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Dating em Lisboa: “Nunca imaginei que barrar manteiga num pedaço de pão pudesse ter algo de erótico”

Foto: IMDB / Ferrari
04 de julho de 2024 Maria Pestana

Pão com manteiga. Esse pequeno prazer ao qual nos rendemos quando se trata de manteiga verdadeira feita a partir de leite de vaca com sal, e não aquele creme vegetal com o qual nos teimam, por vezes, em besuntar as torradas, transformou-se no meu afrodisíaco mais surpreendente. Nunca imaginei que barrar manteiga num pedaço de pão pudesse ter algo de erótico ou tão pouco de sensual. Nunca imaginei que barrar manteiga num pedaço de pão me fosse fazer enrubescer. Talvez fosse a beleza dos pequenos atos, os movimentos, a forma como se pega na faca e se espalha a manteiga. Talvez fosse a fome, a verdadeira, que nos faz o estômago roncar e as papilas gustativas salivar. Talvez eu estivesse bonita, com as bochechas queimadas depois de um dia inteiro de praia, e a manteiga fosse mesmo boa. Talvez apenas transpirássemos sexo e quando transpiramos sexo com alguém, diz a ciência, isso se torne algo tão básico, mas tão delicioso quanto o simples ato de comer um pedaço de pão com manteiga. Porque quando duas pessoas transpiram desejo uma pela outra, mesmo não dizendo, ambas o sabem e quem está ao redor também o sente.

Celebrei o meu aniversário recentemente - não vos digo a idade porque sei que apreciam um certo mistério -, e fui passar uns dias a sul com uns amigos. Num desses dias terminámos num daqueles ambientes idílicos de filme, em casa de alguém que conhece alguém que possui uma casa sobre as dunas. Da varanda, uma mesa estendia-se sobre o areal, que é literalmente o seu jardim, e não existem cadeiras, a areia é o assento. Eu estava maravilhada com os pequenos detalhes da pitoresca casa piscatória com ares de revista de decoração. O teto de madeira pintada de branco, os espanta espíritos de conchas espalhados por todo o lado, o chuveiro ao lado da porta de entrada, na rua, para limpar o sal da pele ainda com a brisa do mar. Não estava excessivamente calor, mas estava quente. Eu não conhecia ninguém além dos meus dois amigos, fui apresentada e deixada a contemplar aquele cenário surreal, com um copo de vinho branco fresco servido num cálice de plástico à prova de pés descalços. O pôr-do-sol surgiu no horizonte, corremos para a praia, tirámos fotografias, passou. E depois, inevitavelmente, tornei-me o centro das atenções, a novidade daquele serão que era regular entre aquelas pessoas habituadas a viver num estilo de favela, onde é verão o ano inteiro mesmo quando não o é.

Sofri o interrogatório habitual. "O que fazes?", "Como se conhecem?", "Já tinhas feito praia aqui?". Sobre a mesa, alguém pousou um cesto de pão e manteiga que eu comecei a barrar para as crianças. A filha dos meus amigos, sentada a meu lado, comia o pão lambuzando os dedos na manteiga. Do outro lado, debruçado do areal sobre a mesa alguém diz: "Já que vi barras tão bem manteiga, achas que me podes fazer um bocado de pão com manteiga?". Peguei numa fatia de pão, espalhei a manteiga generosamente e ofertei-lhe. Ele deu uma dentada. Suspirou. "Devem existir poucas coisas que sabem melhor do que comer pão com manteiga barrado por outra pessoa". Controlei o riso nervoso e agradeço à pele beijada pelo sol qualquer resguardo que tenha feito às minhas bochechas coradas, pois este simples comentário marcou a energia de um jantar que tinha tudo para ser banal, mas onde a tensão sexual entre nós se tornou óbvia para todos os presentes. "O que é que estás para aí a dizer?", alguém perguntou. Ele repetiu. "Comentava que não devem existir muitas coisas melhores do que comer pão com manteiga barrado por outra pessoa". Quem não tinha ouvido, tornou-se testemunha. Sorri envergonhada, posso ser uma safada na cama, mas ainda coro fora dela. Estiquei-lhe o cesto do pão, a manteiga e a faca. Não fazia intenções de continuar a barrar mais pão com manteiga.

Alguém nos foi enchendo os copos de mais vinho branco. Alguém deixou sobre a mesa de tábuas brancas queijo, enchidos e húmus. Alguém comentou que ele adorava húmus com palitos de aipo, eu também adoro húmus com palitos de aipo. Ele tentou dar-me palitos de aipo com húmus à boca enquanto ninguém via, ou enquanto todos fingiam não ver. Eu peguei nos palitos e comi por mim. O filho brincava algures dentro de casa. Meti a mesa, coloquei os pratos, ele deu-me os talheres, estendeu-me os guardanapos. Mudei de lugar, ele seguiu-me. Sentei-me à cabeceira, ele à minha esquerda. Bebemos mais. A carne assava na churrasqueira. Alguém assava. Ele passou a encher o meu copo, a servir-me o cuscuz e as fêveras. Quando se falou sobre barcos comentou como a ex-mulher achava o seu barco fraquinho, mas que adorava o barco do vizinho. Senti-lhe a mágoa. Fizesse o que fizesse, o seu barco, ou barquinho, nunca seria suficiente. Tocou-me no nariz. "Tens um escaldão". "Tenho? Não é nada, amanhã está bom, nunca me cai a pele", respondi. "És igual a mim". E era: ambos morenos, de olhos verdes. Ambos adorávamos um bom flirt, mas eu era nova ali. Queria comportar-me. Queria encaixar-me. Olhava para ele e sabia, sabia que se quisesse seria meu. Bastaria uma simples desculpa. "Vou ver o mar", "Apetece-me ir molhar os pés", "Tenho vontade de mergulhar nua. Vens comigo?". Como se apaga esta ânsia? Este desejo fulminante que me dá vontade de abdicar de tudo? Eu achava que se apagaria com um amor, um amor onde pudesse arder, mas todos tendem a apagar-me. Não pode uma relação arder devagarinho? Se calhar sou eu que não sei arder mansamente. Ardo por inteiro ou extingo-me.

Nessa noite, fiz os possíveis por extinguir-me. Controlei todos os meus impulsos. Não dei azo a confusões, a tensões desmedidas. Não joguei charme. Não mordi o lábio, nem mexi no cabelo. Não lhe toquei sequer e, durante praticamente todo o tempo, ele esteve em tronco nu, vestindo uma camisa apenas para o jantar. Na hora do regresso entrei no carro calada, muda, mas não surda. Ouvi todos os comentários sobre o quão ele me jogou a asa. "Bem… ele não só te jogou a asa, como se lançou à frente de toda a gente!". Disfarcei. "Foi? Nem me apercebi, vocês são uns exagerados". Mas não eram. O que aconteceu naquela noite não sendo amor à primeira vista, foi tesão sem dúvida, e mesmo quem não a sente reconhece-a. Não trocámos números. Mas ele pediu o meu contacto aos meus amigos assim que chegámos a casa. Não falámos desde então. Nunca mais soube nada dele. Nem preciso. Ainda ardo. Oh, meu Deus, se ardo! E sei que ele também. A ciência pode até explicar estas coisas, mas elas continuam a permanecer um mistério, não é?

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