• Freddie Braun
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7 momentos inesquecíveis na história do Oscar (Foto: Reprodução)

7 momentos inesquecíveis na história do Oscar (Foto: Reprodução)

Em 2015, a indústria cinematográfica passou por uma mudança de paradigma sem precedentes. Logo após o Oscar anunciar seus indicados em 15 de janeiro, #OscarsSoWhite (Oscar muito branco), originalmente cunhado pela ativista April Reign, começou a ser tendência no Twitter. O motivo? Todos os 20 atores e atrizes indicados eram brancos, enquanto Straight Outta Compton: A História do N.W.A., Creed: Nascido para Lutar e Beasts of No Nation - filmes aclamados pela crítica com protagonistas negros - foram quase que totalmente ignorados.

Com apenas um quarto de todos os papéis com falas sendo de pessoas negras naquele ano, esses desprezos do Oscar pioraram as coisas ainda mais. A repercussão negativa ganhou vida própria, finalmente precipitando mudanças sísmicas em Hollywood e na indústria do entretenimento como um todo.As estatísticas falam por si mesmas.

Em 2019, o The Telegraph informou que, desde o início do Oscar, em 1928, apenas sete por cento dos indicados para Melhor Ator eram não-brancos, em comparação com 4,2 por cento das indicados para Melhor Atriz e 3,2 por cento para Melhor Diretor.

Membros de outros grupos minoritários também não foram bem sucedidos. Durante seus 92 anos, o Oscar premiou apenas um pequeno número de membros “fora do armário” da comunidade LGBTQ+ (uma estatística que não leva em consideração muitas performances dignas de troféus de atores heterossexuais que retratam personagens gays, lésbicas ou transgêneros).

Embora decepcionantes, esses números não nasceram exatamente do nada. Em 2014, um ano antes da hashtag #OscarsSoWhite catapultar a questão da diversidade (ou a falta dela) para o centro das atenções, uma pesquisa do The Los Angeles Times descobriu que 94% dos 6.028 eleitores do Oscar eram brancos e 76% deles eram homens. Desde então, a Academia injetou seu quadro de membros com uma heterogeneidade bastante necessária, mas a questão da representação nas telas chega muito mais fundo do que aparenta.

Por que se ver nas telas é tão importante

Na década de 1940, o psicanalista francês Jacques Lacan propôs que os bebês passassem pelo "estágio do espelho.” Durante esta fase, as crianças reconhecem seu próprio reflexo e se distinguem umas das outras. Em outras palavras: nos vermos refletidos de volta ajuda a desenvolver um senso saudável de personalidade.

Na década de 1960, a psicóloga social americana Elaine Hatfield havia cunhado o termo "hipótese de correspondência", que afirma que as pessoas têm maior probabilidade de formar e ter sucesso em relacionamentos com alguém que é tão socialmente desejável quanto elas. Simplificando, somos atraídos pela familiaridade. Mas o que isso tem a ver com a diversidade em Hollywood?

Em suma, o que vemos nas telas reforça nosso senso de identidade à medida que passamos pela adolescência e a idade adulta. Embora a cultura reflita o espírito da época através de uma lente artística, ela também ajuda a moldar a realidade, dizendo ao público quais histórias valem a pena compartilhar e quais não, escolhendo quem será excluído da narrativa e quem será colocado no centro das atenções. O entretenimento fortalece, mas também possui a capacidade de destruir o senso de personalidade de um indivíduo.

Caubóis indiferentes, super-heróis brancos salvando o dia, mulherengos heterossexuais conquistando seus interesses amorosos - esses contos se tornaram tão comuns que nos tornamos cegos à maneira como os marginalizados foram apagados. Minorias étnicas, personagens gays multidimensionais, protagonistas femininas que fracassam no teste de Bechdel muitas vezes foram relegadas a tramas paralelas, com consequências devastadoras.

Precisamos transformar o invisível em visível

"Aniquilação simbólica" - termo criado por George Gerbner em 1976 - descreve a ausência de representação ou sub-representação de grupos na mídia com o objetivo de manter a desigualdade social. Simplificando: as histórias têm o poder de apagar grupos inteiros de pessoas da narrativa.

