Gente

Por Winnie Bastian*


 — Foto: Franco Amendola
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Um nômade criativo? Pode-se dizer que sim. Viajar Brasil afora é parte essencial do trabalho que Marcelo Rosenbaum escolheu fazer com alguns dos povos e etnias mais antigos do país há mais de uma década. Com a sócia, Adriana Benguela, e toda sua equipe, usa a arquitetura e o design como ferramentas de transformação social. Para desenvolver essas atividades, considera fundamental a imersão nas comunidades onde atua. Entre idas ao Vale do Catimbau, PE, e à Ilha de Marajó, PA, ele falou à Casa Vogue sobre os projetos atuais e discorreu a respeito de temas ligados à arquitetura e ao design. Reforçou ainda a necessidade urgente de uma compreensão mais ampla da cultura e sua relação com a natureza.

 — Foto: Franco Amendola
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Arquitetura e design como ferramentas de transformação social: essa tem sido a tônica do seu trabalho nos últimos anos, especialmente com a criação do Instituto A Gente Transforma. Há uma atuação forte ao lado de comunidades indígenas e um aprendizado que vem da natureza. Como você vê essa relação?

A cultura dos povos indígenas está totalmente ligada ao meio ambiente. Eles tratam a natureza como um parente: têm por uma árvore, pelo rio ou pelo vento o mesmo amor que têm pelo filho, pelo tio ou pelo pai, e a isso devemos nossa biodiversidade. Porém um processo colonizador de mais de 500 anos rompeu esse entendimento do que é a natureza. Hoje, quando falamos de cultura, de saberes tradicionais e da manutenção desses saberes vivos nessas comunidades pelo Brasil, estamos falando também de preservação da natureza e dos biomas, da “floresta em pé”. Com o A Gente Transforma (o Instituto e o nosso trabalho como ferramenta de transformação social), me coloco como um aprendiz dessa relação intrínseca de amor com a natureza. Já são 14 anos trilhando esses caminhos, sempre no aprendizado da escuta, do entendimento de como seguir para o futuro a partir desses encontros e alianças.

 — Foto: Franco Amendola
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Como você vê a situação da Floresta Amazônica, que, segundo pesquisa recente publicada na revista Nature*, tem até 47% de seu território ameaçado de entrar em colapso irreversível até 2050? Existe esperança?

A visão não é muito otimista. O desmatamento do Cerrado, por exemplo, é pouco falado, mas ele é uma grande “caixa-d’água”, já que oferece água para outros biomas, e a Floresta Amazônica forma rios voadores [correntes de umidade levadas pelo ar], que, no fim, abastecem a agricultura do Sudeste. Tudo está interligado. Mas enquanto estivermos vivos, há esperança. A meu ver, nossa questão hoje é de conscientização: para que vamos ficar criando mais objetos para o desejo e o consumo sem trazer nenhum elemento de educação? Cada um deve fazer a sua parte: nós, arquitetos e designers, temos que “adiar o fim do mundo”, como bem disse Ailton Krenak. E com alegria, porque nessas comunidades, apesar da luta, há alegria e honra de estar vivo – e esse, para mim, é um dos maiores aprendizados. O saber tradicional é uma riqueza, cria oportunidades de recurso financeiro para quem o detém. No Brasil profundo, por exemplo, o artesanato permite que as pessoas cheguem a um lugar muito básico de educação, segurança alimentar e hídrica – e é sobre isso que estamos tratando, ainda, em pleno século 21.

 — Foto: Franco Amendola
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Falando nisso, como você percebe o momento atual do Brasil?

Nós passamos por um retrocesso gigante. O Brasil tinha se transformado numa espécie de prateleira de supermercado com uma série de ativos e prevalecia o capital. Tanto a natureza quanto o ser humano não tinham importância, era assustador. Agora é um momento de transformar tudo isso: tem-se valorizado muito mais a cultura, a criação de políticas públicas, a diversidade de pessoas... Penso em Naine Terena, uma indígena genial, absolutamente capacitada e conectada com todas essas questões políticas e culturais, que está dentro do Ministério da Cultura. E na própria ministra Margareth Menezes, uma mulher negra, da Bahia, da música, que está lá fazendo essa gestão. Então temos esse sopro de esperança, mas é um caminho longo, pois tudo isso ainda está sendo confrontado com a questão do capital, com interesses de um projeto desenvolvimentista e que nega o ser humano. E não é só o governo: as empresas também têm o dever de se conectar com sua comunidade, seu entorno e gerar essa consciência para o consumidor. Temos que pensar de que modo nossa atuação pode ser pautada também pela responsabilidade. Não precisa ser tudo em cima de lucro, podemos fazer parte de um novo momento de conscientização e restauração.

