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Dating em Lisboa. “Ele era querido e estava, claramente, bêbedo. Deveria dar-lhe uma nova oportunidade? Não devia, mas dei.”

Foto: Hulu @Normal People
07 de setembro de 2023 Maria Pestana

O problema da terapia é que nos faz insistir em coisas que, por vezes, não devíamos. Tornamo-nos mais empáticos, aprendemos a pôr-nos no lugar do outro, a não julgar tanto. E aprendemos que, fundamentalmente, devemos ser mais pacientes. A minha terapeuta energética - não vamos comentar, tenho uma crónica sobre dates, é claro que sou uma pessoa duvidosa com algum tipo de problemática na sua génese -, diz que me foco demasiado, que devia ser mais descontraída. "Os homens vão e vêm, deixe fluir", diz ela. Pergunto-lhe se andamos a analisar a mesma vida sentimental. Ela não vê que todos os homens na minha vida vêm, vão e fluem? Geralmente, para longe. O Rui foi mais um desses, mas num contexto diferente. Querido, loiro – tudo errado, já -, levou-me a jantar ao Mercado de Campo de Ourique, comemos sushi. Acontece que, antes desse jantar, eu bebi umas cervejas no Jardim da Parada com umas amigas e fiquei demasiado alegre. Bebi mais um copo e convidei-o para minha casa. Recordo-me do espanto no seu rosto, tomava-me por uma boa rapariga e ali estava eu, a quebrar as regras da boa decência e a convidá-lo para uma foda no primeiro encontro.

Não foi memorável para mim, mas terá sido para ele. No dia seguinte, encheu-me de mensagens atenciosas. Tinha um jantar nessa noite e não podia estar comigo – eu também não tinha vontade de o ver, por isso, tudo bem. Também eu tive um jantar e cheguei a casa exausta, somando a ressaca do dia anterior. Enfiei-me na cama e estava pronta para dormir quando me perguntou se me podia ligar. Notei no tom que estava meio embriagado. Falava sobre como tinha gostado de me conhecer, como tinha sido uma lufada de ar fresco, uma irreverência. Depois, mudou o discurso, começou a mostrar-se preocupado porque, nas próximas duas semanas, estaria de férias no Algarve. "Logo agora, que te conheci". Aborreceu-me. Não tenho paciência para pieguices logo ao início. "E o que tem? Vais de férias, quando voltares ainda cá estarei!", respondi num tom ríspido e disse que ia dormir. "Ah, já vais dormir… estava a pensar passar aí para te dar um beijo". A pensar em passar para me dar um beijo? Sem pré-aviso? "Olha, Rui, se querias passar para me dar um beijo devias ter avisado mais cedo, não temos uma relação em que possas simplesmente aparecer", disse - e desliguei.

Mas ele era querido e estava, claramente, bêbedo. Deveria dar-lhe uma nova oportunidade? Não devia, mas dei. No dia seguinte, envie-lhe uma mensagem dizendo que sabia que tinha bebido demais e se excedera e sugeria que me fosse buscar ao trabalho para irmos ver o pôr-do-sol ao Guincho – fui egoísta, apetecia-me ir ao Guincho e claro que ele aceitou. Veio buscar-me de descapotável - o que seria incrível, mas quando o azedume já está instalado só parece piroso. Entrei sem vontade, meti uma playlist do meu Spotify, andava numa de ouvir música brasileira e recordo-me de ter posto algo de Terno Rei. Mal falei durante o caminho. Chegados ao Guincho decidiu levar-me a outra praia, mais recolhida. Porém, eu não queria ir a outra praia, queria ir ao Guincho, sentar-me no areal, ver o pôr-do-sol. Ficar no carro se tivesse muito vento. Azedei. Bebemos algumas cervejas numa esplanada, ele falou sobre trabalho, os novos projetos em que estava envolvido. Falou de forma entusiasmada e apaixonada. Eu sorri e acenei, esbocei um comentário ou outro. Também me falou sobre o pai, que tinha um bar numa praia do Algarve e nos tempos livres era pintor. Mostrou-me uns quadros seus. Achei que haveria de gostar dele. Pintava bem e era um homem bonito. O pôr-do-sol? Nem vê-lo. Tapado pelos rochedos da praia onde decidiu levar-nos e pelo bar onde eu não queria estar. Bateram as 20h00 e dei uma de Cinderela. "Vamos andando?". Entristeceu, achou que iriamos jantar.

"Convidei-te para vermos o pôr-do-sol, copo e pôr-do-sol", expliquei. Desculpou-se, eu tinha toda a razão. Fomos embora.

Parou diante da porta do meu prédio. Olhou para mim como um cachorro olha para a dona enquanto espera que esta lhe dê de comer. Queria uma festa, atenção, carinho. "Rui, acho que não estás pronto para estar com alguém, acho que precisas de estar sozinho. Não sei o que se passa contigo, mas algo se passa e precisas de o resolver antes de estares com alguém", comecei por lhe dizer de forma calma e assertiva. Expliquei-lhe que sim, cometera um erro ao trazê-lo para minha casa na primeira noite, saltei algumas etapas ao fazê-lo, mas não era perfeita. No entanto, não era natural que desejasse tanta atenção de alguém que acabara de conhecer, que achasse por bem aparecer sem avisar, preocupar-se por ir de férias. Falei durante algum tempo enquanto ele se manteve em silêncio. Quando finalmente terminei e olhei bem para o Rui continha um soluço e uma lágrima escorria-lhe pelo rosto, chegando à barba de um loiro arruivado. Perguntei se estava bem. "NÃO, É CLARO QUE NÃO ESTOU BEM! ACHEI QUE, FINALMENTE, TINHA ENCONTRADO A TAL!", gritou-me. Congelei. Quis inventar uma desculpa - "deixei roupa no estendal e faz-se noite, desculpa, mas tenho de ir" -, abrir a porta do carro e simplesmente sair. Não quis abraçá-lo, não senti empatia, senti pena. O Rui foi de férias as duas semanas. Quando voltou fodi-o mais algumas vezes. Estava aborrecida e ele era vulnerável. Deixámos de nos ver quando me fartei. Acho que foi a única vez que me comportei fria e despreocupadamente como um homem. Não me senti bem por isso, mas também não me senti mal. Em relação à terapeuta energética, despedi-a. Para incongruente já basto eu. 

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