Por Costanza Pascolato

Costanza Pascolato reflete sobre a alta-costura da vida real

Shows da Dior e da Valentino mostram que a tradição da alta-costura é valiosa ao indicar as estratégias e ambições da indústria do luxo


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Os looks aparentemente simples mas de materialização complexa da VALENTINO — Foto: Launchmetrics Spotlight e Getty Images

Grandes marcas de moda têm usado a tradição da alta-costura para definir diferentes estratégias de expansão, e o inverno 2023 desfilado em Paris, em julho, surpreendeu pela abundância de roupas para uma vida luxuosamente real. Shows como o da Dior ou da Valentino mostram por que a notável complexidade criativa da couture também pode indicar os rumos da indústria do luxo.

E agora, além do propósito original de oferecer peças caras e raras para alguns poucos privilegiados, o valor da audiência digital conta muito – o que amplia, de forma espetacular, o alcance e os interesses da couture.

O termo alta-costura designa uma tradição francesa que é símbolo de luxo, excelência e savoir-faire. O segmento é protegido juridicamente desde 1945. Diferentemente do que acontece no prêt-à-porter, as roupas são construídas sob medida, tudo feito à mão, nos ateliês das maisons. São criações e peças que envolvem o trabalho de equipes formadas por, no mínimo, 20 pessoas. O atelier flou, por exemplo, só se ocupa de silhuetas e tecidos mais fluidos. Já o atelier tailleur cria estruturas como blazers, calças ou casacos.

As “deusas” modernas comsilhuetas alongadas da DIOR — Foto: Launchmetrics Spotlight e Getty Images

Mas qual o sentido de tantas regras, detalhes e rigor no mundo de hoje? Além de gerar novos negócios entre os super-ricos, a couture estimula outros desejos, como o de perfumes e acessórios. Mais importante ainda, ela garante o lugar da inovação quando designers exercitam habilidades em roupas de complexidade e criatividade extraordinárias.

Na Dior, a designer italiana Maria Grazia Chiuri deu uma lição magistral de como produzir drapeados monásticos e graciosos. Segundo disse, a extensa procissão de “deusas” modernas comsuas silhuetas alongadas juntou a poderosa simplicidade da antiga cultura greco-romana e o conceito de classicismo – duradouro e relevante – por meio da alta-costura.

A “divindade” de todas as mulheres é um dos temas favoritos de Chiuri. Nada banal, ela usa a elegância rigorosa das vestes para criar “altas sacerdotisas”. No ritual, honra o legado do “terno Dior” original colocando jaquetas completamente desestruturadas sobre longas saias e vestidos.

Os looks aparentemente simples mas de materialização complexa da VALENTINO — Foto: Launchmetrics Spotlight e Getty Images

A coleção tem uma paleta de tons neutros – marfim, areia e preto – e contornos elegantemente estendidos, tecendo inúmeras e preciosas texturas com minipaetês e micropérolas. A formalidade é substituída por um chique moderno, atemporal. Grandiosa, mas discreta, provavelmente atrai clientes de alta-costura de várias culturas e países por “conversar” com mulheres do mundo todo.

Pierpaolo Piccioli chamou seu desfile da Valentino de “Un château”.Ocastelo em questão era o de Chantilly, um lugar de contos de fada, construído pelo rei Luís XIV no norte da França. Citando o escultor romeno Constantin Brancusi [1875-1957] – para quem “simplicidade é a complexidade resolvida” –, Piccioli mostrou a coleção na área externa do château. Era uma metáfora, algo como livrar-se das constrições de uma vida protegida e elitista.

A alta-costura é sabidamente um ofício de dificuldade absoluta, mas Piccioli, cujo ateliê é hiperqualificado para dar vida às criações mais elaboradas, acredita que a essência couture é simples. Foi essa a ideia que ele defendeu com clareza em formas irrepreensíveis – e toque certeiro de extravagância.

O ar quente do final da tarde no verão europeu fazia ondular a longa cauda dos vestidos, expondo pernas e corpos. Muitos trajes, quase sem costuras, exibiam admiráveis “franzidos” e “torcidos”, um efeito possível com grande técnica. O objetivo era mudar a hierarquia estética. Como no jeans desfilado pela modelo Kaia Gerber, feito de gazar de seda e inteiramente bordado com pequenas contas peroladas tingidas em 80 tons de azul para parecer índigo desgastado.

O designer materializou roupas supostamente impossíveis de serem feitas, se não por mãos hábeis, de puro conhecimento. Em pleno advento da inteligência artificial, essa pode ser, como já se disse, a mais preciosa de todas as coisas.

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