Em maio deste ano, a chef Dona Carmem Virgínia (@carmemvirginia), que comanda há quase uma década o restaurante Altar, em Santo Amaro, no Recife e que protagonizou programas culinários na TV paga, abriu as portas da nova unidade paulistana do restaurante, localizado na Vila Madalena, reduto boêmio e gastronômico da capital paulista. “Estamos conseguindo trazer no sabor, a alma do Altar. É a energia do próprio restaurante”, diz Dona Carmem, num bate-papo com Vogue.
O colorido e contagiante Altar Cozinha Ancestral, que já celebra a conquista do selo internacional El Espíritu de América Latina, concedido pelo The World 50 Best, é um reduto de símbolos da cultura afro-brasileira e principalmente nordestina, é repleto de imagens de santos, esculturas de orixás, e apresenta um baobá ao centro do salão principal. Quem assina o projeto de arquitetura é Bianca Nóia, da BN2.
Ao fazer de São Paulo sua segunda morada, Dona Carmem conta com a parceria de mais duas mulheres como sócias, com bagagens e repertório muito diferentes da chef, mas que juntas deram vida à primeira filial do restaurante: a empresária Fátima Pissarra e a cantora Luísa Sonza. “Elas que sonharam em ter o Altar em São Paulo”, afirma a chef, que ainda sente dificuldade em levantar investimentos por meio dos bancos tradicionais, sendo uma mulher preta. “Por mais que eu tenha o privilégio de ter o meu trabalho consolidado, ainda assim, para os bancos e para o sistema racista, eles ainda não me veem como um potencial para investir. A Luísa e a Fátima foram duas pessoas que me deram apoio, além da questão financeira. É uma troca.”
Com um receptivo bar e mercearia logo de cara na entrada, o bartender Marquinhos Felix é o responsável pelas receitas clássicas e autorais preparadas com ingredientes regionais e dos biomas brasileiros, como o coquetel Conceição Evaristo, feito com Bourbon, jurema (árvore sagrada pelos povos originários), xarope de rapadura, mix de limão, folhas de hortelã e uma guarnição também de hortelã. A casa também conta com uma carta de vinhos elaborada em parceria com a sommelière Silvana Aluá, idealizadora da Confraria das Pretas e, Kaio Alves, Mário Alpães e Geíza Abreu. Destaque para a seleção de vinhos orgânicos e espumantes que harmonizam com os pratos do Altar.
Antes de começar os trabalhos, vale ressaltar que todos os pratos são assinados por Dona Carmem, que começou a cozinhar a partir dos sete anos de idade e mantém os mesmos fornecedores locais da matriz recifense abastecendo a cozinha de São Paulo. Suas inspirações partem dos arquétipos dos orixás ou personalidades e amigos que convivem com a chef, como as empadas de vatapá com camarão e queijo do reino Lazinho e Taís, feitas em homenagem aos atores Lázaro Ramos e Taís Araújo. “Me sinto lisonjeada e aceito de coração e com humildade o olhar generoso de quem come a minha comida.”
Os caldinhos quentes como o de sururu ao molho de leite de coco e especiarias e o de feijão, acompanhado de um copinho de cachaça e uma fruta da estação, são ótimas pedidas para a entrada, além do acarajé, um clássico da comida do Altar. São cinco unidades acompanhadas de vatapá, camarões secos e molho lambão (também conhecido como vinagrete). O carro-chefe da casa, a galinha cabidela da minha avó (que no caso é a dona Edna, avó da chef), preparado com com sangue, mel e vinagre, favas, farofa bolão e batata-doce dourada na manteiga de alecrim, é um sucesso entre as mais pedidas do menu.
Aos amantes do doce, impossível deixar de provar a sobremesa de mainha pra painho 4 punhetinhas, bolinhos fritos de tapioca e coco, açúcar e canela, cercados, e que devem ser lambuzadas no doce de leite.
E como a luta contra a desigualdade e resistência é imperativo dentro do Altar, o Dia da Mulher Negra, Latino-americana e Caribenha, celebrado nesta terça-feira, 25.07, a casa oferecerá em seu almoço um menu especial de três tempos, em referência a data. A entrada fica por conta do paixão de Logun, um milho verde cozido no leite de coco, massala de mainha, pimenta-de-cheiro, coentro e manteiga de garrafa. Para falar de Tereza, um caril de frango à moda de Moçambique com salada de manga e arroz de capim-limão, fica por conta do prato principal. E para finalizar, o manjar das deusas, de coco com calda de ameixa. A data também remete ao Dia Nacional de Tereza de Benguela, líder quilombola que viveu no século 16, homenageada pela casa neste dia.
Estar no Altar versão paulistana é poder ter contato com um pedaço do Nordeste em meio ao caos de São Paulo. Um lugar de pausa, com sorrisos distribuídos da entrada à saída, com a certeza que além do sabor, está garantido provar pratos elaborados com tanta bagagem e enriquecido de misturas da culinária afro-brasileira.“Quando a pessoa come a minha comida, que não é minha, é do orixá, ela vai entender de onde eu vim, quem são os nossos povos, os meus ancestrais e que eu não faço comida de herança de escravos. A herança que eu tenho são de reis e de rainhas”, enfatiza a chef e finaliza: “O grande lance da história é a pessoa sair daqui melhor do que entrou, alimentada. E não só do corpo, mas da alma. Que volte com uma outra visão do mundo.”
Altar Cozinha Ancestral São Paulo: Rua Medeiros de Albuquerque 270, Vila Madalena, SP. @restaurantealtarsp