a sociedade, e não dá para excluir ninguém disso. Precisamos da ajuda de toda a indústria. Agora, se a gente olhar as competências da transição energética, muitas delas estão na indústria de óleo e gás. Projetos de produção de energia de grande investimento e de longo prazo? É isso que nós fazemos. Produção de biocombustíveis? O processo é muito semelhante ao do refino. Quando a gente está falando de captura de carbono e armazenagem em reservatórios, isso tem tudo a ver com as competências de geociências que a indústria do petróleo tem. Então temos tanto a similaridade técnica quanto a competência de negócios para fazer a transição energética. E é muito importante fazer isso sem que a sociedade tenha que pagar um alto custo pela transição.

O orçamento previsto para inovação no período de 2023-2037 é de R$ 2,1 bilhões. Como o Centro de Pesquisa irá usar esse investimento? Parte dele irá para energias renováveis?

Esse valor não será empregado apenas no Centro de Pesquisa: o valor engloba o orçamento de inovação de TI e os projetos de transformação digital da empresa. Com relação a energias renováveis, temos muitas pesquisas nas áreas de solar, eólica onshore e offshore, hidrogênio, minerais, lítio, fusão nuclear... Mas se tiver que destacar, ficaria com eólica, solar, hidrogênio e biorrefino, uma tendência muito forte no Brasil, um país com grande oferta de matérias primas renováveis. Algumas dessas tecnologias têm um grau de maturidade tecnológico muito alto. Outras são marcadas pelo desafio tecnológico de conseguir produzir, armazenar, transportar. Cada uma tem a sua dificuldade.

Como parte dos planos de descarbonização, a Petrobras está investindo em exploração submarina. Quais são as vantagens para a empresa e para o planeta, e até quando vocês esperam ter resultados concretos?

No processo atual, eu tiro petróleo lá de 4.000, 5.000 metros de profundidade de solo, trago para a superfície e depois faço o tratamento primário, separo óleo, água e gás. E daí dou a destinação. Na exploração submarina, eu consigo fazer esse pré-tratamento no fundo do mar, e daí só preciso mandar o petróleo e o gás para a superfície, o que resulta em uma grande economia de energia e reduz muito as emissões de CO2.

Outra questão é que hoje, quando o tratamento primário é feito na superfície, pela complexidade do nosso ambiente e pelas características que a gente tem no pré-sal, os equipamentos na superfície tendem a ser muito complexos e difíceis de construir. Então essa plataforma tem que produzir durante 25 anos para justificar o investimento. Quando eu entro com o processamento submarino, ganho flexibilidade, porque posso ir construindo módulos ao logo do tempo, de acordo com a nossa necessidade. É uma melhor gestão de reservatório, melhor uma melhor gestão do campo, uma melhor eficiência energética. E apostamos talvez num menor custo total.

Em que fase está esse projeto? Qual é o tamanho atual disso e de que tamanho deve ficar?

Existem várias etapas, em diversos estágios. Nesse momento, o foco é em um separador que consegue isolar parte do gás no fundo do mar, sem precisar trazer para a superfície. Nossa previsão é de que fique pronto em 2028. Até a década de 30, pretendemos fazer o primeiro teste da tecnologia em escala real, em um campo em Recife. Para isso, precisamos destravar o desenvolvimento de sistemas de injeção de água e injeção química. Enquanto isso, trabalhamos também com robótica. Porque, na medida em que você vai levando as coisas para o fundo do mar, é preciso desenvolver robôs para operar as máquinas no ambiente submarino. E temos trabalhando também com conectividade via wi-fi, para eliminar a necessidade de cabos.

Nosso objetivo é que, em algum momento, toda a produção, ou pelo menos grande parte dela, vá para o fundo do mar. Essa é a nossa ambição. É possível, mas muito difícil. Então, a princípio, imaginamos que em 2035 estaremos utilizando os sistemas, pelo menos parcialmente. Temos muitos parceiros nesse projeto, como a UNIFEI Itajubá, a UFRJ e a USP, para citar só as universidades. E temos grandes empresas como PSI, Baker, BG e Halliburton.

Com relação à robótica, vocês estão pensando apenas em aplicações no ambiente submarino?

Não, nossa família de robôs está em todos os lugares. Alguns andam, outros nadam, outros flutuam. Mas sim, a gente tem uma carteira muito focada em robótica. Tem dois destaques recentes - um é o Petro Bot, nosso robô quadrúpede. A ideia é que ele opere nas nossas refinarias, nas nossas plataformas. E que ele realmente seja o melhor amigo dos nossos funcionários, realizando diversas atividades, inclusive de predição. Também há muita coisa sendo desenvolvida na área de drones e de veículos autônomos.