Também há evidências para apoiar isso. Estudos mostram que não poder ver seu reflexo na cultura pop pode ter um impacto negativo na saúde mental. Em 2011, a The Opportunity Agenda (Agenda de Oportunidades) descobriu uma correlação entre estereótipos negativos da mídia e menor expectativa de vida entre homens negros.

“As mulheres negras têm sido as líderes das nossas próprias vidas por anos. Isso deveria se refletir na TV," disse a atriz Tracee Ellis Ross à Vogue em novembro de 2019." O que acho frustrante é que o entretenimento nem sempre reflete o mundo em que vivemos."

As comédias de Ross, Black-ish e seu spin-off Mixed-ish, fizeram questão de fornecer um espelho para aqueles que se sentiram marginalizados no passado. A série ganhou as manchetes ao cobrir tópicos polêmicos, que abrangem desde a brutalidade policial ao uso da “N-word” (a palavra com N). Quebrando os paradigmas e fazendo provocações (os Obamas são fãs dela enquanto Donald Trump a chamou de "racista"), a série fala sobre raça de maneira sutil, em vez de fornecer réplicas simplistas.

A atriz, produtora e roteirista Issa Rae, criadora de Insecure, primeira série desenvolvida e estrelada por uma negra (Foto: Daniel Zuchnik/Wireimage, Mayan Toledano e Divulgação)

A atriz, produtora e roteirista Issa Rae, criadora de Insecure, primeira série desenvolvida e estrelada por uma negra (Foto: Daniel Zuchnik/Wireimage, Mayan Toledano e Divulgação)

Desvendando as histórias que vale a pena contar

Felizmente, as coisas parecem estar caminhando na direção certa. Se os 3,2 milhões de espectadores de Black-ish e as inúmeras vitórias em prêmios são exemplos a se considerar, parece haver um apetite crescente por personagens negros complexos e multidimensionais. Junto com Black-ish estão séries como How to Get Away With Murder, Insecure, Master of None, Quântico e Empire - Fama e Poder, que apresentam personagens imperfeitos e multifacetados que não são brancos.

Da mesma forma, as histórias de sucesso de filmes recentes como Moonlight - Sob a Luz do Luar, Pantera Negra, Com Amor, Simon, Podres de Ricos e Capitã Marvel deram início a uma nova era de enredos inclusivos, com protagonistas que antes eram apenas atores de apoio. O 'amigo gay atrevido' foi substituído por um adolescente normal e angustiado que acaba tendo uma queda por outro garoto. O 'ajudante negro' evoluiu para um super-herói com uma história de fundo em camadas.

Os personagens não são mais meramente definidos por sexo, orientação sexual ou cor da pele. Em vez disso, essas características foram transformadas em idiossincrasias, parte de um todo maior. Um relatório do GLAAD constatou que em 2019, 47% de todos os personagens regulares das séries de TV transmitidas nos EUA eram pessoas não-brancas (aumento de 3% em relação ao ano anterior e um recorde). Os espectadores não se contentam mais em serem deixados de lado - eles exigem que suas identidades sejam refletidas.

Olhar para trás para avançar

Essas mudanças recentes fizeram com que Hollywood ficasse mais alerta, chegando ao ponto de admitir os erros passados. Recentemente, Seth Rogen conversou com a GQ sobre a maneira como a homossexualidade era tratada em seus filmes no início dos anos 2000: “Não queremos que as pessoas se sintam mal quando estão assistindo nossos filmes. Houve pessoas que vieram até mim e disseram, 'Aquilo me fez sentir uma merda quando eu estava no cinema e todo mundo ria disso.' Como aquela coisa  'Sabe como eu sei que você é gay' [de O Virgem de 40 anos]. ”

Embora a diversidade nas telas não esteja onde precisa estar (#BaftasSoWhite começou a aparecer no Twitter na manhã de 7 de janeiro, depois que a lista de indicados estava toda branca, enquanto o Oscar mal escapou de uma reprise semelhante uma semana depois), esses últimos anos inauguraram uma era de estreias importantes. A maneira como contamos histórias tem um impacto duradouro na saúde mental de um indivíduo, no senso de sua personalidade e na compreensão do seu lugar na sociedade.

Avançamos rapidamente e, no entanto, apenas começamos a tocar na superfície dos tipos de histórias esperando por serem contadas. Histórias que nos mostram quem somos e tudo o que podemos ser.