Moda

“Seu corpo vai mudar a vida de alguém um dia”, ouviu Ashley Graham da mãe, Linda, aos 18 anos. Ainda que ela ache que a mãe não tinha consciência do peso dessas palavras, a profecia se realizou. Modelo desde os 12, a americana ajudou a liderar uma transformação ainda em curso na indústria da moda: a da inclusão de corpos de tamanhos diversos. Fez história como a primeira modelo plus-size a estampar a capa da edição de trajes de banho da Sports Illustrated, em 2016 (experiência que ela descreve como avassaladora, foram meses sendo parada para fotos na rua), e a assinar contrato com uma grande marca de beleza (Revlon, em 2018). Coleciona capas de Vogue mundo afora e é recordista nas passarelas na sua categoria.

Mais do que isso, está à frente também de uma mudança em como muitas mulheres se veem. Se, hoje, mais jovens estão perto de entender e aceitar que cada uma de nós possui um corpo maravilhosamente único, em parte, isso se deve à Ashley. Ao longo da última década, ela vem ajudando a redefinir a visão global de beleza feminina ao se tornar uma das vozes mais importantes a advogar por um ambiente corporal positivo: são quase 22 milhões de seguidores no Instagram, 4,5 milhões de visualizações em seu TedTalk Plus-size? More Like My Size, de 2015, um livro publicado (A New Model: What Confidence, Beauty and Power Really Look Like, de 2017) e um podcast (Pretty Big Deal, gravado entre 2018 e 2020), no qual recebeu Kim Kardashian, Amy Schumer e Serena Williams. O rótulo de plus-size, aliás, ela questiona: “Se o intuito é fazer com que as meninas entendam que existem mulheres que se parecem com elas e que existem designers que estão fazendo roupas para elas, que assim seja. No meu coração, no entanto, sou apenas Ashley, a modelo. Se não rotulamos modelos magras com base em seu tamanho, então por que precisamos fazer isso conosco?”.

Ashley Graham é capa da Vogue Brasil de novembro 2023 — Foto: Vogue Brasil/ MAR+VIN
Ashley Graham é capa da Vogue Brasil de novembro 2023 — Foto: Vogue Brasil/ MAR+VIN

Encontrei com Ashley em São Paulo no dia seguinte ao encerramento da semana de moda de Paris (e, por consequência, do fashion month) e imaginei que, àquela altura, ela estaria descansando no hotel, curtindo um spa, hibernando em seu quarto (eu mesma estava exausta). Ao chegar ao Tivoli, onde ela estava hospedada, no entanto, a encontrei voltando do Mercado Municipal, carregando quilos de castanha-do-pará. Seriam apenas 48 horas no Brasil, onde desembarcou exclusivamente para ser clicada para esta edição, e, mesmo assim, Ashley queria conhecer a cidade. Visitou também a Catedral da Sé, almoçou no Makoto, passeou pelo Beco do Batman (na Vila Madalena), estava em busca de uma camiseta verde e amarela para levar como suvenir.

Assim é Ashley Graham. Pique nas alturas, bom humor, energia, star quality. Real, única, autêntica, à vontade. Um talento incrível para fazer você se sentir relaxado ao seu lado. Enquanto defende mundo afora o que acredita com a força de uma leoa. A nossa conversa acontece à beira da piscina por sugestão dela, que vestia um maiô recortado e uma camisa despretensiosamente jogada por cima. Me sento na espreguiçadeira que Ashley está encostada, pedimos um drinque para cada uma e, algum tempo de conversa depois, ela me pede dois minutos para um mergulho antes de começar a chover e termos que entrar para o restaurante do hotel, onde se senta sem pestanejar à mesa molhada e enrolada na toalha, mesmo que o local estivesse relativamente cheio.

