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Angela Rayner. De mãe solteira aos 16 a vice-primeira-ministra do Reino Unido

Nasceu e foi criada num bairro social, com uma mãe analfabeta e bipolar, e sobreviveu à base de refeições escolares grátis. Angela Rayner chega agora a número dois de Keir Starmer.

Foto: Getty Images
09 de julho de 2024 Madalena Haderer

Angela Rayner, a vice-primeira-ministra de Keir Starmer, é agora uma das mulheres mais poderosas do Reino Unido. E, no entanto, o seu começo de vida foi difícil e pouco auspicioso. Muito diferente do normal percurso de vida dos políticos britânicos, com cursos tirados nas prestigiadas universidades de Oxford e Cambridge. Rayner tem 44 anos e foi avó aos 37. Foi mãe solteira aos 16 anos e teve de desistir da escola. Na sua casa não havia livros porque a mãe não sabia ler nem escrever. Angela disse ao Financial Times que ainda hoje guarda ressentimento dos anos da infância por ter sido obrigada a cuidar da mãe, bipolar. Sobreviveu à base de refeições escolares gratuitas e em diversos momentos esteve em cima da mesa a possibilidade de ser entregue à guarda do estado. O nascimento de Ryan, o primeiro filho, deu-lhe a motivação que precisava para criar uma vida melhor para ambos. Que esse esforço a levaria, quase 30 depois, a ser o número dois do primeiro-ministro, provavelmente, não estaria nos seus planos. 

Rayner e Starmer, bem-dispostos, durante a campanha para as eleições locais, o equivalente das nossas autárquicas, em março deste ano
Rayner e Starmer, bem-dispostos, durante a campanha para as eleições locais, o equivalente das nossas autárquicas, em março deste ano Foto: Getty Images

Rayner nasceu em 1980, em Stockport, a sul de Manchester, e cresceu num bairro social. Passou anos a ouvir que nunca seria ninguém, principalmente depois de ter ficado grávida. Quando o filho nasceu, porém, para além de trabalhar para sustentar os dois, Angela conseguiu ingressar na universidade, em part-time, onde estudou linguagem gestual e assistência social. Um começo inusitado para entrar no Parlamento. Mas, afinal, quando não se chega à política subindo a escada da formação académica, dos amigos e familiares em posição privilegiada e do estar no sítio certo à hora certa, como é que se chega? Subindo a escada do sindicalismo, pois claro. 

Depois da sua formação, começou a trabalhar com idosos em instituições públicas de apoio à terceira idade. Ao jornal The Standard, Angela contou que, como era reivindicativa e estava sempre a questionar decisões de gestão que eram tomadas por pessoas que, claramente, não tinham noção do trabalho, um colega sugeriu que ela daria uma boa representante sindical. "Apesar de não fazer ideia do que era um sindicato", conta, foi isso mesmo que se tornou e depressa começou a progredir, muito devido à sua luta contra a privatização dos cuidados domiciliares a idosos. 

Rayner já foi criticada na sua primeira ida a Downing Street, por não ter escolhido uma roupa mais discreta
Rayner já foi criticada na sua primeira ida a Downing Street, por não ter escolhido uma roupa mais discreta Foto: Getty Images

Rayner continuou a subir até chegar ao topo da sua organização sindical – que representava cerca de 200 mil trabalhadores –, o que levou a que, em 2015, tivesse sido eleita deputada por Ashton – a primeira mulher deputada por aquele círculo em 180 anos. Foi ainda nas funções de sindicalista que Angela conheceu o seu marido Mark Rayner, com quem se casou em 2010, teve dois filhos, e depois se divorciou em 2020.

Angela diz o que pensa de forma bastante confrontacional e sem "papas na língua". Foi subindo, a pulso, na hierarquia do partido trabalhista, ainda sob a liderança de Jeremy Corbyn. Quando em 2016 houve uma demissão em massa dos deputados trabalhistas contra a forma como Corbyn dirigia o partido, Rayner manteve-se no seu posto e foi sendo promovida até receber a pasta de ministra-sombra da educação – uma figura típica do governo britânico que atribui pastas a deputados da oposição para que estes sigam atentamente as áreas que lhes são atribuídas e sejam capazes de as liderar, caso haja uma súbita mudança de poder. Nessa altura, foi a mais jovem deputada a receber essa responsabilidade.

Mais um momento de animação, desta vez, na convenção trabalhista de 2022
Mais um momento de animação, desta vez, na convenção trabalhista de 2022 Foto: Getty Images

A sua forma de estar frontal e aguerrida tem-lhe valido inúmeras críticas e até ameaças de morte e violação. Em 2022, por exemplo, um artigo do Mail On Sunday dizia que diversos deputados conservadores a acusavam de ter protagonizado uma cena estilo Instinto Fatal, cruzando e descruzando as pernas, qual Sharon Stone a ser interrogada, com o propósito de desorientar Boris Johnson. O artigo recebeu críticas ferozes, com Johnson a ser obrigado a pôr água na fervura, dizendo que embora tenha claras divergências políticas com Angela, "deplora a misoginia que lhe está a ser dirigida de forma anónima".

Um outro episódio caricato da sua carreira de deputada – e que, curiosamente, também está, de alguma forma, ligado ao cinema – ocorreu uns anos antes, quando Angela tentou comprar uns sapatos de salto alto com padrão do R2-D2 – o robot baixinho da A Guerra das Estrelas – e quando descobriu que o modelo estava esgotado, mandou uma carta a ameaçar a loja, escrita no papel oficial do Parlamento. O caso atraiu enorme atenção mediática e ficou conhecido como "Shoebacca-gate".

Talvez venha a ser útil a Starmer ter junto de si alguém que diz o que ele não pode dizer
Talvez venha a ser útil a Starmer ter junto de si alguém que diz o que ele não pode dizer Foto: Getty Images

Devido a estas e outras polémicas, Keir Starmer tentou removê-la do lugar de número dois do partido trabalhista, para o qual havia sido apontada em 2020. Mas Angela lutou para manter a sua posição, como, de resto, tem feito desde sempre, e Starmer conformou-se. Ou isso, ou, tendo em conta que o descrevem como um político e advogado calmo, ponderado e moderado, nada ao estilo de advogado litigante, mas mais ao estilo de um juíz, talvez o primeiro-ministro tenha dado conta do benefício de ter alguém capaz de dizer coisas que ele gostaria de dizer, mas não diz.

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