O pai, um fotógrafo amador, e as revistas que via em plena ditadura, foram as fontes inspiradoras para Luiz Carlos Murauskas, o Luizão. O então jovem de 12 anos, nascido na capital paulista, ficava incomodado com o fato de que muitas vezes o texto não batia com a fotografia.
“Por isso sempre me preocupei em fazer fotografias que não precisassem de texto. Elas, por si só, refletiam o que eu pensava e o que eu queria transmitir.”
Aos 15 anos começou a fotografar com um grupo de amigos do colégio e a “colocar na cabeça um pouco de política, com informações de colegas mais velhos que tinham participação política. Esse foi meu norte para seguir na carreira. Fiz algumas fotos para jornais pequenos até chegar à Folha, em 1966, onde comecei a fazer plantões no laboratório, de madrugada.”
Foi em uma tentativa de roubo no Masp quando arrombaram uma porta lateral, de madrugada, no final dos anos 1960, que tirou Murauskas do laboratório e o levou às ruas. Como não havia fotógrafo disponível no momento, pegou uma câmera e foi para o local do crime e suas fotos ganharam destaque na edição do dia seguinte.
Além das pautas cotidianas, Ulysses Guimarães, Tancredo Neves, Paulo Maluf, Gilberto Kassab e Lula foram alguns dos “fregueses” nos seus furos fotográficos.
“Independentemente do que eu era politicamente, na fotografia eu sempre fui neutro. Na hora eu estava representando a Folha e não tinha que dar minha opinião. Minha foto não mentia.”
Quando perguntado como ele definia seu perfil profissional, diz emocionado: “Eu sempre quis mostrar a realidade porque eu tinha na mão um grande jornal. Eu sempre mostrei a realidade do ser humano passando fome ou esquecido no mato. Tinha uma forte visão social no meu trabalho, tanto com o leitor quanto com quem eu estava fotografando. Minhas fotos mostravam a miséria, a falta de saúde e educação. São coisas que eu queria mostrar para que o leitor soubesse.”
Nesse contexto, um de seus trabalhos mexeu profundamente com um sistema de saúde e carcerário já falido, cruel e desumano, o Manicômio Judiciário do Juqueri, em Franco da Rocha.
Em setembro de 1983, Murauskas conseguiu fotografar algo inédito na imprensa. Uma sessão de eletrochoque. Ele e o repórter Alexandre Kadunc tinham como missão apurar denúncias de maus-tratos a internos no Juqueri, e conseguiram uma entrevista, com um diretor. Fotos? Só o retrato dele e nada mais.
Durante a entrevista, Murauskas viu uma equipe carregando um aparelho de eletrochoque passando pelo corredor. Rápido e astuto, como sempre foi, interrompeu a conversa e perguntou ao entrevistado onde ficava o banheiro, ao mesmo tempo em que, com uma das mãos, fez sinal para o enfermeiro que carregava o equipamento parar. Diante da resposta do diretor que o banheiro ficava “no corredor”, repetiu a pergunta, simulando que não havia escutado. “No corredor”, repetiu o diretor, dessa vez em tom mais alto, de modo que o enfermeiro também ouviu a reposta.
Em seguida, completando a armação, falou ao enfermeiro: “Seu chefe pediu para eu fotografar a sessão, tá? Se tiver dúvida pergunta pra ele”. Com emoção Murauskas define o horror: “Foi triste ver aquela mulher vestindo somente um avental, deitada em um colchão no chão e sendo eletrocutada.”
A artimanha foi descoberta logo depois e Murauskas foi pressionado a entregar o filme. Deu um não usado, pois o filme verdadeiro estava bem escondido em suas meias. No dia seguinte, o escândalo estava na primeira página.
Hoje, aos 71 anos, 51 deles passados na Folha, de onde saiu em 2017, Luizão Murauskas tem seu foco voltado mais para o filho do segundo casamento, Luiz Henrique, com sete anos.
“É que eu preciso fazer um intensivão com ele, pois sei que não vou ficar muito mais tempo por aqui e a lição não pode ficar pela metade.”
Este texto faz parte do projeto Humanos da Folha, que apresenta perfis de profissionais que fizeram história no jornal.
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