O empresário Francisco Luiz Bergamo usava filme positivo, mais conhecido como slide, para fotografar e depois fazer as projeções para a família.
“Um dia ele [Bergamo] me deu a câmera e fiz uma foto dele com a minha mãe. Ao fazer a projeção, ele me abraçou e disse: ‘Olha, minha filhinha é fotógrafa!’ Aquilo me marcou muito, acho que ali virei fotógrafa. Eu tinha uns seis anos”, lembra Marlene Bergamo.
A decisão definitiva pela fotografia veio quando ela terminou o colegial. Ganhou uma câmera Pentax da avó, com a qual foi fazer um curso na escola Focus, em São Paulo.
“Fiz também publicidade, que não tinha nada a ver comigo. Já detestava tudo o que se referia a publicidade”.
Nessa época, também fez frilas para a revista Playboy e trabalhou como assistente de estúdio. “Era moleca e estava procurando meu lugar ao sol. Mas ainda não sabia direito onde eu queria tomar sol”.
Encontrou o que procurava durante uma pauta, quando teve o atrevimento de pedir emprestada uma teleobjetiva ao fotógrafo que estava ao seu lado. Era Cesar Itiberê, então editor-assistente de fotografia da Folha.
“Como é cara de pau, guria! Como me pede uma lente? Você nem me conhece”, disse Itiberê a ela. Apesar da reação enfática, ele acabou emprestando.
Depois que ela devolveu a lente, Itiberê sugeriu que fosse à Folha. “Eles adoram gente cara de pau como você.” Marlene respondeu que mal sabia fotografar, mas ele reiterou o convite. “Não precisa saber fotografar, precisa ser cara de pau! Fotografia você aprende”.
Marlene colocou as poucas fotos que havia feito em uma pasta vermelha e foi ao jornal. Apresentou o portfólio para Homero Sergio, o outro editor-assistente, que lhe deu um conselho desanimador.
Disse que jogasse no lixo o portfólio, tão ruim que era, mas recomendou que ligasse para o jornal mais adiante porque poderiam surgir oportunidades. Ela ligava todo dia. Insistiu tanto até que foi chamada para uma pauta.
Assim, em 1986, Marlene Bergamo, hoje uma das maiores referências em fotojornalismo do país, entrou para a equipe da Folha.
Como Itiberê tinha previsto, a técnica veio depois: “Eu aprendia com todo mundo: Ed Viggiani, Adi Leite... Antônio Gaudério me ensinou a fotometrar [medir a luz]. Também aprendi com Jorge Araújo, Niels Andreas e outros. Era uma equipe muito boa”.
Marlene começou na Folha como fotógrafa da coluna da jornalista Joyce Pascowitch, na qual criou um estilo próprio. Colocava a câmera e o flash de cabeça para baixo, criando sombras inusitadas no rosto dos fotografados.
“Para minha sorte, o que mais interessava para a Folha nessa época nem era a técnica, em que eu era péssima, mas a criatividade, a invenção. O jornal não queria mais fotos caretas. Aprendi a fotografar sendo criativa e foi isso que garantiu minha vaga”.
Cansada do trabalho na coluna social, ela foi deslocada para o extinto Notícias Populares, também do Grupo Folha. “Fiquei cinco anos na madrugada cobrindo só homicídios, tragédias... Ali eu virei jornalista”, lembra.
Indignada com o alto índice de crimes no Jardim Ângela, na capital paulista, Marlene fundou a ONG Papel Jornal em meados da década de 1990.
“Me dei conta de que precisava parar de fotografar esses meninos mortos e ajudá-los a não morrer”, conta ela, que promoveu cursos de jornalismo na ONG por dez anos.
Depois do NP, Marlene voltou a ser parceira de Joyce na coluna —curiosamente, foi sua irmã Mônica Bergamo quem assumiu a seção da Ilustrada após a saída de Joyce.
A forma como se aproximava dos fotografados, tanto na coluna social quanto no noticiário policial, diferenciava Marlene de outros profissionais. “Eu queria sentir o cheiro da morte e o perfume da elite. Era uma questão existencial, não técnica. Eu precisava disso para entender o que eu estava fazendo e entender o mundo”, afirma.
Em seus mais de 30 anos de Folha, ela acumulou grandes coberturas e prêmios. O massacre no presídio do Carandiru, em 1992, onde 111 detentos foram executados pela Polícia Militar, teve especial relevância na carreira da fotógrafa.
“Me mandaram ao IML (Instituto Médico Legal) para tentar fotografar os corpos”, lembra. “Vesti uma roupa mais simples e a rasguei um pouco. Fiz um furo numa bolsa, encaixei uma câmera e entrei na fila de reconhecimento dos corpos. Entrei em um salão com um monte de caras mortos e fiz a foto”.
A imagem retratava o tamanho da tragédia. Ganhou as capas dos jornais do Grupo Folha, conquistou prêmios e correu o mundo.
Aos 54 anos, Marlene mantém o trabalho na Folha e projetos pessoais. “O que sou hoje se deve a esses 30 anos. Foi o jornalismo que me forjou e me tornou um ser crítico”.
Este texto faz parte do projeto Humanos da Folha, que apresenta perfis de profissionais que fizeram história no jornal.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.