• Laís Franklin
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Fotografada em sua casa, em São Paulo, Samantha Almeida usa vestido Isaac Silva (Foto: João Bertholini)

Fotografada em sua casa, em São Paulo, Samantha Almeida usa vestido Isaac Silva (Foto: João Bertholini)

Eleita pelo Prêmio Wired Festival Creative X uma das 50 pessoas que expandiram a criatividade no Brasil; integrante da lista Mipad (Most Influential People of African Descent), da ONU, como um dos cem afrodescendentes mais influentes do mundo; homenageada no Women to Watch, premiação que reconhece lideranças femininas disruptivas no meio empresarial... tudo isso só em 2020. O nome de Samantha Almeida costuma vir acompanhado pelos predicados de executiva expert em comportamento digital e publicitária que antecipa tendências de marketing de influência, mas ela também poderia facilmente ser reconhecida como aquela que carrega uma energia arrebatadora e um sorriso largo, além de esbanjar carisma, estilo próprio e ser apaixonada pela vida em nível máximo. “Não quero cair na simplicidade do casual, sou toda montada e colorida mesmo. Não sou minimal, sou opulência. Sou volume, exagero, uma pessoa que vive intensamente”, conta de sua casa, na Zona Norte de São Paulo, em entrevista por videoconferência.

Top Gallerist, quimono e calça, ambos Calma, brincos Vanda Jacintho e sandálias Framed (Foto: João Bertholini)

Top Gallerist, quimono e calça, ambos Calma, brincos Vanda Jacintho e sandálias Framed (Foto: João Bertholini)

Por onde a carioca passou ao longo da carreira, foi peça chave em construir narrativas plurais pautadas em equidade de gênero e diversidade com proporcionalidade de raça e corpos. “Quando comecei a tratar de diversidade, lá em 2002, estávamos no auge do consumo e se pensava numa perspectiva muito mais sobre classe”, relembra ela. Antes de assumir o atual posto de diretora do Twitter Next no Brasil (área que atua nas soluções locais e globais em parceria com anunciantes para o desenvolvimento de estratégias e campanhas criativas), foi head de conteúdo na Ogilvy Brasil, head de música e entretenimento da Music2/Mynd, atuou como líder de comunicação da Avon e da Esteé Lauder, além de ter trabalhado em empresas de moda como a Levi’s – só para citar algumas passagens de seu vasto currículo.

“Sou a primeira pessoa do meu núcleo familiar com acesso a um curso superior, e tenho 40 anos. Isso não deveria ser uma realidade”, defende ela, que considera sua posição de liderança fruto das várias ações afirmativas de empregabilidade do movimento negro. “As campanhas em que a pauta de diversidade entra como premissa ainda são muito recentes, mas finalmente sou capaz de intervir em um não pertencimento que me acompanhou durante muito tempo. Meu processo criativo está muito menos preocupado com o resultado final das coisas e muito mais com o lugar de onde aquilo vem e como posso contribuir para ampliar as visões postas.”

Tênis Nike (Foto: João Bertholini)

Tênis Nike (Foto: João Bertholini)

A infância na comunidade da Rocinha, no Rio de Janeiro, moldou grande parte da identidade independente e da autoestima desta inquieta sagitariana com ascendente em Câncer, que se mudou com a mãe para a capital paulista na adolescência, onde estudou em diferentes escolas particulares como bolsista. O fato de ter vivido em ambientes contrastantes e de culturas diversas fez com que ela ficasse expert em encontrar boas saídas para os desafios das marcas com as quais trabalha. “É impossível não dizer que a minha base criativa é preta, periférica e feminina. As pessoas mais interessantes que eu conheci não falavam inglês, não estudaram em Harvard, não tinham ‘os grandes currículos’, mas possuíam uma sensibilidade profunda ao olhar para o mundo.”

Jaqueta Rhythim Clothing (Foto: João Bertholini)

Jaqueta Rhythim Clothing (Foto: João Bertholini)

A comunicadora recorda que cresceu sem muitos bens materiais (casa própria da família, TV nova e carro estavam fora de questão) e que foi ensinada a enxergar os limites da periferia como um ponto de partida – e não como a totalidade de sua realidade. “Meus pais faziam uma economia fantástica para que eu pudesse estudar jazz, teatro, natação e inglês. Eles entendiam que a educação era provavelmente a fórmula para a construção do meu futuro.”