A cultura dos povos indígenas está totalmente ligada ao meio ambiente. Eles tratam a natureza como um parente: têm por uma árvore, pelo rio ou pelo vento o mesmo amor que têm pelo filho, pelo tio ou pelo pai, e a isso devemos nossa biodiversidade
— Marcelo Rosenbaum

Você e sua equipe estão desenvolvendo o projeto da Universidade dos Saberes Yawanawá, no Acre, que vai proporcionar a vivência do cidadão comum com os indígenas. Vi um depoimento do cacique Biraci Brasil Yawanawá sobre como essa vivência (que já acontece na aldeia) fez com que eles praticassem as próprias tradições, trouxe de volta a autoestima e estimulou os jovens a permanecerem por lá. O que você pode falar sobre o projeto?

As construções ancestrais dos Yawanawá literalmente se derretiam na natureza com o tempo e viravam insumo para a terra, porque eram feitas apenas com materiais naturais – e não existe nada mais sustentável do que isso. O que estamos propondo agora também se derrete com o tempo, mas é feito com outras matérias-primas, porque a madeira já vem beneficiada da cidade. Como construir lá é muito caro, temos que focar numa lógica construtiva de baixo custo, duradoura e com o mínimo possível de material. Por isso, convidamos o engenheiro Hélio Olga para chegarmos ao uso racional dessa matéria-prima, com menos quantidade e mais resistência. E, para trazer mais conforto térmico, usamos recursos de projeto, como grandes beirais e orientação solar inteligente, além de novos materiais industrializados, mas tecnológicos e sustentáveis, como o telhado sanduíche, já utilizado em indústrias e em casas bacanas do litoral paulista. Por que não levar essas soluções para a floresta?

 — Foto: Franco Amendola
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Outro projeto muito interessante no qual você está envolvido é o do Conselho Indígena de Roraima (CIR), cuja fachada já anuncia o propósito do edifício. Pode contar um pouco sobre ele?

O CIR é composto por dez etnias que se uniram nos anos 1970 para defender os interesses e direitos dos povos indígenas de Roraima. Esses grupos já foram inimigos em algum momento da história e hoje estão juntos em defesa da comunidade – é uma lição de vida. Esse edifício será um centro onde eles receberão os parentes que vivem nos territórios e que chegam a Boa Vista, capital do estado, para tratar de questões pessoais ou comunitárias. Quando fui até lá para conhecer o local, recebi o melhor briefing que já tive em toda a minha vida: eles me passaram exatamente qual era a necessidade para hoje, para daqui dez anos e uma previsão para 30 anos. Criamos um espaço que, além das demandas funcionais, tem outras duas questões: a da segurança (eles sofrem ameaças constantes, então precisam estar protegidos ali) e a do calor extremo. Por isso decidimos fazer uma fachada que filtra o sol, uma espécie de muxarabi que remete aos grafismos indígenas e deverá ser feito com madeiras apreendidas pelo Ibama.

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Existe ainda um projeto em andamento no norte do Ceará, certo?

Isso mesmo, para os tremembés. Ele traz a mesma questão do CIR: em vez de palha, usamos materiais mais resistentes e que oferecem segurança. Os edifícios serão de tijolo cozido, mas um deles será feito de adobe, técnica usada nas construções ancestrais deles, abandonada com o advento da colonização. E acabo de me lembrar de outro trabalho que está em andamento: com a Escola da Cidade [faculdade de arquitetura na capital paulista], estamos desenhando a 1ª Bienal de Arquitetura Ameríndia, que deve acontecer em São Paulo ainda este ano para levantar a discussão sobre território e técnicas, e engajar a conscientização dos indígenas para o entendimento da arquitetura como uma ferramenta para a defesa do território.

Como você vê o desenvolvimento do seu trabalho no futuro? Tem alguma coisa que ainda quer realizar?

Hoje nós temos recebido muitas demandas em territórios indígenas, são questões emergenciais e com muito pouco recurso. Quero continuar a fazer esse tipo de trabalho e multiplicar essa metodologia de uma forma educacional mesmo. Meu sonho é que consigamos ter um fundo, que as indústrias e empresas possam apoiar nosso trabalho para, quem sabe, construirmos escolas e multiplicar essas moradas com qualidade de vida nesses territórios. Muitos desses projetos não têm recursos. Então o desafio é termos essa escalada e conseguirmos continuar atendendo essas demandas, sempre pensando na sustentabilidade e buscando a multiplicação desses conhecimentos adquiridos durante todos esses anos de experiência. São formas de fazer que não são únicas nem absolutas, mas que vêm dando certo. Então, por que parar em mim?

Para que vamos criar mais objetos para o desejo e o consumo sem trazer nenhum elemento de educação? Cada um deve fazer a sua parte: nós, arquitetos e designers, temos que ‘adiar o fim do mundo’, como bem disse Ailton Krenak
— Marcelo Rosenbaum

*Flores, B. M., Montoya, E., Sakschewski, B. et al. Critical transitions in the Amazon Forest system. Nature 626, 555–564 (2024). https://doi.org/10.1038/s41586-023-06970-0

*Matéria originalmente publicada no Yearbook de 2024. Garanta o seu aqui.

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