dona das minhas águas, deusa de meus próprios rios

a poeta Ryane Leão conta sua trajetória de prazer, amor próprio e autoestima

Por Estúdio de Criação / EGCN


Ryane Leão Pétala Lopes
audima

meu corpo casa é meu primeiro poema. demorei um tempo para me acostumar com ele. compreender que nem sempre estaria confortável comigo mesma, mas que minha pele me convidaria a uma nova chance diariamente. demorei para estar diante do espelho sem desviar. olhar tudo, abarcar os detalhes, abraçar a confusão, falhar e me permitir o recomeço, beijar esse império que eu sou. meu corpo casa sabe nadar, sabe sorrir, sabe curar a si mesmo. tem cicatrizes, tem estrias, tem contornos, tem dimensões, tem texturas, tem consistências, tem ventos em movimento, tem marcas de uma mulher que se encara e se joga, tem afeto em frequência imperfeita e tem continuidade e ancestralidade pulsante. minhas leitoras me perguntam como se autoconhecer e eu digo que não há receita ou fórmula, mas uma bússola que dança com nossas existências reais. é preciso deixar a porta aberta para si mesma, ter coragem para cultivar o amor próprio.

Ryane Leão — Foto: Pétala Lopes

um corpo casa é o suor, o cheiro, o gemido, os líquidos, a possibilidade, o templo, o sagrado. um corpo casa é pacífico e estrondoso, contraditório e imenso. mágico. demorei para aprofundar o que era prazer, como me dar esse deleite e quais caminhos meu próprio corpo indicava, alinhava, direcionava. observar essa grandeza que eu sou sem deixar pra depois a vontade verdadeira que é mergulhar em mim. nadar comigo, despertar comigo, experimentar comigo. recuperar a autoestima, mapear minha imensidão e tudo aquilo que quero. ser meu foco, descobrir, descortinar, derramar. saber da potência de chegar ao orgasmo e me entregar plenamente. me encher de vida é saber quem sou.

ninguém me ensinou o caminho ou como despertar meus desejos. fui arriscando, me aproximando e desenhando a minha cartografia. fui me amando e tropeçando e garantindo que esse processo pode também ser bonito. foi meu reflexo que me dizia: toque, sinta, arrepie-se. a entrega total e verdadeira primeiro pra mim, depois para a outra pessoa – porque aí posso indicar a estrada que gosto. conhecer o meu corpo, meu poder e minha sede para saber abranger as correntezas. agora sinto minhas mãos mais livres para me percorrer e derreter, escrevo livros inteiros num orgasmo. meu corpo casa gosta de declamar, existir inteiramente, coexistir em expansão. meu corpo casa me convida, me diz que há para onde retornar e molha meu destino e meus sabores. meu corpo casa tem gosto, tem gozo, tem cuidado. um corpo casa se parece muito com o seu e com o meu. adentre a sua poesia e escreva seu nome em tudo aquilo que é abundantemente prazeroso. não precisamos esperar que alguém nos descubra, podemos beber nossas ondas e deixar que a água corra. fluida e deliciosa. um oceano sabe seguir, confie.

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