Havia também uma poupança dedicada a criar um álbum de fotos da infância de Samantha (que hoje fica guardado em sua escrivaninha e tem até nome especial, “O famoso destino de Sapolain”, em homenagem ao filme francês O Fabuloso Destino de Amelie Poulain): uma vez por ano, a carioca era clicada pelo fotógrafo Monega (do conjunto habitacional da Cruzada São Sebastião) em cartões-postais do Rio vestindo looks extravagantes, praticamente um editorial de moda. “Uma costureira fazia modelos sob medida para mim com base em fotos de celebridades que minha mãe recortava das revistas.” Só que os looks sempre ganhavam um twist a mais, fosse o dobro da quantidade de bordados ou laços e acessórios de cabeça de formatos variados. “Carrego esse espírito maximalista comigo até hoje”, conta ela, que já passou por várias transições capilares até se sentir bem com os próprios fios. Um dia, ela aposta em um coque de trança nagô e, na manhã seguinte, pode surgir repaginada com os cabelos trançados de box braid.

Coroa Isaac Silva (Foto: João Bertholini)

Coroa Isaac Silva (Foto: João Bertholini)

Assim como a beleza, a moda funcionou quase como um passe para que ela pudesse se afirmar e transitar por espaços de poder que frequentou, caso da Faculdade Santa Marcelina, onde se formou em design de moda em 2001. “Fui caloura de toda uma geração de criativos muito bons, como o Dudu Bertholini e o Wilson Ranieri. A faculdade me mostrou que, apesar de dedicada, meu talento natural não estava no design”, relembra sobre a virada na carreira para a área de comunicação.

Hoje, entre os estilistas que ela admira e dos quais fomenta o trabalho, estão a cabo-verdiana Angela Brito e a baiana Adriana Meira, além de metade do seu guarda-roupa ser composto por peças e acessórios de cabeça assinados pelo também baiano Isaac Silva. “Me comunico mesclando tênis com alfaiataria para mostrar que sou acessível e, acima de tudo, me divirto”, conta ela, que é sneaker head assumida e veste sem medo o sportswear no meio empresarial. “Não quero deixar ninguém esquecer que sou fruto dos anos 90. Lembro até hoje de quando comprei meu primeiro Jordan (um dos modelos mais clássicos da Nike), eu queria dormir com ele nos pés de tão apaixonada que estava pela conquista. A cultura urbana é muito fascinante.”

Vestido Vanda Jacintho, brincos Flavia Madeira e tênis Converse (Foto: João Bertholini)

Vestido Vanda Jacintho, brincos Flavia Madeira e tênis Converse (Foto: João Bertholini)

Num período ainda pandêmico em que muita gente decidiu repensar sua relação com a moda e desapegar daquilo que não faz mais sentido no armário, Samantha confessa que optou conscientemente por não abrir mão de nenhum item. Mais do que isso, cada peça tem sido fundamental para balancear sua saúde mental. “Logo depois do boom do movimento Black Lives Matter, que engatou na morte de João Alberto em um Carrefour de Porto Alegre, em novembro passado, eu estava exausta. Fiquei desinteressada de banho, de maquiagem, de ficar bem e bonita para mim. Estava me sentindo vazia”, diz ela, que na época também vivia o luto da perda da mãe, que morreu em 2019.

“A terapia me trouxe para esse exercício de me enxergar 100% em todos os momentos, mesmo que seja neste quadrante limitado de Zoom, para que eu não esquecesse quem sou e como a minha personalidade está diretamente ligada com aquilo que visto”, conta. “Essa pandemia me fez rever para quem dou minha energia, com quem eu quero conversar durante duas horas, como estamos fazendo aqui. Dois mil e vinte levou tudo e me deixou irritada e sem esperança, me esvaziou por completo, e 2021 tem que preencher esses espaços. Tenho feito isso por meio das histórias que escolho vestir todos os dias. Moda tem sido meu sinônimo de autocuidado.”

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Styling: Juliana Beukers Ruiz
Beleza: Angel Moraes
Produção de moda: Coletivo Gaia