Ashley Graham — Foto: MAR+VIN
Ashley Graham — Foto: MAR+VIN

Para quem a olha assim, esbanjando autoconfiança, é difícil imaginar que algum dia ela não amou o que viu no espelho – ainda que não tenha sido ela a criar caso com o seu corpo: foi o mundo que lhe falou que ela não se encaixava. Criada entre Texas, Geórgia, New Hampshire, Arkansas e Nebraska por “típicos pais boomers, que me deram tudo o que podiam” (as mudanças frequentes se deram por conta do emprego de seu pai, que era consultor de vendas), a americana foi descoberta em um shopping aos 12 anos enquanto vivia em Lincoln (NE) e ingressou na carreira sem que ela ou a família soubessem muito bem onde estavam se metendo. Antes dos 15 anos, já posava de sutiã em matérias que apontavam o “melhor modelo para seios grandes” e tinha que lidar com o ar de surpresa quando dizia para alguém que era modelo, logo tendo que emendar: “bem, sou uma modelo plus-size”.

Ashley cresceu com sua mãe lhe ensinando o quanto ela era bonita. “Quando eu reclamava que algo não cabia em mim, ela me tranquilizava: ‘Seu corpo é assim porque meu corpo é assim, e você faz parte desta família’. Minha mãe nunca olhou para si mesma e odiou o que viu. Ela sempre foi muito feliz com quem ela era.”

Ashley Graham — Foto: MAR+VIN
Ashley Graham — Foto: MAR+VIN

Foi aos 17 anos, ao se formar no colégio e se mudar para Nova York, que ela começou a se questionar, ouvindo em alguns shootings que era grande demais para aquele trabalho, que nunca estaria na capa de uma revista. Em outros, se deparando com o formato do seu corpo sendo refeito no Photoshop bem na sua frente.

“Apagavam minhas estrias, me retocavam da maneira que achavam que era mais bonito para mim. Comecei então a pensar: ‘Oh, meu Deus, isso é feio. Oh, meu Deus, eu não deveria ter coxas tão grandes. Minha cintura deveria ser menor’. Isso realmente mexeu comigo.” Tendo o corpo rejeitado, manipulado e controlado, passou a buscar amor-próprio através do reconhecimento alheio – até entender que deveria reivindicar seu corpo e imagem como sendo únicos. “Me senti livre quando me dei conta de que nunca caberia nos modelos pequenos que a sociedade queria que eu coubesse e que nunca seria perfeita o suficiente para uma indústria que define perfeição de fora para dentro. Gorduras, curvas, celulite, tudo isso, escolhi amar cada parte do meu corpo.”

Ashley Graham — Foto: MAR+VIN
Ashley Graham — Foto: MAR+VIN

Segundo dados da Associação Brasil Plus Size (ABPS), 110 milhões de brasileiros vestem manequim a partir de 46, o que corresponde a mais da metade da nossa população (formada por 203 milhões). Nos Estados Unidos, esse número bate 67%. O mercado plus-size no Brasil movimentou R$ 9,6 bilhões em 2021 e estima faturar R$ 15 bilhões até 2027. Já nas passarelas, segundo análise da Vogue Business, dos 9.584 looks desfilados em 230 apresentações entre Nova York, Londres, Milão e Paris nesta última temporada, 0,9% era de tamanho grande (a partir do 14 americano) e 3,9%, de tamanho médio (6 a 12). Ou seja, 95,2% das roupas foram exibidas em modelos que vestem entre 0 e 4, o que corresponde ao 34, 36 e 38 brasileiros. E muitas dessas modelos representam puro tokenismo, em passarelas que incluem uma única pessoa curvilínea para se resguardar de uma cobrança pela diversidade.

Ashley Graham — Foto: MAR+VIN
Ashley Graham — Foto: MAR+VIN

“Houve uma baixa nos últimos shows. Mas você não pode esperar que tudo aconteça da noite para o dia. O devagar e sempre é que vence a corrida. Sim, sempre esperarei ver corpos curvilíneos nos desfiles. E, quando não vejo, fico desapontada. Mas você nunca vai me ouvir de pé em um palanque gritando que alguém não fez isso e aquilo. Meu trabalho é fazer com que as mulheres se sintam realmente bem consigo mesmas, não importa de que tamanho sejam.”

