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Crónica Dating em Lisboa. “Virei o Santo António de cabeça para baixo à espera de namorado”

Foto: Pôr Do Sol, de Manuel Pureza / RTP
12 de junho de 2023 Maria Pestana

Às vezes, o Santo António gosta de nos pregar umas partidas. Não sei bem se por graça, se por mero acaso, mas mete-nos no caminho provações quase que para testemunhar se estamos, de facto, disponíveis para amar – creio eu. Num desses dias de junho, com os arraiais lá fora e o cheiro a sardinhas no ar, embarquei num jantar que começou com a pergunta: "Então, foste ao dentista hoje, não foi?". Parecia um tema banal, desinteressante, mas banal. Uma muleta para quem procura iniciar conversa sem saber bem como, mas o raio do Santo tinha uma boa preparada na algibeira. "Eu também devia ir ao dentista. É que, há uns anos, numa viagem à neve, parti este dente da frente a esquiar e agora a coroa está a descair", começou por explicar o Gonçalo, o meu date dessa noite, enquanto apontava para o dente.

Levantei a cabeça, parei de besuntar manteiga no pão, e olhei bem para ele, fixando-o por uns segundos. "Oh, valha-me Santo António, estou num date com a Mary Poppins". O meu pobre cérebro entrou em curto-circuito ao ver o rapaz sorrir com um dente pendido. Entrei num loop de pensamentos: "Tu consegues, Maria, tu consegues. É só um dente descaído" versus "Não, eu não tenho maturidade para isto. Ele parece a Mary Poppins quando chega de guarda-chuva pelos ares, assustadora com a verruga e o dente saído". Mas lá me aguentei durante um jantar inteiro, enquanto pregava sermões ao Santo que se diz casamenteiro por mais esta peripécia.

Uns dias antes, estava sentada no sofá com a minha colega de casa. Estávamos ambas no Tinder quando nos apercebemos de que poderíamos estar a fazer match com as mesmas pessoas e tivemos aquele momento: "Espera aí, diz lá os nomes dos rapazes com quem estás a falar" e percebemos que, de facto, falávamos com um em comum. Ela ia em vantagem, tinham feito match antes e trocado já várias mensagens. "O amigo do Tinder já te falou dos cães?", perguntou ela. "Acabou de o fazer", respondi. "Diz-lhe assim: a Lolita e o Caju?". Achei a ideia brilhante e respondi de acordo com o que sugeria. "A menina não quer um date, a menina quer fogo no parquinho", disse ela enquanto ríamos às gargalhadas no sofá.

Nesse processo de tentar conhecer pessoas através das redes sociais deparei-me com o perfil de um amigo de uma amiga no Instagram que me pareceu interessante. Moreno, bem parecido, passava muito tempo em barcos, veleiros e no mar. Vivia na linha de Cascais. Parecia ter um estilo de vida descontraído e atraente. Fiz-lhe um pedido de amizade e deixei alguns likes casuais em algumas das fotografias. Algumas horas depois dá-se o processo inverso e eu dou-me por satisfeita. Fizemos match, apenas numa rede social diferente. Passados alguns dias, o Gonçalo enviou-me uma mensagem e começámos a falar. Descobri que viajava muito de barco, passava temporadas lá fora, vivia no Estoril, tinha uma série de irmãos mais velhos e mais novos, a avó tinha uma propriedade no Ribatejo para onde ele gostaria de se mudar quando fosse mais velho. Parecia interessante e ter valores que poderiam corresponder aos meus. No entanto, a diferença do Tinder para o Instagram é o tempo. É um processo mais demorado de troca de mensagens, mais casual, mais descomprometido. A nossa troca de mensagens desenrolou-se durante alguns meses até que, um dia, o Gonçalo finalmente me convidou para jantar.

Eu escolhi o restaurante, o sitiozinho pequeno e novo que tinha aberto perto de minha casa e que estava enfeitado com fitas e manjericos de papel. Sugeri que bebêssemos um copo antes, mas o Gonçalo chegou em cima da hora para jantar. Parece que tinha um par de calças especial para dates que, infelizmente, ainda estavam molhadas por essa altura e precisaram de várias passagens a ferro até secar. Demasiada informação para um primeiro date? Talvez, mas eu estava com as minhas jeans bootcut que favorecem largamente o meu traseiro e com uma camisola que ata à cintura. Discreta, mas igualmente culpada por escolher o outfit perfeito para impressionar num primeiro encontro.

Depois do impacto de perceber que estava num date com a Mary Poppins, cujo dente descaído teimava em aparecer de cada vez que sorria ou me olhava sem se dar conta, comecei a falar sem parar. Falei, falei e falei. Fiz imensas perguntas e dei-lhe pouco espaço para responder. Foi a única forma que encontrei para me aguentar durante as cerca de duas horas que terão durado o jantar. No final, ausentou-se para ir à casa de banho e quando regressou a conta estava paga. Foi a primeira e única vez que um homem me pagou a refeição de forma discreta e elegante, sem danças com a fatura, sem exibicionismos. Gostei dele por isso. Achei-o simpático e educado. Saímos do restaurante, caminhámos a pé até minha casa. Pelo caminho comprou-me um manjerico e, por ironia, escolhi um com a seguinte rima: Santo António me acenou / De cima do seu altar. / Olha o maroto do Santo, / Que também quer namorar. Chegados à minha rua, o Gonçalo sentou-se no parapeito da janela de um café enquanto conversávamos. Chuviscava, debaixo do toldo estávamos abrigados. Sentei-me ao seu lado e durante todo o tempo desejei que não me tentasse beijar sob pena de fugir ou ter alguma reação que o pudesse ofender. Não o tentou fazer. Despediu-se de mim com um beijo na bochecha e eu subi.

Lá em cima, a minha colegava de casa esperava-me. "Então, como foi?", perguntou assim que meti um pé na sala. Bebia um copo de vinho enquanto ouvia um disco de vinil sentada no chão. "Ora bem, por onde começar… tinha um dente descaído e juro que só me fazia lembrar a Mary Poppins. E sabes o barco? É do patrão. Não é dele, mas pode levar miúdas a dar umas voltas", disse, enquanto pisquei um olho em tom gingão. Ela desfez-se em gargalhadas. "Pensavas que tinhas sacado o patrão e saiu-te o capataz", ria. Sentei-me ao seu lado, tirei-lhe o copo de vinho da mão e dei um golo. Rimos as duas no chão. O Gonçalo enviou uma mensagem no dia seguinte, dizia que tinha gostado muito do nosso encontro. Concordei. Nunca mais nos falámos. Algumas semanas depois, o Gonçalo anunciou no Instagram a namorada nova. Fiquei feliz por eles. Se me tivesse escolhido a mim, certamente, nunca teria havido nada para anunciar. O engraçado nestas coisas dos encontros é que nunca sabemos para o que vamos. Daquela fez, eu fui só o seu tira-teimas e ainda bem. Já o Santo António continua de cabeça virada para baixo à entrada da porta. Ainda hei-de arranjar namorado!

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