Até que ponto as aplicações ligadas à inteligência artificial podem ajudar a empresa a alcançar seus objetivos de eficiência e sustentabilidade?

Usamos a IA em quase todos os setores, para acelerar análises e processos. Mas uma das entregas que mais têm me impressionado é o uso da tecnologia para monitorar todo um espaço, usando apenas imagens de satélite. A IA está muito madura no reconhecimento de imagens. Para você ter uma ideia, se antes alguém avisava que havia uma mancha no mar, era preciso sair com um helicóptero e tirar fotos, ou sair com um barco e tirar fotos. Depois as imagens iam para um centro de controle, onde eram analisadas e identificadas. Hoje, o próprio satélite, que tem um programa de inteligência artificial, quando vê alguma feição suspeita, manda para que o sistema analise, e tem a resposta em questão de segundos. Outro exemplo é o monitoramento de integridade de unidades, que antes era feito por equipes inteiras. Hoje a gente manda um drone e faz uma varredura rapidamente.

O Centro de Pesquisa é responsável por toda a inovação dentro da companhia?

É uma estrutura centralizada, ou seja, um único centro de pesquisa para todos os segmentos da companhia, que atua tanto nas pesquisas básicas quanto nas aplicadas. Então isso incluir pesquisas na área de exploração, reservatórios em toda a cadeia de produção, perfuração de poços, equipamentos submarinos, toda estrutura de plataformas de petróleo e tecnologias para isso. E depois a gente segue no refino. Temos também projetos nas áreas de meio ambiente, segurança, segurança de processos, saúde dos trabalhadores, além de áreas transversais como integridade de novos materiais, sustentabilidade e bio refino. O Centro já nasceu com o conceito de open innovation, de parcerias, algo muito comum hoje, mas que não era muito falado há 60 anos, quando começamos.

O que existe em comum entre essas áreas é que todos os nossos drives, todas as pesquisas são feitas em conexão com o negócio da companhia. Quer dizer, a intenção do CENPES é criar soluções tecnológicas desenvolvidas para os diversos setores da empresa. Então, tudo que a gente faz de alguma forma está conectado com essa Petrobras do presente ou tenta extrapolar para a Petrobras do futuro. Mas, ao mesmo tempo, trabalhamos de forma transversal, com 17 grandes linhas que dão conta dos nossos desafios. Eu tenho uma linha de pesquisa focada em secos, em refino, em eólica e solar. Outra linha foca em exploração do futuro, com o uso intensivo de dados.

Dentro do foco da inovação aberta, a maior parte do trabalho é com empresas de grande porte, startups ou com pesquisadores de universidades?

Temos um programa chamado Conexões para Inovação, onde colocamos todos os desafios tecnológicos para os quais buscamos parceiros. Então, só esse ano já foram publicados mais de 300 desafios. O programa é dividido em oito módulos, cada um deles direcionado para um tipo de parceria. Então há um módulo mais focado em universidade, outro em startups, outro para grandes empresas, outro em tecnologias que estão quase prontas - ou que já funcionam em outra indústria, mas não foram testadas com petróleo. Então a definição de qual será o melhor parceiro vem do desafio. Se preciso de um grande equipamento, vou para as grandes empresas. Mas, se estou falando de uma problema que ainda está ainda num nível de maturidade muito básica, vamos para as universidades, nossas melhores parceiras. E tem um tipo de desafio muito específico, que requer agilidade, e para isso as startups são são muito interessantes. Hoje, temos 54 startups que trabalham com a gente, nas quais foram investidos R$ 54 milhões.

No caso das startups, qual costuma ser o tipo de relacionamento e parceria? Vocês compram uma participação, a empresa inteira, ou contratam como fornecedores?

Até hoje a gente tem trabalhado no formato de parceria. Quando investimos em startups, é para acelerar o desenvolvimento da tecnologia, para que possamos nos beneficiar lá na frente. E, ao mesmo tempo, a gente discute um contrato de titularidade de propriedade intelectual, para que ela também possa fornecer essa tecnologia para outras empresas que não a Petrobras.

Para o futuro, você aposta em alguma tecnologia que possa mudar totalmente o setor?

Cada vez eu me impressiono mais com a impressão. Porque não há limite para o que ela pode imprimir, não é? No caso da exploração submarina, por exemplo, estamos imprimindo tudo em 3D, e em metal. Então a tecnologia é perfeita para coisas mais embrionárias, mas com tudo para crescer em escala. Quando montamos nossos sistemas submarinos com as pequenas impressões em 3D, é como se estivéssemos criando um novo mundo, uma espécie de Atlântida, onde tudo acontece no fundo do mar. É quase como um filme de ficção científica.

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