Levando em consideração as quatro cidades, a estilista brasileira radicada em Londres Karoline Vitto, que se apresentou em Milão com suporte da Dolce & Gabbana, foi a designer a exibir a maior quantidade de modelos plus na passarela: 13. As outras 17 mulheres que cruzaram seu desfile tinham tamanho médio, fazendo da apresentação 100% diversa. “No momento que vi todos aqueles corpos do meu tamanho no backstage, foi realmente revigorante. Eu não entrava em uma sala assim há muito tempo. Karoline desenha para uma garota que não tem medo de mostrar o corpo, mas que também deseja estar sofisticada e na moda”, diz Ashley, que abriu o desfile, do qual participou também a brasileira Rita Carreira (em sua estreia em Milão).

Ashley Graham — Foto: MAR+VIN
Ashley Graham — Foto: MAR+VIN

Além de Karoline, no geral são jovens designers, como Elena Velez, Collina Strada, Di Petsa e Chopova Lowena, a liderar o ranking (em comum também o fato de serem mulheres, a quem é bem mais fácil enxergar quem veste suas roupas como seres humanos, e não manequins decorativos). No Brasil mesmo, cerca de 90% da indústria plus-size é formada por pequenos empreendedores. “Acho que as grandes casas não estão preocupadas de verdade com a inclusão de corpos. Elas têm tido sucesso sem essa inquietação, por que mudariam agora? Acreditam que não é cool trabalhar com garotas curvilíneas, ou que alguém pode pensar que estão promovendo a obesidade. E, de uma perspectiva de negócios, estão perdendo dinheiro. Ainda que tenham grifes como Dolce & Gabbana e Michael Kors que se preocupam de verdade e deixam isso muito claro.”

Ashley Graham — Foto: MAR+VIN
Ashley Graham — Foto: MAR+VIN

“Já os designers mais novos, acho que eles se importam. É uma geração que o coração abrange a todos. Você vê gêneros e tamanhos diferentes, várias etnias e idades. Essa é outra razão pela qual tem sido muito fácil para mim usar designers emergentes: eles sabem que não se trata apenas de vestir um corpo cheio de curvas. Trata-se de vestir todos os tipos de mulheres.” Mesmo tendo acesso a praticamente qualquer estilista que deseje, Ashley ainda tem dificuldade para se vestir para um evento quando este acontece de última hora. Enquanto muitas celebridades têm looks feitos sob medida para si da noite para o dia, a ela muitas marcas tendem a pedir um mês de prazo. “Alguns designers não sabem como trabalhar com grades de tamanhos maiores e isso é algo que precisa ser ensinado na faculdade de moda.”

Ashley Graham — Foto: MAR+VIN
Ashley Graham — Foto: MAR+VIN

A modelo é mãe de Isaac (de 3 anos) e dos gêmeos Malachi e Roman Ervin (de quase 2) e, desde a gravidez, vem compartilhando suas reais experiências com a maternidade em seu perfil no Instagram. Celebrou as marcas de estrias que surgiram em sua barriga e as chamou de “árvore da vida”, mostrou diversas vezes seu corpo logo após os partos, teve seu Instagram reportado por usuários como conteúdo impróprio pelas imagens amamentando. Em outro momento, foi criticada por trocar a amamentação pela fórmula quando os gêmeos tinham 5 meses. “Mulheres são julgadas o tempo todo. Queremos apenas ter bebês saudáveis. Eu não me importo como eles estão sendo alimentados, desde que estejam saudáveis.”

