Orgulhe-se
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Vez ou outra, percorrendo a timeline do Instagram, me deparo com o pensamento de Clarice Lispector: “Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro.” Há uma certa ironia na frase de Clarice. Ora, se esse defeito pode ser uma sustentação de um edifício inteiro, por que ela chama de defeito? Tudo depende da perspectiva.

Essa frase, recheada de sentidos e ironia, me fez pensar no quanto julguei meu corpo como defeituoso e fora de qualquer atributo de beleza ou de normatividade. Sou uma pessoa trans numa sociedade que ainda empurra meu corpo para a marginalidade social. No entanto, aquilo que já me foi defeito, vergonha ou desencaixe, é hoje minha força motriz.

Não sou um defeito das configurações divinas; ou das teorias da evolução humana. Não nasci no corpo errado. Nasci num corpo que é meu, com suas características universais e também autênticas. Para além do binômio certo/errado, eu nasci no corpo de uma pessoa. Penso que essa é uma das conquistas fundamentais das pessoas trans no nosso tempo. Sim. Nós construímos o entendimento de que não nascemos no corpo errado.

“Mas você é uma mulher no corpo de um homem”.
“Mas você é um homem no corpo errado”.
“Mas você já operou?”.
“Mas você tem que tomar hormônios”.

Mas, NÃO.

Assucena — Foto: Divulgação
Assucena — Foto: Divulgação

Essas premissas estão mais que ultrapassadas, embora ainda façam efeitos violentos em corpos transgêneros ou corpos contra-normativos. Quem aí já ouviu falar de disforia?

Demoramos a respeitar a natureza de nossas essências por um olhar hegemônico sobre aquilo que faz nossos corpos autênticos. Isso não quer dizer que não posso modificar o que me incomoda em meu corpo. No entanto, que seja com a consciência de que não somos um erro, e buscamos por consertar um defeito.

Mas existe o corpo certo? Se formos operar na lógica dessa questão, eu responderia que o corpo certo é aquele que tem ciência de sua autenticidade, e uma vez despido dos trajes dos padrões impostos, essa consciência sabe das necessidades que o faz bem. Mas eu prefiro ir para além do binômio “certo/errado”.

Quando criança, eu aproveitava alguns momentos de solidão para me encontrar comigo mesma às escondidas. Geralmente era nos instantes do sono de minha mãe, depois do almoço e durante a ausência de meu pai, por conta do trabalho.

Meu encontro comigo mesma se valia de eu me despir de minhas roupas de menino e romper a rígida barreira que me separava do encanto de experimentar as saias, vestidos, sapatos e adornos que pertenciam à minha irmã mais nova e à minha mãe. O auge era uma camiseta preta na cabeça, pra simular meus cabelos longos e esvoaçantes. Eu ensaiava trejeitos sinceros e sonhava em um dia revelar essa verdade tão bonita de mim pra o mundo.

Assucena — Foto: Divulgação
Assucena — Foto: Divulgação

Amava me encontrar com aquela menina que me habitava. No fundo, eu sabia o perigo que era esse encontro comigo mesma. Era como me associar com uma espécie de fugitiva. Uma criminosa moral; fora-da-lei; uma pecadora.

Ao passo que algumas dessas verdades iam se manifestando nos meus trejeitais ou na minha fala fina; fui sendo machucada pelos colegas da escola ou por repreensões de adultos próximos: “homem não chora”; “engrossa essa voz”; “você cruza as pernas que nem mulherzinha”; “senta direito”.

Fui sendo domesticada pelo entorno até me tornar uma algoz de mim mesma. Eu queria esconder meu “defeito”. Passei a julgar rigorosamente minhas vontades, meus pensamentos e cancelar de minha agenda os encontros com a menina que me habitava.

Me lembro que, durante minha transição de gênero, demorei a reconhecer a beleza no meu corpo. Mesmo ciente de discussões que me empoderavam. Me julgava feia usando uma saia, ou por tingir minha boca com um batom. Por vezes tinha vergonha de me ver nua e ter que encarar minha genitália.

Ao mesmo tempo, guardava um amor e um respeito por quem eu era. Sabia que era daquela maneira que gostaria de me revelar para o mundo. Eu era aquilo que achavam defeituoso, desviante, feio, pecaminoso. Mas ao lado de pessoas como eu, tive que construir a certeza de que o defeito não estava em mim, mas no preconceito que tinham construído sobre mim.

Assucena — Foto: Divulgação
Assucena — Foto: Divulgação

Penso que a disforia de gênero deve ser discutida de maneira universal. Essa pauta atravessa violentamente os corpos que se sentem “inadequados”; “desencaixados” de um sistema de padrões do que é ser feminino ou masculino. É como se nada no corpo físico escapasse às regras ditadas por esse sistema hegemônico que chamamos de cisnormatividade.

Não quero aqui deslegitimar ou diminuir quem se adequa aos padrões, mas reivindicar fundamentos de minha liberdade e dizer que meu corpo existe e se recusa a ocupar os espaços de marginalidade social, seja físico ou narrativo.

Portanto, eu diria que é possível que, no jogo de insatisfações do cotidiano, você julgue por defeito aquilo que te sustenta. Reconsidere.

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