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O ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal (STF), derrubou na quinta-feira (29/9) uma decisão da Justiça paulista que havia imposto diversas restrições ao humorista Léo Lins, além da obrigação de deletar de suas redes sociais o registro do espetáculo “Perturbador” por conteúdo entendido pela juíza como discriminatório contra minorias. Segundo Mendonça, a decisão impôs censura prévia ao humorista e houve “prejulgamento da manifestação artística na dimensão da liberdade de criação”. O ministro, entretanto, manteve a tramitação da ação penal contra Léo Lins.
Em maio, a juíza Gina Fonseca Côrrea, do Setor de Atendimento de Crimes da Violência Contra Infante, Idoso, Pessoa com Deficiência e Vítima de
Tráfico Interno de Pessoas (SANCTVS), determinou que Lins deletasse o registro da apresentação e qualquer conteúdo em imagem, texto e vídeo, que promovesse discurso de ódio contra minorias de suas redes sociais. Também proibiu a reprodução de piadas similares em apresentações presenciais. A decisão estabeleceu, ainda, visitas mensais obrigatórias à Comarca e proibiu a ausência do humorista da Comarca em que reside por mais de 10 dias, sem autorização judicial.
A defesa de Lins apresentou em julho, uma reclamação no Supremo, alegando que a decisão violou a liberdade de expressão e contraria posições adotadas anteriormente pelo Supremo. No mês seguinte, a Justiça de São Paulo manteve as medidas cautelares contra o humorista por perda de prazo na apresentação do recurso. No STF, Mendonça, entretanto, suspendeu a decisão com “todos os seus efeitos, sem prejuízo da regular continuidade de eventual inquérito policial ou ação penal em curso, decorrente ou conexo ao processo cautelar” e afirmou que a decisão não implica juízo de mérito acerca da responsabilidade criminal no processo.
De acordo com o ministro do STF, é consolidado na Corte o entendimento sobre a proteção constitucional garantida ao exercício das liberdades criativas, ainda que essas manifestações não sigam “critérios religiosos, morais ou ideológicos majoritários (ou mesmo minoritários) da sociedade”.
“O caso dos autos comporta, ainda, dois importantes registros complementares. O primeiro diz respeito ao ambiente em que as falas, supostamente ‘indicativas’ da prática de ilícito penal, foram proferidas. Trata-se, a toda evidência, de um show de humor, conhecido como stand up comedy, modalidade atualmente bastante difundida no Brasil, no qual imperam – e é exatamente isso que esperam os consumidores desses eventos – o riso, a galhofa, a deformação hiperbólica da realidade, a crítica abusada, debochada, mordaz, polêmica, por vezes ofensiva e, frequentemente, sem qualquer compromisso com o ideário politicamente correto”, diz trecho da decisão.
O ministro afirma que essa necessária contextualização, embora, “não signifique imunidade penal, é altamente indicativa da configuração do animus jocandi, inerente e presumido em qualquer apresentação artística dessa natureza, cuja audiência, aliás, demanda postura ativa por parte de quem, livre e conscientemente, escolhe consumir esse tipo de diversão”.
“Daí por que não há que se confundir o presumido animus jocandi de um profissional do humor com o dolo de se praticar crimes, necessário, em regra, para configurar a maior parte dos tipos penais existentes na legislação (art. 18, parágrafo único, do Código Penal). É certo que, como tudo no direito (e na vida), há limites para o exercício de qualquer atividade, e não se descarta a possibilidade de, por meio de piadas, cometer-se crimes. Todavia, é o ânimo interno do agente, a ser extraído das circunstâncias de cada caso – inclusive e especialmente do ambiente – que vai delinear os indicativos da prática, ou não, de ilícitos criminais”, afirma o ministro..
Mendonça também ressaltou que a sentença proferida pela Justiça de São Paulo não especificou trechos dos conteúdos que deveriam ser deletados, optando por uma proibição “ampla e genérica” que impedia a manifestação artística livre pelo humorista, sob pena de multa diária de R$ 10.000.
“Embora tenham sido apontados exemplos de suposta prática ilícita pelo reclamante, mencionando-se ‘indícios de incitação à violência e franco desrespeito à dignidade de grupos histórico e socialmente minoritários e vulneráveis’, a decisão não ordenou a exclusão de falas específicas, mediante a indicação concreta do ilícito, em tese, praticado”, afirmou na decisão tomada na RCL 60.382.
Neste mês, Léo Lins tornou-se réu em ação penal pela possível prática do crime de discriminação de pessoa em razão de sua deficiência. Na ocasião, teve o acesso às redes sociais suspenso por 90 dias e R$ 300 mil bloqueados de suas contas bancárias por não pagamento de multas judiciais.
O que disse Léo Lins no especial
Na decisão da juíza Gina Fonseca Côrrea são citadas as seguintes falas do humorista como exemplos de comentários supostamente odiosos, preconceituosos e discriminatórios contra minorias e grupos vulneráveis:
“Eu acho, de verdade, que o tipo de humor que eu faço é o mais inclusivo de todos. Eu faço piada de tudo e de todos. Quer show mais inclusivo do que esse? Eu já cheguei a contratar intérprete de libras, só pra ofender surdo-mudo. Não adianta fingir que não ta ouvindo não…”. Em seguida, emite sons “imitando” pessoas mudas: “Ahn, ahn, ahn” e diz: “Sinal você entende. Entende esse aqui?” e em seguida: “Eu ia trazer um intérprete hoje, só não trouxe porque eu pensei: “ah foda se os surdos né?” (…) “Eu até aprendi algumas. Vou ensinar pra vocês. Sabe como o surdo e mudo fala bom dia? – Ahnnn! Boa noite? – Nhanhanhan”
“Acho que eu sou o único stand up no Brasil que no dia do show, por conta das ameaças, na porta do teatro, colocaram um detector de metal. (…) E graças ao detector a gente impediu a entrada de 1 canivete e 2 cadeirantes. Os cadeirantes eram muito meus fãs, vieram se arrastando me ver. Parecia um soldado na trincheira eles vindo assim”;
“Agora na Síria tem um anão (finge estar segurando o riso) combatendo o Estado islâmico. (…) Eu acho que esse anão ficou puto porque expulsaram ele do Estado Islâmico. Não dá nem pra ele ser um homem bomba! Vai ser o quê? Um homem estalinho? Eles usam anão em festa junina.” Em seguida, simula atirar anões no chão, emitindo os sons “Pá! Pá! Pá!” e prossegue: “Se tiver algum anão aqui, no final do show a gente estoura. Mais um processo! Pelo menos vai ser pequenas causas”.
Para a juíza, sob o pretexto de se tratar de um espetáculo de humor, Léo Lins, em tese, parece deliberadamente ofender diversos grupos minoritários e vulneráveis, “além de incitar a práticas de diversos crimes, inclusive de natureza sexual”.