Ashley engravidou dos gêmeos quando Isaac tinha pouco mais de 1 ano. Antes disso, ainda sofreu um aborto espontâneo. Dar à luz a três filhos em dois anos foi uma montanha-russa de emoções. “Louco, insano. E tudo agora parece diferente: minha barriga, seios, coxas, costas. Mas estou orgulhosa de mim mesma. Há dias em que penso: ‘isso não parece bom’. E tudo bem. Em outro, ‘meu corpo é forte. Eu sou uma força a ser enfrentada’.”

São 23 anos de carreira como modelo, e ela não vai desacelerar. Posou grávida para a capa da Vogue americana em 2020, é uma das modelos a estampar o Calendário Pirelli de 2023 (ao lado de nomes como Bella Hadid e Precious Lee) e segue como rosto da Revlon. Nessa última temporada, desfilou para marcas como Dolce, Michael Kors, Boss e Harris Reed. “Há um estigma que, se você é mãe, talvez devesse ficar em casa. Como se você tivesse que sentir falta dos seus filhos o tempo todo ou não pudesse trabalhar o tempo todo. Sou uma mulher que adora trabalhar e adora viajar e agora organizei minha vida para que eu possa ter os dois mundos.”

Ashley Graham — Foto: MAR+VIN
Ashley Graham — Foto: MAR+VIN

Casada há 13 anos com o diretor e cineasta Justin Ervin, costuma passar os fins de semana com os garotos, preparando s'mores, nadando, explorando a natureza ao redor de onde moram. O casal trocou, no ano passado, o apartamento no Brooklyn por uma casa em New Jersey, subúrbio de Nova York, localizada em uma propriedade de 10 mil m2. Ela me conta animada que nos próximos dias a família iria crescer, com a chegada de uma cachorrinha.

Entre os desejos profissionais, ainda gostaria de estrelar uma campanha de perfume e de ser fotografada por Steven Meisel. Diz que a maturidade lhe trouxe serenidade. “Aos 20 anos, você ainda não sabe realmente quem é, apesar de pensar que sim. Acha que é invencível, faz um monte de coisas estúpidas. Hoje, aos 35, posso realmente apreciar onde estou. E estou muito animada para os 40. Se me considero durona agora, espere até eu ter 40 anos.” E que o melhor conselho que já recebeu foi começar antes de se estar pronto. “Estamos sempre em busca de algo que pensamos que vai nos deixar prontos para a escolha, para a ação. E você nunca estará. E, mesmo quando estiver, ainda vai duvidar de si mesmo. Então mergulhe.”

Ashley Graham — Foto: MAR+VIN
Ashley Graham — Foto: MAR+VIN

Em uma pesquisa encomendada pela Dove no início dos anos 2000, que ouviu 3.200 mulheres entre 18 e 64 anos de dez países, incluindo Brasil e Estados Unidos, apenas 2% das entrevistadas responderam que se consideravam bonitas. Ashley segue lutando para mudar esse dado, seu legado para as próximas gerações. “Queria dizer para as outras 98% que elas não estão sozinhas. Que o corpo delas se parece com o de outra pessoa. Talvez não nas redes sociais, nas revistas ou nas passarelas, mas com o de alguém. Não se compare, se você começar, nunca vai conseguir interromper esse ciclo.”

Ashley me conta como nunca quis ser a melhor, mas sim a sua melhor versão. Que, para ela, o número 1 não significa nada. Você pode estar no topo e se sentir infeliz, estar sozinho, sem dinheiro, ter uma tragédia pairando em sua vida. A vitória é ser o melhor para você. Ainda que ela hoje definitivamente ocupe o posto de número 1. “Mas você chega ao topo e seu corpo ainda é controlado por alguém, ainda é manipulado, ninguém nunca está feliz com você. Nunca deixe alguém dizer que você não consegue. Você sempre não será bom o suficiente para alguém.”

Ashley Graham é capa da Vogue Brasil de novembro 2023 — Foto: Vogue Brasil/ MAR+VIN
Ashley Graham é capa da Vogue Brasil de novembro 2023 — Foto: Vogue Brasil/ MAR+VIN
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